A atriz Natália Lage e a personagem que ela interpreta em Hard têm mais do que parecem em comum. As duas, por motivos diferentes, tiveram que se reinventar diante de adversidades trazidas pela vida. Nos novos episódios, que estreiam neste domingo (21/2), Sofia está mais forte e mais acostumada na Sofix, produtora de filmes pornográficos que herdou do marido. Mas ainda está longe do completamente à vontade.
Fora das telas, Natália, assim como muitos de nós, teve que reaprender o próprio ofício por causa da pandemia de covid-19. No caso da atriz ficou ainda mais difícil, pois desde os 8 anos de idade ela está no ar numa novela ou série ou em cartaz nos palcos ou nas telonas.
“Eu tinha vários trabalhos engatilhados que foram sendo adiados, adiados, adiados. Eu sou uma pessoa que trabalho desde os 8 anos de idade. Então, estar trabalhando pra mim é vital. Tentei achar outras alternativas. Eu gosto de pintar, eu faço colagens, eu bordo. Eu vi muito filme, série. Fiquei fazendo meus trabalhos manuais, mas muito angustiada por ter esses trabalhos todos adiados, de não poder estar exercendo minha profissão, que é o que eu gosto de fazer”, conta Natália, em entrevista ao Próximo Capítulo.
No caso de Sofia, ela tem que enfrentar os preconceitos da família e das amigas, além do próprio. “O castelo que ela montou, a fortaleza que ela montou para se proteger vai desmoronando e vão aparecendo esses fantasmas e esses espelhos que vão fazendo ela ter que lidar, a cada situação, novamente com esse novo lugar que ela está ocupando. Ela começa a se empoderar, a lidar melhor com a profissão e a cada pessoa que descobre ela tem que se revisitar e entender de novo como é estar nesse lugar”, adianta a atriz.
Sofia estará mais à vontade na Sofix nos novos episódios de Hard? Ela vai chegar a gostar do que faz?
Acho que sim. O processo dela é ir se colocando cada vez mais e descobrindo dentro dela esse potencial criativo, esse potencial de administradora, de empresária e também de alguém que pode contribuir com um olhar novo sobre o pornô. Então, ela vai aos poucos tomando conta do espaço que ela tem e do lugar que ela vai ocupando dentro e fora dela mesma e vai se colocando de uma outra maneira dentro do trabalho.
Ela estará pronta para viver um novo amor?
Totalmente pronta acho que não. Ela está no processo e brigando com esse sentimento. Pra ela, estar apaixonada por uma pessoa completamente contrária a tudo que ela foi criada para acreditar é muito difícil. Então, ela vai avançar dois passos e voltar um. Ela está com o Marcelo numa dificuldade profunda e verdadeira de alguém que nunca se imaginou naquela situação, mas que está totalmente apaixonada. Ao mesmo tempo ela tem que lidar com todo o em torno, com todo o preconceito que existe não só da sociedade, mas dentro dela mesma.
A Sofia era muito próxima dos filhos quando ficou viúva. Veremos mais dessa relação nos próximos episódios?
Ela sempre foi muito próxima dos filhos, abriu mão da carreira para administrar a casa e agora ela tem que lidar com eles adolescendo, cada um com suas características. A Violeta entendendo um pouco o trabalho dela, mas também negociando com isso, chantageando, dizendo que quer a scouter, que vai contar para o irmão. E o Júlio ali na onda dele, mais naturalista, virando vegetariano. Ele vai tendo outro olhar sobre o mundo e ele vai surpreender inclusive a Sofia com os posicionamentos dele. Ela vai se aproximar cada vez mais deles, talvez de uma maneira um pouco torta, mas essa parceria vai estar presente nos novos episódios.
Que surpresa você pode nos adiantar dos novos episódios de Hard?
As surpresas o público vai descobrindo. Mas o castelo que ela montou, a fortaleza que ela montou para se proteger vai desmoronando e vão aparecendo esses fantasmas e esses espelhos que vão fazendo ela ter que lidar, a cada situação, novamente com esse novo lugar que ela está ocupando. Ela começa a se empoderar, a lidar melhor com a profissão e a cada pessoa que descobre ela tem que se revisitar e entender de novo como é estar nesse lugar.
Hard tem muitas cenas de contato. Vocês gravaram antes da pandemia? Como foi esse aspecto da gravação?
