Em Brasil imperial, série da Amazon, Arrebita é um homem simples que traz visões muitas vezes deixadas de lado nas escolas. Leia entrevista com o ator Oscar Calixto
Quando uma história é contada, há diversos olhares sobre ela. É comum, nos livros didáticos, sabermos de como a Família Real portuguesa, quando muito os tripulantes ou nobre que já estavam aqui, sentiu-se ao desembarcar no Brasil, em 1808. Mas e o olhar de quem estava aqui, sendo povo brasileiro e não a nobreza portuguesa?
Essa é a visão trazida por Arrebita, da série Brasil imperial, da Amazon Prime. Interpretado por Oscar Calixto, Arrebita “representa o trabalhador comum dos dias de hoje, o trabalhador que sempre sofre com os achaques econômicos, políticos e sociais que sempre existiram na nossa história.”
O ator conta ao Próximo Capítulo que achou de importância “extraordinária” trazer essa visão simples ao que aprendemos na escola. “Tem alguém ali que é “gente como a gente”, não é verdade?”, comenta. “A inserção desse homem simples no contexto histórico de um Brasil imperial também traz à tona questões que não tínhamos visto ainda, tais como: como respondia o povo, a nossa gente, os escravos e os negros a esse processo revolucionário? Como era isso intimamente para eles? Como batia a questão do preconceito em quem sofre o preconceito?”, afirma Oscar.
Uma série como Brasil imperial, de época e com uma reconstrução histórica, sempre pode ser fonte de aprendizado para o ator. Mas Oscar ressalta que nunca sai “vazio” de um trabalho. “A gente sempre aprende algo em cada trabalho. Na pesquisa feita em cima dos fatos históricos, houve coisas que até ficaram mais claras para mim sobre esse período da história do Brasil”, conta. O público também poderá aprender mais assistindo à série da Amazon.
Entrevista // Oscar Calixto
O Arrebita, de Brasil imperial, é seu primeiro protagonista na televisão. A responsabilidade aumenta?
Muito e sempre. Quanto maior o personagem, maior a responsabilidade de um ator, evidentemente. O Arrebita é apresentado no início do primeiro episódio e segue pelos outros 9 na figura de um homem comum, um homem que representa a parte mais simples e modesta da sociedade da época. Penso que, se fizermos um paralelo, ele representa o trabalhador comum dos dias de hoje, o trabalhador que sempre sofre com os achaques econômicos, políticos e sociais que sempre existiram na nossa história.
Brasil imperial trata de um período da nossa história. Chegou a aprender alguma coisa com a série?
A gente sempre aprende algo em cada trabalho, sabe? Eu nunca saí vazio. Acho que é impossível fazer qualquer obra e sair sem ter aprendido nada com ela. Em Brasil imperial houve um trabalho muito sério feito pelas pesquisadoras Marília Nogueira e Mariana Schmidt que foram muito parceiras e ficaram muito próximas de tudo, até mesmo do próprio elenco da série. Brasil imperial tem muitas mãos envolvidas e foi realizado por uma equipe linda, competente e extraordinária, sem dúvidas todos trabalhamos muito juntos. Na pesquisa feita em cima dos fatos históricos, houve coisas que até ficaram mais claras para mim sobre esse período da história do Brasil.
Costumamos ver a história da chegada da Família Real ao Brasil pelos olhos dos nobres ou, quando muito, dos índios. Como foi viver um homem do povo nesse processo?
Foi maravilhoso. A ideia de ter uma história de amor verdadeiro – de um homem simples e do povo – que se apaixona perdidamente por uma escrava e que vai recortando toda a nossa história – do primeiro ao último episódio – foi algo que me cativou profundamente. Acho que trazer à luz a história de vida de um homem do povo, ou de uma família simples como a de Arrebita e Ana do Congo, tem uma importância extraordinária dentro de um processo revolucionário. Tem alguém ali que é “gente como a gente”, não é verdade? A série tem muitos casais infelizes e, no meio dela, um casal que nos fala sobre o amor. A inserção desse homem simples no contexto histórico de um Brasil imperial, também traz à tona questões que não tínhamos visto ainda, tais como: como respondia o povo, a nossa gente, os escravos e os negros a esse processo revolucionário? Como era isso intimamente para eles? Como batia a questão do preconceito em quem sofre o preconceito? Essas questões trazem a nossa própria história para um outro lugar também, concorda? Ela passa a ser contada por vários pontos de vista absolutamente diferentes, mas não menos importantes na nossa história. A história desse Brasil imperial todo mundo meio que já conhece, mas ninguém ainda tinha falado tão profundamente dos bastidores dessa história. E aí é onde eu acho que a série encontra o seu diferencial. Brasil imperial não é só mais do mesmo de sempre. Também traz uma história de amor muito bonita, representativa, única, importante e extremamente original. Isso me faz recordar de um professor de dramaturgia que uma vez me disse o seguinte: “todas as histórias do mundo já foram contadas, todas as situações humanas já foram vividas por atores, escritas por dramaturgos e escritores, filmadas e encenadas por todos os diretores do mundo. O que faz a diferença é só o jeito de contá-las novamente.” E eu acho que esse é um dos vários pontos que fazem Brasil imperial ser realmente um produto “diferente” e não só algo que traz mais um pouco de tudo que já vimos anteriormente.
