Há algum tempo era muito difícil um ator brasileiro ser visto como destaque e sem um papel estereotipado em uma série internacional. As participações de Sônia Braga em Sex and the city, em 2008, e, principalmente, em Brothers e sisters, em 2010, provaram que isso pode ser visto de outra maneira. Agora, com o streaming, parece que as fronteiras estão mais abertas. A Netflix anunciou recentemente o brasileiro Bruno Gagliasso como um dos protagonistas da espanhola Santo.
Outro brasileiro, Marco Pigossi, parece que caiu no gosto do serviço de streaming também. Antes de estrelar o sucesso nacional Cidade invisível (2021), que teve a segunda temporada confirmada, ele esteve em outras duas séries estrangeiras que estão no catálogo da Netflix. Primeiro veio Tidelands (2018), na qual Marco vive o principal personagem masculino, Dylan, o braço direito da rainha de Tideland. Depois, foi a vez da terceira temporada da espanhola Alto mar (2020) como o espião Fábio, que movimenta a trama a bordo de um navio portenho em viagem carregada de ação e suspense.
“Além da experiência no streaming, tem sido interessante viajar, conhecer outros lugares. Estive em sets na Austrália, na Espanha. Gravei em inglês e espanhol. Tem sido uma experiência muito enriquecedora, como artista, como pessoa. Tem sido uma experiência única e tem essa possibilidade de levar uma série para 190 países. Saí do nacional e entrei no âmbito internacional”, afirmou Marco Pigossi, em coletiva de lançamento de Cidade invisível.
O caminho inverso também acontece, e o Brasil tem recebido atores de outros países. Um dos protagonistas da segunda e da terceira temporadas de Elite como Valério, o chileno Jorge López está passando um tempo no litoral brasileiro, onde roda Temporada de verão, série que a Netflix pretende estrear na estação mais quente do ano. Apaixonado pelas novelas brasileiras – ele se lembra de ter acompanhado, entre outras, O clone e Da cor do pecado –, Jorge contou ao Correio que sempre quis trabalhar no Brasil.
“Meu personagem se chama Diego. Ele é um jovem estrangeiro. A série se passa no Hotel Maresias, que fica em uma ilha chamada Ilha das Conchas. Diego é um menino muito luminoso, que vem ao Brasil em busca da sua identidade e de se reencontrar consigo mesmo, com seu passado, curar feridas”, adianta Jorge.
O ator conta que uma das barreiras que está enfrentando é o idioma. “Não esqueço do meu primeiro Zoom, que fiz estando em um hotel em quarentena quando tinha acabado de chegar ao Brasil. Eu estava com muito medo, fui aprendendo na caminhada, com preparação, com professores, com meus companheiros de elenco. Descobri que, às vezes, o idioma não é uma barreira quando a comunicação entre as pessoas é universal, é gestual e do coração”, comenta.
Na entrevista a seguir, Jorge López fala do novo projeto, de Elite e do fato de ter sido eleito o homem do ano pela GQ mexicana, em 2019. Jorge López é um cidadão do mundo!
Como você entrou para o elenco de Temporada de verão?
Foi um projeto convite! Procuraram meu agente, deram o perfil do personagem e me convidaram para participar do projeto. Eu sempre tive muita vontade de trabalhar no Brasil, cresci assistindo a novelas brasileiras. É um país com o qual sempre me identifiquei e sempre tive muita vontade de trabalhar. É um país culturalmente muito interessante, muito lindo e quis aceitar o desafio de vir conhecer, inclusive sem falar português. Tem sido difícil porque é um processo lento, mas acho que tenho enfrentado o desafio com êxito.
O que você pode adiantar sobre seu personagem na série?
Meu personagem se chama Diego. Ele é um jovem estrangeiro. A série se passa no Hotel Maresias, que fica em uma ilha chamada Ilha das Conchas. Diego é um menino muito luminoso que vem ao Brasil em busca da sua identidade e de se reencontrar consigo mesmo, com seu passado, curar feridas. Não posso adiantar muita coisa, mas é um personagem que me ensinou muito. Ele vem para apostar em uma reinvenção pessoal e criar vínculos com seus companheiros de staff, que são os outros jovens que trabalham e vivem no hotel. A série se desenrola em um mundo de amizades muito legal, com pessoas de todas as partes do Brasil, todos diferentes entre si. Tem também relações amorosas obviamente, relacionamentos muito bonitos; é uma história muito pura, uma série solar …
Como foi atuar em português? Foi uma barreira?
