caco ciocler Crédito: Montenegro e Raman/Divulgação

O eterno aprendizado do versátil Caco Ciocler

Publicado em Entrevista, Perfil, Séries

Ator conta a experiência de protagonizar a série ‘Unidade básica’, que retrata o sistema público de saúde brasileiro, na Universal TV

 

Patrick Selvatti

 

Afastado da tevê aberta desde que atuou no remake de Pantanal (2022), Caco Ciocler está brilhando na pele de Dr. Paulo na série brasileira Unidade Básica, exibida aos domingos no Universal TV, às 21h30. No sexto e no sétimo episódios da terceira temporada, além de atuar na frente das câmeras, ele também deixou sua marca por trás delas, como diretor. A experiência, inclusive, não é inédita nesta produção. As temporadas 1 e 2 também contaram com o olhar do intérprete do protagonista em algumas oportunidades.

Ao Próximo Capítulo, o ator falou um pouco sobre o desafio, não somente de assumir a direção de episódios, mas de protagonizar uma série — com temporadas espaçadas desde 2016 — que aborda o Sistema Único de Saúde (SUS) passando por várias fases antes e durante a pandemia. Aos 52 anos, Caco Ciocler também comentou sobre como está lidando com a idade e contou a respeito do fato de ter voltado às salas de aula como estudante. Formado em artes dramáticas quando jovem, agora ele — que já é avô sem perder o porte de galã — está cursando biologia.

 

Caco Ciocler em cena de Unidade básica | Divulgação Universal

ENTREVISTA/ Caco Ciocler

Qual foi o seu maior desafio durante a jornada da série Unidade Básica?

Olha, é um protagonista, então tem o desafio de segurar uma história, junto com a Ana Peta, que é a outra protagonista. Acho que esse é um desafio grande. É um personagem multifacetado, no sentido de ser um personagem muito imaturo, na vida pessoal e, na vida profissional, ser tão maduro, no sentido de entender os problemas das pessoas. Uma pessoa muito humana, mas com muita dificuldade nas próprias questões pessoais. Então, é um personagem complexo, assim, de construção. E a série tem essa questão de ter um arco diário. Cada episódio tem um arco que se fecha em si mesmo. Mas ele tem também um arco daqueles profissionais, do núcleo principal, que perpassa esses episódios todos e tem um arco grande em cada temporada. Como a gente não filma na ordem, a atenção em relação a esse arco grande que está nas entrelinhas, nos olhares, nos silêncios da relação dele com a doutora Laura. Tem muita coisa sendo construída no grande arco enquanto a gente está trabalhando nos pequenos arcos de episódio. Cada temporada teve um desafio específico, porque foram três temporadas em momentos muito diferentes do SUS. A primeira temporada, uma espécie de resgate do SUS. Na segunda temporada, o SUS estava em absoluto descrédito. Então, foi uma temporada importante, e esta última, importantíssima também, quando a população brasileira entendeu a importância do SUS a partir da pandemia e a gente poder trazer essa história já com o olhar distanciado e olhar para o que foi essa chegada no sistema básico de saúde pública. Foi muito bonito, muito emocionante. Então temos esse desafio de não fazer besteira. A gente tem uma função muito grande, muito importante, na minha opinião. E, por último, o desafio de dirigir. Eu dirigi dois episódios na segunda temporada e dois episódios nessa temporada. Não sei se vai ter alguma pergunta mais para frente sobre isso, mas foi um super desafio. Eu nunca tinha dirigido ficção. E ainda mais atuando também, praticamente, em todas as cenas, um grande número de cenas. Então me dirigir em cena… Muitas vezes eu não tinha tempo de assistir o que eu fazia, porque eu não conseguia me ver, então eu não tinha tempo de ir para o monitor ver o que eu mesmo tinha feito. Então, essa dinâmica foi um super desafio também.

E o maior aprendizado?

