Malu Galli vive personagem à frente do tempo dela em Além da ilusão e, na semana da mulher, comemora o fato de a novela levar os direitos femininos às rodas de conversa
A década é 1940, mas, com algumas adaptações, poderia ser hoje. Violeta, personagem com o qual Malu Galli é um dos destaques da novela das 18h, Além da ilusão, está às voltas com os desafios de se impor no mercado de trabalho, com a jornada dupla, com o fato de ser subjugada pelo sócio Eugênio (Marcello Novaes) apenas por ser mulher. Mas, assim como Malu, Violeta não se deixa abater e representa com firmeza as muitas mulheres que enfrentam tudo isso fora da tela. A dois dias do Dia Internacional da Mulher, sem dúvida, inspira.
A atriz conta, em entrevista ao Correio, que é uma feminista: “Então, para mim, é muito natural lidar com o pensamento e o texto da Violeta. Ela é dona de si, livre, já que é dona do próprio negócio e da própria vida. Compor a personagem foi desafiador por ela passear por vários registros de atuação, da comédia à tragédia, passando pelo drama e pelo romance”, completa.
Ainda na primeira fase de Além da ilusão, o marido de Violeta, Matias (Antônio Calloni) passa a apresentar sinais de loucura após atirar na própria filha, Elisa (Larissa Manoela), acidentalmente. Isso faz com que Violeta assuma o sustento da família, já que eles ainda têm outra filha, Isadora (Larissa Manoela), e entre de vez no mundo masculino dos negócios, aceitando a sociedade de Eugênio numa tecelagem.
Sempre que Eugênio toma a frente dos negócios e tenta passar por cima de decisões de Violeta ou as toma sem consultá-la, os dois personagens brigam. Para Malu, esse é o momento em que esse tema delicado entra em cena, mas a atriz ressalta que outros personagens reconhecem a autoridade de Violeta. A nota triste é que esse tipo de preconceito ainda é sofrido nos dias de hoje, 80 anos depois da década em que a novela se passa.
“O preconceito existe sempre que uma mulher assume uma posição de poder. Ela tem que ser duas vezes mais competente, mais sábia, mais inteligente, porque qualquer erro, ou deslize, já acarreta uma chuva de críticas e comentários preconceituosos. Parece que esperam por isso”, afirma Malu. “Só uma autora traria essas questões para discussão. Esse, apesar de ser um assunto da nossa sociedade como um todo, ainda interessa menos aos homens”, lamenta a atriz, referindo-se a Alessandra Poggi, autora que enfrenta o desafio de escrever a primeira trama sozinha. Em 2017, ela escreveu, ao lado de Ângela Chaves, Os dias eram assim; e fez parte das equipes de colaboradores dos seriados Pé na cova (2013 a 2016) e Sexo e as negas (2014), ambas capitaneadas por Miguel Falabella.
Essa não é a primeira vez que um personagem de Malu Galli ultrapassa o limite das telinhas e ganha as discussões sociais por causa do tema que aborda. No trabalho anterior dela, Amor de mãe (2019), a atriz trouxe à tona o alcoolismo, por meio de Lídia. “É importante a representatividade e a reflexão que um personagem pode trazer. As tramas das novelas trazem exemplos de conduta, de erros, acertos, escolhas que fazemos na vida… Quanto mais pessoas se sentem representadas e pensam suas vidas a partir do que assistem na TV, mais a TV cumpre seu papel”, reflete.
Diálogo com o hoje
Não é porque Além da ilusão se passa na década de 1940 que o Brasil de 2022 será deixado de lado. Pelo contrário. A autora Alessandra Poggi já mostrou que aproveitará as brechas que o texto a permitir para criticar o país de hoje e mostrar que, em alguns assuntos, estacionamos nos anos 1940 ou simplesmente regredimos o quanto havíamos andado no passado. Isso aconteceu, por exemplo, com cenas sobre a Constituinte ou discursos sobre incentivo cultural, e deve se repetir em outros temas que devem vir por aí.
“Acho importantíssimo discutirmos o Brasil atual, mesmo em uma trama de época. O Brasil está padecendo de um desmonte em todos os segmentos, de um projeto de desconstrução generalizado. Nós, como artistas, temos que falar sobre isso, provocar reflexão. Num momento de tanta urgência, temos que pensar o Brasil que queremos. Os anos 1940 servem bem pra isso, pois muitas causas de hoje aparecem lá, e Alessandra soube conduzir muito bem essa analogia, de forma inteligente e nada óbvia”, comenta Malu.
Parcerias
Em cena da atual novela, Malu Galli chamou a atenção ao lado de Larissa Manoela, que vive as duas filhas de Violeta em diferentes fases, de Antônio Calloni e de Marcello Novaes, intérpretes do marido Matias e do sócio Eugênio, respectivamente. Mas foi com a parceria com Paloma Duarte, que vive a irmã de Violeta, Heloísa, que Malu foi parar nos trending topics das redes sociais logo na primeira semana de Além da ilusão.
Malu conta que não conhecia Paloma antes da novela, mas que se deram bem de cara e que hoje são “grudadas”. Tanta afinidade se reflete na tela. “Paloma é muito maravilhosa, inteligentíssima, rápida, dona de um senso de humor adorável e extremamente talentosa”, derrete-se Malu.
Mas não é apenas para Paloma que ela é só elogios. Na primeira fase da novela, o pai delas foi interpretado por Lima Duarte, o que, para Malu, foi uma emoção muito grande. “Ele nos hipnotiza com sua inteligência, seu carisma. Conta histórias incríveis sobre a vida, cita poemas, fala sobre arte… E em cena? Aquele furacão que nos leva junto!”
É seguindo os passos de furacões como esse que Malu vem traçando o próprio caminho na televisão. A atriz se destaca em Além da ilusão, fez bonito em produções como Amor de mãe, Totalmente demais (2015) e Cheias de charme (2012), e adianta que vem uma bruxa ucraniana por aí, na segunda temporada de Desalma. Talento para tanta diversidade não falta a Malu.
Três perguntas // Malu Galli
Você completou 50 anos. Essa marca é mais um número ou te levou a alguma espécie de crise ou balanço?
Me levou a um balanço bem profundo. Hora de olhar para trás, aprender com os erros, mas, principalmente, de olhar para frente e planejar meu futuro, que vai incluir a velhice. Isso deve ser pensado e escolhido com atenção.
Há algum tempo, atrizes reclamavam da falta de papéis de destaque, de protagonistas nessa faixa etária. Esse cenário melhorou?
De alguma forma, mas ainda muito pouco. As narrativas que contam sobre os jovens ainda interessam mais ao mercado. Ao mercado, pois acho que o público que assiste TV se identifica com tramas mais profundas. Uma pessoa de 50, 60 anos pode viver coisas mais interessantes na ficção, na minha opinião.
Você estará na segunda temporada de Desalma. O que pode adiantar sobre esse trabalho?
Estou curiosíssima com Desalma. Foi maravilhoso fazer uma feiticeira de 65 anos, contracenar com a extraordinária Cassia Kis, gravar numa casa de madeira centenária na região rural da Serra Gaúcha, contar uma história fantástica sobre uma comunidade ucraniana no interior do Brasil… Te parece saboroso? Pra mim, foi um deleite!