“Nada se cria, tudo se transforma.” A célebre frase do cientista Lavoisier cabe perfeitamente bem para explicar o novo momento do áudio no Brasil. Quase 100 anos depois da primeira transmissão de rádio no país, o brasileiro volta a acompanhar histórias no formato, impulsionado pelo bom momento do consumo. Ao melhor estilo das radionovelas, as tramas, agora, são conhecidas como audiosséries ou, simplesmente, como séries de podcast. No modelo, há semelhanças, mas também evolução.
“Acho muito interessante. A comunicação é como se fosse uma espiral. A gente sempre volta para o mesmo lugar, só que em outro lugar. Estamos voltando para a radionovela, só que com uma técnica e uma maestria de fazer que é de outro patamar. A audiossérie faz coisas que, antigamente, não se fazia. Antes, você mexia objetos para fazer uma sonorização de chuva, de cavalo andando. Hoje, isso tudo já está pronto. Fora que, também, mudam os aparelhos que a gente usa para escutar. Antes, era o rádio na sala, com a família toda ouvindo. Hoje, pode-se ouvir um podcast no banho, fazendo um exercício”, avalia a atriz Lorena Comparato, que integra a série #tdvaificar…, que estreou em 28 de agosto no Spotify.
#tdvaificar… é uma das produções brasileiras do formato. A obra traz atores e atrizes conhecidos das novelas, como Juliana Silveira, Lorena Comparato, Paloma Bernardi e André Mattos, para esse novo modelo. De criação e direção de Jaqueline Vargas, que trabalhou nas séries televisivas Sessão de terapia e Rua Augusta, a trama tem como objetivo resgatar algo que os folhetins perderam ao longo dos anos, mas que era uma característica marcante das radionovelas: “Comecei escrevendo roteiro de novela, que tem um poder muito grande na dramaturgia brasileira, o povo gosta. O folhetim tinha essa coisa de se falar mais. Antigamente, as novelas tinham núcleos menores. Esse drama existia mais. Hoje, tem muito movimento e menos dramaticidade. São muitos personagens, é preciso se comunicar com muitas pessoas. Acho que a audiossérie pode nos proporcionar o resgate ao diálogo”.
Para Paloma Bernardi, que interpreta Paula, uma influenciadora digital, na história, esse resgate do modelo das radionovelas também acrescenta ao papel do ator. “É a tecnologia ao nosso favor para acrescentar ao material humano, ao nosso potencial, ao nosso talento. A gente vai aprendendo, lapidando. Tem a questão da tecnologia, mas, também, tem a potencialização para a nossa interpretação. A tecnologia veio para unir forças de uma maneira mais potente”, completa.
No contexto da disseminação da covid-19, a trama se passa em São Paulo, dentro do edifício Harmonia, onde alguns poucos moradores ficaram para cumprir o isolamento. A história tem início quando Janice (Lorena Comparato) e Viviane (Isabella Guarnieri), mãe e filha, desentendem-se e uma delas decide dar uma volta no prédio até que se depara com uma cena assustadora no apartamento de Cândida (Angela Vieira), a síndica. A partir daí, os moradores unem-se para entender o que está acontecendo, todos liderados por Débora (Juliana Silveira), uma mulher que sofre com problemas de alcoolismo.
Com uma temporada composta por cinco episódios e disponível nas principais plataformas de podcast, a série é ambientada na pandemia, inclusive, foi gravada na quarentena, toda em formato remoto. Conhecida no mundo da dublagem, Isabella Guarnieri conta que conseguiu gravar por já ter equipamentos e um estúdio improvisado em casa. “Aqui em casa, somos três dubladores. Meu pai tinha um microfone, equipamentos. Pegamos um armário de um quarto e forramos de espuma. Estamos gravando dentro do armário”, explica, entre risos.
De olho no sucesso dos formatos de podcast no Brasil, o serviço de streaming Spotify lançou, em julho deste ano, o primeiro projeto original da plataforma de série em formato de áudio, a produção Sofia. A trama é uma adaptação do roteiro norte-americano de Matthew Derby e Kevin Moffat e retrata a história de Helena (Monica Iozzi), uma mulher que é contratada por uma empresa de tecnologia e inovação para ser uma das pessoas por trás da inteligência artificial da corporação, a Sofia, interpretada por Cris Vianna. O elenco tem ainda Otaviano Costa como Carlos e Hugo Bonemer no papel de Dani. Com episódios de 20 minutos, a série é composta por sete episódios, em que acompanha os bastidores dessa empresa de inteligência artificial.
Também em julho, a série Escolinha do Professor Raimundo ganhou uma versão em podcast, um resgate do formato original, que estreou nos rádios em 1952. “Provando que tudo é cíclico, o público vai conhecer a Escolinha como ela era quando surgiu: um programa de rádio. E como conhece tão bem os personagens, acredito que vai continuar se divertindo”, conta Bruno Mazzeo.
Com episódios entre 10 e 15 minutos disponíveis no GShow, o programa apresenta o professor Raimundo (Bruno Mazzeo) em diálogos divertidos com os alunos, como Zé Bonitinho (Mateus Solano), Dona Cacilda (Fabianna Karla), Nerso da Capitinga (Gui Santana), Seu Peru (Marcos Caruso) e Baltazar da Rocha (Otávio Muller).
Entre os temas, assuntos ligados ao isolamento social, como a educação a distância, as lives e o delivery. “Estamos falando muito sobre o momento que estamos vivendo, o chamado novo normal. O presente que Armando Volta sempre traz para o professor agora chega por delivery. Zé Bonitinho tem que fazer lives para ser visto pelas fãs. Mesmo assim, não é uma Escolinha sobre quarentena, porque entendemos que o público também quer escapar dessa realidade, nem que seja por um curto período de tempo. Tentamos fazer esse equilíbrio”, explica Angélica Lopes, responsável pela redação final ao lado de Leonardo Lanna.
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