Com três novelas inéditas no ar depois de quase dois anos sem isso acontecer, a Globo mostra a força de autores novatos na arte de escrever folhetins diários
Desde que a pandemia interrompeu Amor de mãe e Salve-se quem puder e apressou o final de Éramos seis, não víamos três novelas inéditas nos horários-chave para a teledramaturgia da Globo. Agora estão aí Nos tempos do imperador, de Alessandro Marson e Thereza Falcão, às 18h; Quanto mais vida, melhor!, de Mauro Wilson, às 19h; e Um lugar ao sol, de Lícia Manzo, às 21h.
Além do ineditismo, as três novelas que estão sendo exibidas primam por outro fator em comum: a renovação de autores do gênero. A chegada de novos nomes ao seleto grupo de novelistas da Globo traz também a esperança de um sopro de criatividade e de uma certa ousadia, mesmo que calculada. O interessante é notar que eles têm marcas próprias (claro, a serem desenvolvidas em próximas tramas), mas também bebem da fonte clássica, o que é ótimo.
Thereza Falcão e Alessandro Marson estão na segunda novela da carreira e a segunda juntos. A primeira foi Novo mundo (2017). Nos tempos do imperador não chega a empolgar, como sua prima-irmã da qual é uma espécie de continuação. A trama derrapa em retratos da história, especialmente no que se diz respeito à escravidão no Brasil. Mas não dá para negar: faz um delicioso paralelo com a realidade, tal qual Cassio Gabus Mendes em Que rei sou eu? — essa sim, assumidamente, uma sátira. O discurso negacionista de autoridades diante da epidemia de cólera que atingia o Rio de Janeiro ou a negociação de Lota (Paula Cohen, perfeita em cena) com o deputado Tonico Rocha (Alexandre Nero) para que ele nomeie o filho dela embaixador dos EUA mesmo sem ele ser da carreira diplomática foram exemplos de como a realidade se expressou no histórico império.
Estreante em novelas, mas com experiência em seriados, Mauro Wilson não nega as origens e leva o ritmo das séries para Quanto mais vida, melhor!. O resultado é quase um Carlos Lombardi 2.0, mas sem a turma dos descamisados. O humor rápido, irônico e as cores fortes dialogam com o Lombardi de Perigosas peruas (1992) e Quatro por quatro (1994) e com o Silvio de Abreu de Sassaricando (1987) e Guerra dos sexos (1983).
A mais experiente do quarteto é Lícia Manzo. A autora de Um lugar ao sol estreia no horário das 21h, mas fez sucesso de crítica e público anteriormente com Sete vidas (2015) e, especialmente, com A vida da gente (2011), ambas às 18h. Impossível não notar o DNA de dois mestres do folhetim brasileiro na obra de Lícia Manzo. Manoel Carlos se faz presente a cada cena não desperdiçada, a cada retrato do cotidiano, como as refeições com a família reunida. Isso sem falar em discussões levadas para o universo feminino, como prazer sexual, crise da meia idade, insatisfação com o próprio corpo, entre outras.
O outro mestre a quem Lícia parece render homenagens a cada capítulo é Gilberto Braga. Especialmente no núcleo encabeçado por Ana Beatriz Nogueira como Elenice e nas artimanhas armadas pela Bárbara de Alinne Moraes. Túlio (Daniel Dantas) poderia ser cria de Gilberto. Os ganchos, que te levam a correr para a internet à caça do que vem por aí, também se tornaram uma marca da trama herdada do mestre que nos deixou este ano.
Com tudo isso, Lícia ainda dá a cara dela à novela. Um lugar ao sol é de uma espécie antiga, daquelas que a gente precisava ver todo dia para não perder o fio da meada. Os conflitos se desenvolvem rapidamente para dar lugar a outros ou para se enrolar novamente, como num clássico folhetim. Num gênero que ouvimos que está morto há alguns anos, a chegada dessa moçada cheira a revigoração.