Ah, o maior aprendizado… Tem vários também, acho que eles têm a ver com as dificuldades. Foi justamente aprender como é carregar uma história nas costas, embora não carregue sozinho, mas aprender a lidar com essa responsabilidade, ir aprendendo com o personagem conforme a gente ia fazendo, os episódios, as séries, as temporadas. Ele foi crescendo também, foi apontando para lugares diferentes. Aprender a chegar um pouco mais despreparado, no bom sentido, mais aberto para o jogo, para o que estivesse acontecendo. O ritmo é muito acelerado, é uma série pequena. Isso na prática se traduz em uma quantidade grande de cenas por dia, em tempos apertados para se resolver as coisas. Então, foi um super aprendizado nesse sentido, de rapidez, de agilidade, de estar atento, de estar aberto, das coisas que aconteciam ali. E, de novo, tem a ver com a questão da direção, foi um super aprendizado. Porque, como nunca tinha dirigido ficção, eu precisava desenvolver um gosto. Então, comecei a ver muita série, que eu já via antes, mas comecei a ver com esse olhar, de dizer: ‘poxa, eu gostei dessa cena’. De tentar entender por que eu tinha gostado daquela cena e não tinha gostado de outra. Entender a escolha de movimentação de câmera, a escolha de enquadramento. Eu fui entendendo qual era a linguagem que me agradava. Então, eu fui desenvolvendo um gosto estético. Então, foi um super aprendizado.

Assim, o outro aprendizado foi sobre o próprio sistema público de saúde. Sobre as próprias unidades básicas. Eu tinha pouquíssimo conhecimento da realidade. Quando eu li os roteiros da primeira temporada, eu achei que estivesse muito ficcional. Eu achei muito irreal. E, depois, eu entendi que não. Então eu entendi que a minha percepção, na verdade, sobre o SUS, sobre as unidades básicas de saúde, sobre a saúde pública brasileira, é que estavam meio deformados. Então, isso foi um super aprendizado também.

A série iniciou antes da pandemia, tema que só vem sendo abordado nesta terceira temporada. Queria que comentasse como foi essa curva de percepção do SUS por parte da sociedade em geral após 2020.

Na primeira temporada, acho que era o governo de Dilma, que tinha uma política de valorização do sistema público, mas uma percepção, como eu te falei também, meio equivocada, da sociedade brasileira a respeito do que é o sistema público de saúde. Acostumado a ver o sistema público de saúde, pelo menos na televisão, como denúncia da precariedade do sistema. A gente tinha essa missão, digamos assim, de dizer o que são e o que é o trabalho, o que era e o que é o trabalho das unidades básicas de saúde, não só dos médicos, dos enfermeiros, dos agentes comunitários. E também uma preocupação muito grande das criadoras da série em desmontar uma visão de estudantes de medicina muito acostumados com séries de televisão médicas que vem de uma ideia equivocada da medicina. Como algo assim glamuroso, onde cada dia você teria que achar a cura para uma doença rara e só pessoas muito bonitas, e emergências e adrenalinas. Isso era uma preocupação nas faculdades de medicina com esse tipo de visão equivocada. Então, a gente teve essa missão na primeira temporada. A segunda já foi muito diferente, porque foi durante o governo Bolsonaro e a gente vivia um momento de bastante descrédito do sistema público de saúde. Então, a sensação que eu tive da segunda temporada foi de um exercício de resgate. Muito árduo. E a terceira temporada, como eu já falei também, o SUS voltando a ter o seu lugar de merecimento no imaginário da população, e por causa da pandemia. Então foi muito gratificante poder olhar para essa história com distanciamento, como eu falei, e contar um pouco como foi essa chegada da pandemia no SUS. Lembrando que os casos são sempre baseados em casos reais. Então foi uma curva muito bonita.

E você, como foi que lidou com o período mais tenso da quarentena e do isolamento social?

Lidei de várias maneiras. É sempre bom dizer que eu sou um privilegiado. Então, eu pude me isolar, eu pude ficar em casa.  Eu era contratado ainda da Rede Globo, que fez uma coisa maravilhosa, de manter o contrato de todo mundo. Então, eu estava assegurado. E foi uma parcela minúscula da população com esse privilégio. Nesse sentido, para mim foi muito produtivo. Fazia tempo que eu não parava em casa. Foi um momento muito reflexivo, de arrumação, de transformação. Eu trabalhei muito. Eu fiz um filme durante a pandemia, um longa metragem, durante o isolamento. Eu criei a Lista Fortes, que foi um movimento de ajuda para as pessoas que não podiam parar de trabalhar. Eu fiquei muito ativo. Isso porque eu tive uma condição muito privilegiada. Ao mesmo tempo, sofrendo com as perdas. Perdas de pessoas próximas, perdas de pessoas não tão próximas. Uma tragédia, né? Momentos de muita angústia, momentos de muita esperança. Achando que a humanidade fosse voltar diferente. Momentos de absoluta descrença, achando que não. Mas foi, para mim, um período muito produtivo. Graças ao privilégio que eu tive de poder, de fato, me isolar, sem me preocupar com a minha sobrevivência.

