“Precisamos criar novos imaginários para a população negra deste país.” O ator Cridemar Aquino sabe que a tarefa é necessária, mas não é nada fácil. É com cada um fazendo uma parte que alcançaremos o objetivo. Cridemar poderá ser visto na tela da Globo a partir de 22 de novembro como o delegado Nunes na próxima novela das 19h, Quanto mais vida, melhor.
“O Nunes é responsável e preocupado com o trabalho que desempenha com o subdelegado Prado, interpretado por Predroca Monteiro. Formamos uma dupla bem-humorada, que vai investigar todas as tretas da novela. Ter um ator negro interpretando personagens variados na teledramaturgia brasileira sempre será importante. Isso mostra a capacidade interpretativa dos atores negros, sem fortalecer os estereótipos que já não cabem mais dentro desse contexto sócio-político-cultural em que vivemos hoje”, afirma o ator, em entrevista ao Correio.
Não é apenas na televisão que Cridemar luta contra o racismo. Nos palcos, ele se apresenta com o espetáculo Invisíveis, no qual vive um ex-presidiário negro que é “invisível” ao olhar da sociedade. “Uma das funções da arte é fazer com que as pessoas pensem e reflitam sobre o seu entorno e consigam fazer a transformação de todos. Acredito muito nisso”, explica.
Cridemar reconhece que é “muito difícil lutar contra o racismo estrutural”, mas sabe também que “a inércia não nos ajuda em nada”. O ator ainda faz um alerta: “O racismo mata. Não podemos mais ignorar esse fato. Precisamos fazer ações diárias de combate a esse mal que, infelizmente, mata pessoas pretas todos os dias”.
O ator ainda investiga a própria identidade em outro espetáculo, Orobó — Masculinidades negras, interrompido por causa da pandemia, mas que deve voltar em breve. “O homem negro precisa se sentir pertencente à sociedade, algo que nos foi impedido durante séculos por conta do processo escravocrata que ainda tem resquícios até hoje. Precisamos devolver a humanidade a esse homem negro. Somos diversos, subjetivos e queremos ser respeitados nas nossas individualidades”, reflete.
Histórias felizes
Pelo segundo ano consecutivo, o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) é marcado na Globo pela exibição do especial Falas negras. Se, no ano passado, a aposta foi no lirismo de um belíssimo roteiro, desta vez, estaremos diante da história de cinco pessoas narradas por elas mesmas.
Em comum, Ana Fernandes, Crystom Rodrigues, Geomar Rabelo, Fátima Oladejo e Negralinda são negros e apresentam uma reflexão sobre o impacto do racismo na vida e no trabalho da população negra. Ana é professora em Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), mesma região do quilombo de Tereza de Benguela, de quem é herdeira.
Crystom Rodrigues, 21 anos, mora no Morro da Cruz, em Porto Alegre (RS). Formado como técnico em segurança do trabalho, ele vive de bicos como motoboy. O rapaz fundou a produtora Justiça Poética para divulgar o trabalho de artistas negros das periferias da capital gaúcha.
O pedreiro baiano Geomar Rabelo, 32 anos, mora em São Vicente (SP). Hoje, ele é concursado na prefeitura e missionário evangélico. Geomar sonha com a igualdade defendida pelo americano Martin Luther King Jr.
Filha de um médico e de uma assistente social, a ginecologista carioca Fátima Oladejo, 38 anos, aparece nas chamadas de Falas negras dizendo que tem consciência de que representa uma pequena parcela da população negra, a quem as oportunidades não foram negadas. O sonho dela é atender e acolher principalmente mulheres negras no consultório.
A última personagem do especial é Negralinda, uma chef e estudante de gastronomia. Aos 33 anos, essa moradora da Ilha de Deus (PE) tem como principais marcas o bom humor e o senso de coletividade.
Protagonismo negro
A Netflix aproveitou a campanha do novembro negro para lançar três badaladas produções protagonizadas por negros: os filmes Vingança & castigo e Identidade estão no catálogo, Ferida chega dia 24.
Vingança & castigo é um prato cheio para fãs de western. O faroeste traz a rivalidade entre Nat Love (Jonathan Majors) e Rufus Buck (Idris Elba), que está prestes a sair da prisão. Em busca de vingança, Nat Love reúne Stagecoach Mary (Zazie Beetz), Bill Pickett (Edi Gathegi) e Jim Beckwourth (R.J. Cyler). Enquanto Rufus conta com Trudy Smith (Regina King) e Cherokee Bill (LaKeith Stanfield). Além do roteiro bem ágil e, claro, da representatividade, Vingança & castigo se destaca pela trilha sonora, quase um personagem.
Baseado no livro de Nella Larsen, Identidade estreou no streaming com a chancela de ter sido aplaudido no Festival de Sundance. Na Nova York dos anos 1920, as amigas de infância Irene Redfield (Tessa Thompson) e Clare Kendry (Ruth Negga) voltam a se encontrar. O que era um feliz resgate da amizade passa a decepção quando elas descobrem estar em lados opostos da luta racial, pois Clare, durante toda sua vida, não se assume como negra. O elenco ainda conta com Andre Holland no papel do marido de Irene, que acaba gostando da companhia de Clare.
Primeira negra a ganhar o Oscar de melhor atriz (em 2001 por A última ceia), Halle Berry é a estrela de Ferida. Ela dá vida à lutadora de MMA aposentada Jackie Justice. Sem conseguir levar a vida sem os ringues e desacreditada no esporte para ser técnica, Jackie acaba seduzida pelo mundo das lutas clandestinas. Lá, um empresário a reconhece e promete a levar de volta ao octógono. A decisão dela já está tomada quando Manny (Danny Boyd Jr), o filho que ela abandonou na infância, reaparece.
Ferida marca a estreia de Halle Berry na direção, mostrando que, como destacou Cridemar Aquino, atores e diretores negros estão conquistando cada vez mais espaço nas artes e na sociedade. Que continue assim!
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