guaito2 Os Guató se locomovem em "pranchas" de madeira pelo Pantanal

Guató: uma remada no tempo, no canal Off, registra o encontro de duas culturas

Publicado em Séries

Série documental Guató: uma remada no tempo leva o stand up paddle para o Pantanal e propõe uma verdadeira jornada cultural pela aldeia indígena

Ameaçados de extinção na década de 1970, os índios Guató se locomovem pelas águas do Pantanal remando em pé, sobre uma espécie de prancha, feita a partir da madeira de uma árvore. Quando o treinador de stand up paddle Américo Pinheiro contou isso ao documentarista Ricardo Faissol a história nunca mais saiu da cabeça dele.

Agora, ela dá origem a Guató: uma remada no tempo, série documental em oito capítulos que o canal Off exibe a partir de hoje, às 21h30. Na atração, Ricardo registra o encontro entre os Guató e a campeã pan-americana de stand up paddle (SUP), Lena Ribeiro, além do treinador dela, Américo Pinheiro.

“A série é muito do mais que uma travessia de stand up paddle no Pantanal. É uma parte da história do Brasil que os brasileiros não conhecem. É uma série documental e é muito interessante observar os choques culturais entre os atletas de ponta da remada em pé e os indígenas que a usam para as tarefas cotidianas”, define Ricardo, em entrevista ao Próximo Capítulo.

Ricardo ressalta que a série trata também do respeito às diferenças, do não julgar à primeira vista, como quando você é recebido num dia de frio e chuva por um cacique vestindo botas e casacos. “O convívio me fez ver que a cultura está viva, que eles preservam muito as tradições, as heranças dos seus antepassados, ainda que só usem seus trajes em dias de festa. Ao conversar com o antropólogo sobre isso, ele disse: ‘se um japonês vai ao Rio e pede uma caipirinha vestido com a camisa do Flamengo, ele deixou de ser japonês? O mesmo acontece com o indígena’”, lembra.

O encontro entre Lena e os indígenas também é um ponto alto da série, repleto de descobertas dos dois lados. “A série mostra o impacto e as reflexões que esse encontro causaram e também eles aprendendo a remar nas canoas uns dos outros. Um dos impactos foi quando entramos na mata atrás da árvore ideal para a confecção da canoa. Andamos muito e, ao chegar lá, a árvore ainda era pequena. Soubemos que iam esperar mais cinco anos para voltar e ver se era a hora certa de cortá-la”, comenta Ricardo.

Entrevista // Ricardo Faissol

Lena Ribeiro é campeã de SUP e conheceu a cultura indígena no documentário

O que você pode adiantar de Guató: uma remada no tempo? A série segue uma dramaturgia?
A série é muito do mais que uma travessia de stand up paddle no Pantanal. É uma parte da história do Brasil que os brasileiros não conhecem. É uma série documental e é muito interessante observar os choques culturais entre os atletas de ponta da remada em pé e os indígenas que a usam para as tarefas cotidianas. A partir da interação com os atletas, passamos a conhecer cada um dos personagens, incluindo os Guató, o ribeirinho, o militar, o fazendeiro… Outro ponto alto são as reconstituições em artes gráficas hiper-realistas de eventos resgatados a partir dos estudos do arqueólogo José Luis Peixoto e da historiadora Ariane Arruda. E foi curioso perceber que, mesmo com toda a tecnologia disponível hoje, nós enfrentávamos os mesmos desafios de expedições que se aventuraram por lá há centenas de anos. Não é uma área de fácil locomoção.

O que você tirou de lição com essa série?
O tempo que passei lá reforçou que nunca devemos julgar pelas aparências. Chegamos à aldeia em um dia muito frio. O cacique nos recebeu de bota e casaco de couro. Não era o que esperávamos. Depois, vimos um garotinho de calça jeans, mas ele estava caçando com arco e flecha. O convívio me fez ver que a cultura está viva, que eles preservam muito as tradições, as heranças dos seus antepassados, ainda que só usem seus trajes em dias de festa. Ao conversar com o antropólogo sobre isso, ele disse: “se um japonês vai ao Rio e pede uma caipirinha vestido com a camisa do Flamengo, ele deixou de ser japonês? O mesmo acontece com o indígena”. Também fiquei encantado com a preocupação deles com a renovação dos recursos naturais.

O roteiro também é seu?
Sim, é meu. Mas, por ser uma obra documental, fiz três roteiros. O primeiro, durante a pré-produção, estudando principalmente o verbete do portal Povos Indígenas do Brasil sobre os Guató, coletando informações com pessoas locais e pesquisando sobre como poderia amarrar essa história a nossa proposta de cruzar esporte e cultura. No Pantanal, conforme fui vivendo a experiência, percebi que a realidade era bem diferente e aí foi preciso adaptar o roteiro original reagindo aos eventos em tempo real. Depois, a visita à UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) mudou a perspectiva da série, que ganhou um aspecto histórico muito sólido. Então, com tudo captado, o desafio foi balancear o conteúdo histórico com a aventura e o esporte. E aí senti a necessidade de ter a assessoria de alguém. Passei a trabalhar com a roteirista Helena Dias, que já tinha experiência com indígenas. Sua participação tornou a série mais madura e o arco dos episódios ainda mais sólido. Foi incrível perceber a obra amadurecendo a cada camada de trabalho.