Como foi a experiência de estar atrás das câmeras. Há interesse ou até busca por ocupar esse espaço?

Eu tenho essa vontade de dirigir há muito tempo. Eu já tinha dirigido algumas coisas. Mas a minha linguagem na direção estava ainda no lugar experimental entre documentário e ficção. Todos os meus filmes tem um pouco dessa pegada. A ficção eu nunca tinha dirigido. Foi uma super chance, uma super escola. Porque, claro, a linguagem da série não é minha. Tenho um diretor-geral. Cada temporada teve uma direção geral. Então, eu tive que me adaptar a essa linguagem. Ao mesmo tempo, com absoluta liberdade. Foi uma delícia. Foi um parque de diversões. O fato de eu ter à minha disposição uma equipe, equipamento, uma história, de ser pago para isso… Para eu experimentar, me experimentar como diretor. Foi um puta privilégio. Então é como eu te disse, eu comecei a pesquisar um gosto. E fiquei muito feliz com o resultado. E tenho ouvido das pessoas, principalmente dessa última temporada, que viram meus episódios, que eles têm uma linguagem ali, tem uma assinatura, e uma assinatura que agrada. Então fiquei super feliz e quero muito. Eu adoro, adoro dirigir. Quero muito ocupar esse espaço cada vez mais. Isso me transforma como ator também. Quando você tem uma visão também de fora, de uma história que eu protagonizo junto com outras pessoas, você tem uma visão, eu pude ter também uma visão de fora, do todo, né? Então isso me refinou como ator também. E vice-versa.

Com Karine Teles, Caco Ciocler viveu o Gustavo no remake de Pantanal

 

De que forma a chegada aos 50 anos impactou na sua forma de lidar com a aparência? Sua vaidade foi atingida de alguma forma?

Olha, eu tenho dado esse depoimento. Tô me sentindo, assim, no auge de tudo. Então, eu não sei. Pode ser que daqui a cinco, dez anos eu… eu pense diferente, mas hoje não é uma questão de levantar bandeira. Para mim, é uma realidade. Eu nunca estive tão bem fisicamente… de bem comigo, com o meu corpo, com a minha aparência… Nunca fui tão bom ator, nunca fui tão bom diretor, nunca… Fiz projetos tão legais que têm chegado para mim nesses últimos anos, então eu estou me sentindo muito bem. Eu acho que envelhecer faz muito bem pro ator, sabe? E para o artista em geral. Claro, tem uma coisinha ou outra que, às vezes, eu vejo, assim… uma coisa assim no pescoço, uma flacidezinha, que eu falo ‘uau, aí tá chegando’. Mas nada que me incomode, que eu diga ‘ai meu Deus, e agora?’ É só um olhar, assim, né? Como você se olhar no espelho e falar: ‘nossa, como os meus cabelos… tem mais cabelo branco do que eu tinhaq. Mas isso, por enquanto, não tem me incomodado. Muito pelo contrário.

E o Caco universitário? Como é?

Vamos falar em terceira pessoa, Caco universitário. É, eu acho que é um super bom aluno assim. É muito gostoso voltar a estudar. Ainda mais na minha idade, né? A gente quando estuda é muito novo, quando tem que escolher uma profissão é muito novo, a gente acha tudo um saco, a gente não tem prazer no aprendizado, via de regra, né? E depois de velho, você desenvolve um prazer pelo aprendizado, então é outra história. Eu sou super bom aluno, super CDF, as vezes eu fico puto quando tiro menos de 9, então eu sou um ótimo aluno. Eu só não tenho muita memória, assim, eu esqueço rápido as coisas, mas sou um ótimo aluno. Me formo já no final do ano que vem.