Edmilson Filho vive Lampião em dois tempos em O cangaceiro do futuro

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Série nacional da Netflix, O cangaceiro do futuro estreia levando o humor ao sertão nordestino. Leia entrevista com o ator Edmilson Filho!

Por Nahima Maciel

Virguley é um motoboy cearense que deixa o estado natal para arriscar a vida em São Paulo. Ao acordar depois de levar um tapa em uma briga, ele percebe que viajou no tempo e foi parar em 1927, no sertão nordestino. A semelhança com Lampião leva a população de uma pequena cidade a acreditar que Virguley é o próprio rei do cangaço. O rapaz se aproveita da situação até ser confrontado pelo Lampião real. A trama da série O cangaceiro do futuro, estreia deste domingo (25/12) na Netflix, foi ideia do diretor Halder Gomes, que não hesitou em convocar Edmilson Filho para o papel. “A gente é apaixonado pelo cangaço”, avisa o ator, em entrevista, logo após gravar a última cena da terceira temporada da série Cine Holliúdy para a Rede Globo.

Na pele de Virguley, Edmilson vai viver as aventuras e desventuras (especialmente quando precisar se explicar para Lampião) do cangaço durante os sete episódios da temporada inicial da série. O ator vive também o Lampião real numa duplicidade de papéis que ajudou a compor os personagens. A série foi inteiramente gravada na caatinga dos arredores de Quixadá, no sertão cearense. Edmilson Filho conta como foi gravar a produção e poder viver um personagem do cangaço com uma história que marcou a saga do povo nordestino.

Entrevista // Edmilson Filho

Você vive tanto o Virguley quanto o Lampião. Como foi para compor os dois personagens e vivê-los ao mesmo tempo?
O mais importante era conhecer cangaço. O Virguley é criativo, atrapalhado. Foram duas composições, mas fazer o Lampião me ajudou. Muda a voz e o sotaque, porque o lampião é pernambucano e o Vigurley, cearense.

Qual sua relação com o cangaço? São histórias que sempre te fascinaram?
Todo nordestino tem uma ligação com histórias que escuta sobre Lampião. Comecei a ler literatura de história do cangaço, coisas de antes do Lampião, do final de 1800. Tenho paixão por esse universo, que é muito mais rico do que o velho oeste americano. Perto do tanto de confronto que o cangaço teve, o velho oeste vira fichinha, mas como os americanos contam muito bem, então as pessoas sabem mais. Mas o cangaço tem muito mais aventuras.

E Lampião, o que você destacaria da figura dele?
Lampião só perde para Che Guevara. Era um cara completamente fora de seu tempo. Nos anos 1920, mais de 80% da população brasileira era analfabeta e, no Nordeste, era quase 100%, mas Lampião sabia ler, escrever e fazer as quatro operações matemáticas. Isso deu a ele uma liderança e inteligência muito além do seu tempo. Quando fala que o cangaço era visceral, era mesmo, o Nordeste é visceral. E fora da lei podia ser para o coronel, para o cangaceiro ou para a polícia, que era pior ou igual aos cangaceiros. Era um tempo de muita fome, seca, injustiça social, e esses homens encontraram aquela forma para sobreviver. É um retrato que até hoje existe no sertão.

Qual o tom da série em relação a isso?
O que a gente fez foi tratar o cangaço de maneira cômica, leve, mas muito fiel ao período, com roupas de época, gravado no meio do sertão, de todo o universo dos anos 1920. E a gente dá um alívio cômico.

Foi difícil gravar no sertão, uma região seca e quente?
Foi o pior trabalho da minha vida. Estava no set no início de novembro e minha mãe morreu de covid-19. E a gente começou a gravar. É muito difícil estar no luto da pessoa mais importante da sua vida e virar a chave para fazer comédia. Eu fazia comédia de dia e ia pro quarto chorar à noite. E também passava mal com o calor durante o dia, porque é muito quente, ainda mais com aquelas roupas todas. Não sei como aqueles homens aguentaram, durante 20 anos, andando na caatinga com aquelas roupas.

Você se tornou uma espécie de representante do Nordeste nas produções nacionais. O que gostaria de contar com essa representatividade?

“Não tenho uma mensagem que queira passar. Na verdade, o que quero é que as pessoas conheçam o Nordeste. As pessoas não têm preconceito, é desconhecimento mesmo.”

Elas precisam saber que a gente está lá e sabe fazer cinema e boa música. Tenho que contar as minhas histórias. Queria que o Brasil tivesse mais atores como eu, que trazem seus estados para ter representatividade. Claro, com boas histórias e de forma a alegrar as pessoas, como faz a comédia. Você aprende muitas coisas nos filmes, de comunicação verbal, comida, lugares que viraram pontos turísticos depois que a gente filmou.

Como você encarou as reações ao Nordeste após a votação das eleições no primeiro turno, quando muitos brasileiros criticaram a região por dar maioria ao presidente eleito Lula (PT)?
Eu já sabia que isso ia acontecer, que Lula ia ganhar no Nordeste. Uma região que foi esquecida por todos os governos que existiram. Somente no governo Lula a gente viu melhoria, e as pessoas têm memória, não esquecem. Eu sabia que os outros iam ver isso de forma negativa. As pessoas falam sem saber, porque nunca viveram a realidade do Nordeste, de não ter o que comer por causa da seca. Nos anos 2000, teve uma seca gigantesca em que as pessoas não morreram porque tinham bolsa família. Quem está na zona sul do Rio ou nas grandes capitais não faz ideia do que o nordestino passa.