Como chegou a essa ideia?
A ideia surgiu anos atrás quando o Américo (Pinheiro, treinador da Lena) voltou de uma viagem ao Pantanal e contou para mim ter visto um remo que, pelo tamanho, só poderia ser para remar em pé. Ele me disse ainda que soube por lá que o remo pertencia aos Guató. Essa história nunca saiu da minha cabeça.

Como foi o encontro dos Guató com a Lena Ribeiro?
A Lena e o Américo (Pinheiro), treinador dela, são competidores de alta performance, têm equipamentos de ponta, não sabiam muito sobre os Guató, assim como os Guató não sabiam sobre eles. Todos reagiram com muita surpresa a todas as descobertas. A série mostra o impacto e as reflexões que esse encontro causaram e também eles aprendendo a remar nas canoas uns dos outros. Um dos impactos foi quando entramos na mata com os Guató atrás de uma ximbuva, árvore ideal para a confecção da “canoa de um pau só”, que tinha sido vista por um indígena há uns três anos. Andamos muito e ao chegar lá a árvore ainda era pequena. Então, não foi cortada. Soubemos que iam esperar mais cinco anos para voltar ao local e ver se era a hora certa de cortá-la. Isso fez com que a Lena, o Américo e eu entendêssemos a real preocupação que eles têm com a natureza.

Você já filmou em vários países. Tem algum que tenha te encantado mais. Porque?
Índia, Japão, Haiti, Israel e Marrocos, por exemplo, marcaram muito pelas pessoas e pelo contraste com a cultura brasileira. Outros me marcaram muito pelas paisagens exóticas, cenários por vezes inacreditáveis como os que vi nas Maldivas, na Nova Zelândia, Micronésia, Irlanda, Hong Kong, Canadá e nas diferentes regiões da Patagônia onde estive.

Quando você vai filmar em outro país dá tempo de conhecer o lugar ou tem que voltar depois, de férias, para aproveitar melhor?
No início da carreira, ficava com um gosto amargo de ter aproveitado apenas através do visor da câmera. Eu amo fotografar, mas muitas vezes faltava tempo para curtir. Então, comecei a estender algumas viagens e tive experiências incríveis. Em Portugal, fiquei por mais um mês, depois voltei e morei por dois meses. Aí, tive a chance de conhecer a maravilhosa Serra do Geres, o Alto D’Ouro, o Alentejo e praticamente toda a costa até o Algarve. Estendi a viagem também no arquipélago das Maldivas, onde fiquei uns 20 dias após o término de um trabalho. Tive a oportunidade de viajar de barco até atóis remotos e ficar em ilhas de locais, experiências muito diferentes dos resorts tradicionais.

Você foi premiado no Venice TV Award com Verão de boa. Como foi a experiência de rodar essa série?
Foi muito corrido! Começamos a buscar personagens pelo Brasil apenas 20 dias antes de começar a rodar. Nosso objetivo era encontrar, ao menos, 10 personagens nas 5 capitais escolhidas e que curtissem o verão sem precisar de muito. Tivemos que fugir das chuvas de verão, que consertar a kombi pelo caminho, mas a experiência de ter convivido e trabalhado tão intensamente com toda essa diversidade de pessoas do Sul ao Norte do país foi uma experiência transformadora. Fiquei com a sensação que aqueles 2 meses entre as primeiras gravações e a exibição valeram por anos de experiência no audiovisual e também como ser humano.

Já tem algum projeto engatilhado para o futuro?
É muito provável que eu faça o filme dos Guató. Quero espalhar mundo afora essa fantástica história deles e dos povos originários do Pantanal. Já fico pensando nos festivais… Também tenho outros projetos autorais de séries e filmes na gaveta, mas preciso de mais tempo para desenvolver. Gosto de me dedicar 100%.

Como escolhe os projetos de que participa?
Tenho especial interesse por conteúdos étnicos, por história e também por esporte, que oferece casos de superação e de pessoas fora da curva. Mas acho que, na maioria das vezes, os projetos acabam me escolhendo. Foi assim com a série dos Guató. Acho que as pessoas sabem dessa minha compulsão por contar boas histórias e aí trazem conteúdo para mim. O canal Off, onde faço vários projetos, também costuma pedir que eu desenvolva uma ideia. Mas sou criterioso porque já desenvolvi muita coisa que morreu na praia. Agora, se acho que tem potencial de verdade para ser viabilizado, aí vou em frente.