Elas são empoderadas. Estamos falando da atriz Jeniffer Dias e da estudante Dandara, personagem da própria Jeniffer em Malhação – Vidas brasileiras. Em algumas questões as duas se misturam e podem até se confundir: negras, não medem esforços para garantir representatividade.
“Sinto que o papel do artista é mesmo esse: falar sobre suas dores, sobre o que te atravessa, sobre suas questões, como ferramenta de transformação para si e para o outro”, afirma, em entrevista ao Próximo Capítulo.
Logo quando chegou ao colégio Sapiência, Dandara enfrentou duas barras: teve dificuldades em ser entendida por causa das atitudes questionadoras dela e não aceitava o namoro do pai dela, o diretor do colégio Marcelo (Bukassa Kabengele) com a professora de história, Leonora (Bianca Rinaldi – leia entrevista com a atriz).
O problema de Dandara com Leonora passou para algumas pessoas, pela rede social, como preconceito racial, mas a atriz logo explica que isso não é possível: “Recebi algumas mensagens dizendo que Dandara fazia racismo reverso com a professora de história, só que racismo reverso não existe, minha gente! Para as pessoas que ainda não compreenderam, deixo aqui um livro ótimo da Djamila Ribeiro que explica bem o tema: Quem tem medo do feminismo negro.”
Esta temporada de Malhação apresenta alguns temas da realidade na ficção, como assédio sexual e eleições, entre outras. “Espero que isso aconteça cada vez mais. De alguma forma, abre a consciência do telespectador (que falando de Malhação, tem um público bem abrangente) para o que está acontecendo na nossa sociedade, e levanta discussões ótimas. Pra mim, esse é um grande poder da dramaturgia… Transformar pessoas, e levantar discussões, afirma.
Nesta entrevista ao Próximo Capítulo, Jeniffer fala de racismo, representatividade, música e televisão. Confira!
No Sapiência a Dandara dividia as opiniões dos colegas de turma até conquistar o pessoal. Como está sendo a repercussão da personagem nas ruas? O público ama ou odeia Dandara?
Isso acontecia mais no início da trama, assim que a Dandara chegou no colégio, impondo suas opiniões e os colegas de classe ainda não a conheciam direito. Agora que estamos na reta final e todos já conhecem bem a Dands, sabem o quanto as ideias dela são para favorecer os alunos, rola uma defesa que é unânime. Enquanto a supervisora Solange chegou na trama pra jogar contra os alunos, Dandara, mesmo fora do Grêmio, bate de frente com ela, e o tempo todo luta pelo bem dos alunos! O público tem defendido muito a personagem também nesse momento da trama. A Dandara é a única que tem coragem suficiente pra enfrentar a “Solanja”.
Quando a personagem entrou em Malhação, logo se envolveu nas eleições para o grêmio estudantil. A ocasião acabou levando a discussão das eleições para a vida real. O que acha desse diálogo entre a realidade e a ficção?
Acho incrível! E espero que isso aconteça cada vez mais. De alguma forma, abre a consciência do telespectador (que falando de Malhação, tem um público bem abrangente) para o que está acontecendo na nossa sociedade, e levanta discussões ótimas. Pra mim, esse é um grande poder da dramaturgia… Transformar pessoas, e levantar discussões.
A intolerância esteve presente em várias situações enfrentadas por Dandara no início da participação dela na trama. Acha que a sociedade está cada vez mais despreparada para o diferente?
Muita coisa tem que melhorar! A intolerância é latente! Mas acho que estamos num caminho de desconstrução e descobertas… As pessoas estão se mostrando mais, falando mais, mais destemidas. O que é ótimo, pra vermos quem é quem… Saber em que lado ficar… As máscaras começam a cair. O que é ótimo! Agora a gente sabe em que lado ficar e quem são nossos aliados!
Ao mesmo tempo, sem perceber, Dandara acabava discriminando alguns colegas e professores, não? Como lidar com essa linha tão tênue?