Claro, no começo sim! Não esqueço do meu primeiro Zoom, que fiz estando em um Hotel em quarentena quando tinha acabado de chegar ao Brasil. Eu estava com muito medo, fui aprendendo na caminhada, com preparação, com professores, com meus companheiros de elenco que me ajudaram e me acolheram generosamente. Bom, agora já falo mais, mas também descobri que às vezes o idioma não é uma barreira quando a comunicação entre as pessoas é universal, é gestual e do coração. Então, às vezes o idioma é só uma materialidade, uma consequência, as emoções e as vivências são universais, me apeguei muito a essa ideia no momento de enfrentar este projeto e tenho fluido assim. Lógico que não da maneira de alguém nascido e criado aqui, mas tenho um sotaque bastante digno (risos).
Você acompanha as novelas ou séries brasileiras? A que você assistiu e gostou?
Obviamente que assisti. São as melhores novelas! Bom, no Chile se tem muito respeito às novelas brasileiras. Da minha parte também, porque acho que são de uma qualidade absurda e têm umas interpretações lindas e interessantes. Quando era criança gostava muito. Assisti a O Clone, A Escrava Isaura, Da cor do pecado. Minha avó era fanática, no Chile as novelas brasileiras passavam às duas da tarde, que era a hora que eu ia almoçar em casa, vindo da escola, com minha avó e minha mãe, todos víamos as novelas brasileiras juntos. Eu sempre sonhei em fazer parte de um conto lindo assim. Eu teria realizado um sonho, se nesta série tivesse a oportunidade de trabalhar com um dos atores que eu admirava na época; não foi dessa vez, mas não perco a esperança de algum dia trabalhar com algum dos grandes atores brasileiros que eu admiro.
Como é sua relação com o Brasil? Já conhecia o país?
A primeira vez que vim foi a trabalho, viemos fazer concertos pelo Brasil com uma série musical que trabalhei que chamava Soy Luna. Viemos 4 vezes, duas para o Rio de Janeiro e duas para São Paulo. Fizemos duas tours pela América Latina, eu adorei porque os fãs são muito carinhosos e gostam muito do meu trabalho. Foi lindo sentir o calor transbordante das pessoas; logo depois repeti a viagem ao Rio para férias, é uma das minhas cidades favoritas no mundo. Como estamos vivendo uma pandemia não tenho conhecido outros lugares, então estou com as lembranças das minhas férias e do trabalho anterior. Tenho fé de voltar e curtir o Brasil como merece.
Toparia participar de uma novela ou de uma minissérie na tv aberta brasileira, ficando mais tempo por aqui?
Claro que sim. Primeiro preciso afinar muito mais meu português para estar mais confortável com meu trabalho. O passo a passo também se dá com a vivência, estou há 4 meses no Brasil. Então tenho aprendido um pouco, mas acredito que devo estudar mais a língua para estar mais tranquilo com meu trabalho. Se aceitei esse desafio agora na pandemia, que é uma situação muito complexa, com certeza faria em tempos normais.
Quais são as diferenças de gravar no Brasil e em outro lugar? Os países têm particularidades, não?
Acho que cada país tem suas diferenças, o idioma, a cultura, o roteiro … mas em termos técnicos, as características da indústria audiovisual se rege por padrões e métodos parecidos, somente o timing, o jeito de rodar são diferentes, mas no geral é super parecido.
Você é chileno, mora na Espanha e está gravando no Brasil. Quais são suas raízes emotivas?
Que ótima a pergunta e complexa também. A verdade é que neste momento sou cidadão do mundo: um sonho que sempre quis realizar, me sinto muito sortudo e dou graças todos os dias por isso. Mas, ao mesmo tempo, é super complexo porque, com essa mudança constante, você vai deixando afetos pelos lugares. Mas os afetos reais nunca vão embora e vivem dentro de você. Essa é minha filosofia e meu consolo hoje em dia porque eu sou nômade, sou itinerante, mas as minhas raízes emotivas são as pessoas que vou conhecendo, que vou cultivando relações. Eu vivi até os 23 anos no Chile, então minhas raízes estão lá. Falo diariamente com toda minha família. Faz um ano e meio que não vou ao Chile, nunca tinha passado tanto tempo longe; cada vez que vou, eu fico por 10 dias nas festa de final de ano. Mas graças a Deus, com a maturidade emocional que tenho hoje, com as redes sociais e WhatsApp consigo ter uma comunicação diária, efetiva e saudável. Minhas raízes estão no meu núcleo familiar, minha cidade natal, meus amigos de infância, os amigos que tenho feito no decorrer do meu trabalho, sou muito apegado aos meus afetos na verdade, sou muito amigo dos meus amigos e da minha família.
Com relação a Elite, o que podemos esperar da próxima temporada?
Trabalhei em duas temporadas de Elite. Sem dúvida é um dos projetos que mais têm marcado a minha carreira e que tenho muito carinho. Foi um personagem maravilhoso, que me entregou muito, o resultado foi muito bom para mim e para a audiência. A história do meu personagem acabou. Então eu não sei o que vai acontecer na quarta temporada, mas não tenho a menor dúvida que vai ser super bacana porque é um projeto muito bem feito.