O Arrebita não existiu — é um personagem fictício. Mas ele carrega muito de documental, não? Como é estar nesse limiar numa série histórica?
Sim. O Arrebita é um personagem ficcional que surge a partir de alguns relatos, documentos e cartas sobre a vida do povo encontrados pelo próprio autor, Antônio Ernesto Martins, e pelas pesquisadoras. Na verdade, eu me preocupo sempre e sempre em entender o ser humano que vou viver em cada trabalho. Esse limiar entre o documental e o ficcional não me afetou em nada. Óbvio que eu tinha que construir um ser humano que respeitasse o comportamento de um homem do povo diante dos nobres, autoridades existentes e em sua vida pessoal, como cidadão. Como se ele se portaria diante da Princesa Leopoldina, de quem se torna um amigo pessoal? Ou da Princesa Carlota Joaquina, que nutre um certo desejo por ele? Como um homem do povo, se sairia de uma situação dessas, por exemplo? Mas, sinceramente? Tudo isso já estava no próprio texto. Para mim, tudo sempre está lá. O meu compromisso era entender como a nossa história seria contada e em qual contexto histórico o Arrebita estava inserido. Não há biografias nem há registros históricos sobre o meu personagem. Então, na minha cabeça, o que a série precisava era que eu criasse um ser humano extremamente autêntico e original, um homem que realmente representasse o povo daquela época. E foi nisso que me mantive focado o tempo todo e ao lado de toda a equipe de preparação e execução, de todo o elenco e, principalmente, ao lado da minha grande parceira Jéssica Córes. Não tenho como falar do Arrebita sem falar da personagem criada pela Jéssica. É por causa da Ana do Congo que o Arrebita amadurece e se transforma. E não somente por causa do avançar de sua idade nos 15 anos de sua vida que foram inseridos na nossa história.
Você estará no longa Pra onde levam as ondas, de Dan Albuk. O que pode adiantar sobre esse projeto?
O Pra onde levam as ondas é um projeto extraordinário que eu gostei muito de fazer. O filme já tem um trailer que já está circulando nas redes sociais e no IMDb. Ele foi produzido com pouquíssima grana, mas conseguiu obter alta qualidade como produto final. Eu gosto muito do trabalho do Dan Albuk – tanto como roteirista quanto como diretor – e acho que ele é mais um desses heróis que temos no cinema nacional. Digo isso porque era impossível fazer um filme desses com a grana que ele dispunha para a realização. Mas ele foi lá e fez um filme lindo. A produção está sendo finalizada e logo mais estará nos cinemas. O filme é muito sensível, muito bonito, delicado e tem uma pegada que me interessa bastante que é o “cinema de arte”.
Você já fez cinema fora do Brasil. Como foi essa experiência?
Foi uma experiência verdadeiramente transformadora. Tive a oportunidade de trabalhar com diretores incríveis de países diferentes que acabaram “desmistificando” muita coisa que eu tinha na cabeça sobre o trabalho do ator. Hoje, para mim, graças a esses grandes diretores e diretoras com quem trabalhei lá fora, tudo “é mais simples do que o que parece”. Durante o período que trabalhei fora do Brasil, percebi algo muito sério que ainda temos aqui: Às vezes as pessoas “complexam” demais o trabalho do ator. Um trabalho que é verdadeiramente simples. E quando digo simples, não quero dizer que seja fácil. Ser simples não é uma tarefa nada fácil. Mas, com certeza, é menos complexo do que o que fazemos quando “metodologizamos” ou “complexamos” demais um trabalho que, no fim, só quer que a vida seja servida à mesa do espectador.