A Dandara é uma menina muito inteligente e consciente, mas é jovem. Os jovens muitas vezes falam coisas por impulso. E foi o que aconteceu muitas vezes com a Dandara na trama. Entre ela e os colegas de classe. Mas preconceituosa a Dandara nunca foi, e isso eu preciso defender aqui. (risos) Recebi algumas mensagens dizendo que Dandara fazia racismo reverso com a professora de história, só que racismo reverso não existe, minha gente! Para as pessoas que ainda não compreenderam, deixo aqui um livro ótimo da Djamila Ribeiro que explica bem o tema: Quem tem medo do feminismo negro.
A Dandara é uma menina empoderada em todos os sentidos. A Jeniffer também é assim?
Eu sou ativista como ela. Acho importante a gente falar e se posicionar! Muito do que a personagem fala se conecta com o que eu acredito ser importante ser dito na vida. E me interessa muito, como artista, dar voz a isso. Sinto que o papel do artista é mesmo esse: falar sobre suas dores, sobre o que te atravessa, sobre suas questões, como ferramenta de transformação para si e para o outro.
No Dia da Consciência Negra, você, Yara Charry e a Luellem de Castro (também atrizes de Malhação) estrelaram um ensaio para o Gshow. A indústria da moda ainda resiste a olhar para a mulher negra?
Ainda existe uma resistência, sim, mas já podemos ver uma mudança. Hoje consigo ir à banca e encontrar capas de revistas com mulheres negras. É pouco? Com certeza! Até porque somos maioria na sociedade! Mas quando eu tinha uns 15 anos, não encontrava nada!
Qual é a importância de atrizes negras fazerem esse tipo de trabalho?
É uma questão de representatividade. É saber que também podemos fazer parte desse lugar que antes nós víamos.
Como foi trocar uma profissão com mais estabilidade pela de atriz? Não deu um “friozinho” na barriga?
Fiz três anos de escola Wolf Maya, que é uma escola de teatro, tevê e cinema, e me encontrei. Entendi que fazia engenharia muito por uma questão de sobrevivência, porque minha família é humilde, então precisava pagar as contas de casa. Mas depois que me encontrei na arte, me apaixonei e vi que dinheiro nenhum paga nossa felicidade. E que quando a gente ama o que faz as coisas simplesmente acontecem, apesar de todos os pesares. Óbvio que na época que tomei essa decisão me deparei com várias questões, ainda me deparo. Porque não é fácil viver de arte no Brasil, ainda mais sendo mulher, preta e periférica.
Você nasceu numa comunidade de Niterói e chegou às novelas da Globo. Considera-se um exemplo para meninas negras que enfrentam as dificuldades que você enfrentou?
Acredito muito nisso. Eu não sou a primeira a abrir essa porta na TV. Tem uma galera incrível que vem antes de mim e eu reverencio! Mas estar ali, interpretando Dandara, é mais um passo dado. É sobre representatividade.
Como surgiu o projeto 111? Com ele você consegue juntar arte e política não-partidária. Essas duas coisas podem andar juntas com sucesso?
É um projeto de resistência cultural, em que a arte é respeitada e valorizada. O 111 começa de uma vontade de movimentar os circuitos artísticos com pluralidade de culturas e experiências de troca. Se consolida no encontro de artistas com diferentes formações e lugares de fala-escuta. Entendemos a arte como agente transformador, sendo indispensável numa construção social que pretende ser inclusiva.
Você foi descoberta pela Regina Casé numa roda de samba. Qual é a importância da música na sua vida?
Eu sempre fui muito musical. Meu pai fazia parte do grupo de samba Pirraça e minha mãe era da escola de samba Beija Flor de Nilópolis. Em casa, meu pai tocava viola e eu cantava. Sempre tinha roda de samba no fundo do quintal de casa nos aniversários da família. A música sempre esteve presente.
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