Vocês esperavam que Elite fizesse tanto sucesso? Como manter a qualidade depois de três temporadas?
Na verdade, Elite desde a primeira temporada foi um sucesso. Eu fiz parte da segunda e da terceira. O sucesso foi crescendo. Considero que é uma série que se reinventa constantemente. Então tem uma fórmula muito particular e muito bem feita, acredito que o roteiro e o perfil dos personagens faz com que a série funcione.
Antes dos 30 anos você já é considerado uma grande influência para várias gerações, especialmente via redes sociais. Tanta responsabilidade tão novo não te assusta?
A princípio sim. Começou a acontecer há cinco anos, com a internacionalização da minha carreira no projeto da Disney Chanel, mas eu levo tudo com muita calma e com muita honestidade. Acho que tudo que tem acontecido tem sido de maneira espontânea, mas não posso esquecer que é meu trabalho e meu trabalho é atuar. Atualmente tenho responsabilidade do que faço através do conteúdo que existe nos meus personagens, mas também não assumi uma responsabilidade tão ferrenha, porque gosto muito da minha vida real e da minha vida pessoal. Acho que também usufruo da tranquilidade e calma do anonimato e de às vezes esquecer de tudo isso, tenho tudo bem separado: o que faz parte do meu trabalho e o que faz parte da minha vida pessoal.
O lado social da carreira acaba tendo mais visibilidade, não?
Gosto de ajudar os outros de coração, mas não acho que isso deva ser promovido. Em muitos casos, prefiro não divulgar. No lugar que posso sempre estou tentando colocar meu grão de areia. Também gosto de usar minhas plataformas para me pronunciar, como por exemplo: meu país está em conflito, estão havendo protestos no Chile; agora que estou no Brasil, com as queimadas na Amazônia. Tento estar bem conectado com as problemáticas sociais que é o que me importa, com o bem comum das pessoas.
Como você se sente ao ver um jovem usando um produto ou tendo uma atitude por sua causa?
Me sinto bem de poder inspirar alguém, de poder ajudar, de poder dar visibilidade a temas complexos. Como é o caso do último personagem que acabei de interpretar em Elite, que era um personagem com muita carência afetiva, com um problema de vício em drogas. Muitas pessoas me escreveram, dizendo que se sentiram contempladas, sentiram que puderam resolver várias questões pessoais e essa é a minha verdadeira vitória: contribuir com um grão de areia, poder apoiar pessoas que de alguma maneira se sintam melhor, desde conseguir um sorriso ou a roupa que vestem porque meu look inspira ou traz criatividade.
Hoje sua imagem está ligada ao fato de você ser um símbolo sexual, além de seu talento. Isso te incomoda de alguma forma?
Não vejo dessa forma. Na verdade, considero que é um efeito secundário do tipo de personagem que acabo de interpretar, que sim tem essa visibilidade e essa postura, então as pessoas podem ter esse olhar de ‘sexy symbol’, mas não tem a ver como eu me sinto comigo mesmo. Acho que minha pessoa transcende essa situação. E, claro, no transcurso da minha carreira vou poder construir outras coisas, que é o que me inspiro, em personagens que possam ser múltiplos.
Valério, seu personagem em Elite, tem um lado fashionista, ligado à moda. Você também é assim? Qual é a sua relação com a moda?
Eu gosto muito da moda e de tudo que tem a ver com expressão artística. A moda pra mim é um conceito que eu sempre desconstruo, porque não acredito em tendência. Acho que a moda tem a ver com identidade, com o que te faz sentir confortável, com o que expressa o que você realmente. Eu gosto de roupas, gosto de refletir meu estado de espírito, gosto de variar. Eu defino com algo fresco e elegante, gosto da espontaneidade, gosto de misturar coisas, gosto do controverso, mas sem perder a elegância, acho que essa e minha visão da moda, tem ver com isso: com a identidade, ser você mesmo e procurar a sua própria linguagem na moda.
A GQ mexicana te elegeu o homem do ano em 2019. Como isso mexeu com você, com seu ego?
Foi um reconhecimento muito surpreendente, eu não esperava. Foi muito legal sentir que uma revista desse caráter tão importante viu meu trabalho e o que eu entrego como artista. Fiquei muito feliz e compartilhei esse momento com minha família, com meus amigos. Acho que é bacana esse reconhecimento, ainda mais vindo de um veículo com credibilidade internacional e que tem um público forte e fiel. Para mim é uma força que me ajuda a seguir crescendo, como um apoio e incentivo para continuar construindo minha carreira.
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