Ninguém nunca imaginou que a gente fosse passar por uma situação tão inusitada como o covid-19. Isso não mudou em nada o nosso modus operandi de filmagem. Foi tudo feito com muito respeito, com muito cuidado. Era uma coisa que a gente teve muita preocupação por parte da produtora Gullane, da própria HBO, dos diretores. Isso foi muito conversado com a gente para que todo mundo se sentisse muito à vontade. Tem um aspecto que foi muito interessante de perceber que é: como a gente estava tratando desse universo, ele ficou muito naturalizado pra gente. Não tinha um certo constrangimento que muitas vezes acontece no momento de cenas de sexo em filmes ou novelas porque a gente trabalhava com atores pornôs profissionais, tinha gente pelada o tempo inteiro. A gente lidou com aquilo de uma forma muito natural e respeitosa.
Como a covid-19 mudou sua rotina profissional?
Foi uma tragédia, né? Eu fiquei tristíssima por todo o aspecto social, de tudo que está acontecendo no mundo, tanta gente morrendo no nosso país, o descaso do governo e o fato de ficar isolada dentro de casa. Foi muito difícil. Eu tinha vários trabalhos engatilhados que foram sendo adiados, adiados, adiados. Eu sou uma pessoa que trabalho desde os 8 anos de idade. Então, estar trabalhando pra mim é vital. Tentei achar outras alternativas. Eu gosto de pintar, eu faço colagens, eu bordo. Eu vi muito filme, série. Fiquei fazendo meus trabalhos manuais, mas muito angustiada por ter esses trabalhos todos adiados, de não poder estar exercendo minha profissão, que é o que eu gosto de fazer.
A Sofia tem que lidar com o preconceito das amigas e da própria mãe. O brasileiro é visto como um povo liberal, mas tem se mostrado conservador. Acha que estamos mais perto da Sofia ou das amigas dela?
Estamos mais perto das amigas dela. A gente é um povo que se conhece muito pouco, a gente é muito racista, a gente é muito racista, a gente é muito homofóbico, mas a gente não se dá conta disso. A gente está num processo, não só no Brasil, mas no mundo, de reconhecimento desse lugar. E esse é o primeiro passo para a mudança. O que eu desejaria é que os brasileiros tivessem essa postura que a Sofia tem, de encarar os próprios fantasmas, próprios tabus e medos e pudessem se transformar com isso. A gente ainda está muito conservador, a gente tem toda uma conjectura que favorece esse conservadorismo, favorece as pessoas se sentirem à vontade para colocar os demônios para fora. O único ponto positivo disso é que a gente consegue olhar para eles e, através disso, os mais sensíveis, conseguem transformar isso que o que a gente mais precisa no final das contas.
Sua personagem se vê obrigada a abraçar um mundo novo. Como você lidaria com uma mudança dessa importância? Teria coragem de assumir uma mudança assim?
Muito difícil saber realmente porque o meu histórico é da minha vivência de atriz, branca, classe média. Do meu lugar de fala, que é diferente do dela porque sou atriz, porque já convivo no meio audiovisual, já fiz cenas de sexo, talvez não fosse tão difícil. Mas se tivessem outras barreiras que me impedissem ou que me dificultassem… É uma decisão muito difícil e eu acho a Sofia muito corajosa. Ela se coloca de uma maneira muito forte. Embora ela dê alguns passos para trás em alguns momentos em que ela é confrontada, ela segue adiante, ela não perde o prumo. Espero que, nessa situação, eu tivesse tido a coragem que a Sofia teve.
Nos primeiros episódios de Hard, há uma discussão sobre os limites do que chamamos de bom gosto na arte. Como não ultrapassar esse limite, que é muito tênue?
Verdade. Mas acho que ali a preocupação não é só do bom gosto estético, mas de uma postura política, de autonomia e de empoderamento feminino. Também uma opção dramatúrgica, de construção de historinha: a mulher gosta de uma coisa que esteja dentro de um contexto ou que possa estimular um lado erótico de fantasia para conseguir ter prazer. Mas, para além da questão estética, tem muito essa vertente que é a de conseguir dar voz à mulher, dar prazer à mulher, olhar o pornô pelo ponto de vista da mulher e não como a gente vê por aí, que é um pornô muito masculino, feito por homens e para homens em que a mulher está ali como um objeto para satisfazer os desejos dos homens.
Você cresceu diante das câmeras e nos palcos. As pessoas estranham quando veem aquela menininha em Hard?
Eu já estou com 42 anos. Mas eu tenho essa coisa meio moleca, divertida e meu próprio biotipo é de uma pessoa mais jovem. Então, as pessoas tendem a achar que eu sou mais jovem do que eu sou. Mas o público que gosta do meu trabalho vem acompanhado os trabalhos que eu faço, que são bem diversos, e eu espero que eles não estranhem, que eles gostem de Hard tanto como eu gostei. Foi uma personagem muito importante, ela tem uma relevância muito grande no contexto atual que a gente está vivendo. As questões que a Sofia traz de força do feminino, de transformação, de lugar de fala são muito contundentes nesse momento.
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