Reprodução/Internet. Elenco do programa TV Pirata. Reprodução/Internet. Elenco do programa TV Pirata. O elenco do humorístico reunia 10 atores do primeiro time

Até parece que foi ontem! Cláudia Raia fala sobre os 30 anos do TV Pirata

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Atriz Cláudia Raia lembra humorístico que marcou época na televisão brasileira e se mostra bastante atual devido aos temas abordados. Lembre quadros do TV Pirata!

Costumamos chamar de clássicas aquelas obras que, passado o tempo, continuam fazendo sentido de alguma forma, seja estética, seja no conteúdo, seja em outro aspecto. Assim é o humorístico TV Pirata. O programa completou 30 anos em 2018 e marcou época na televisão brasileira. Vale a pena ir ao Globo Play e assistir de novo (ou pela primeira vez) aos episódios do programa. Você, certamente, irá pensar: mas tem 30 anos?

O TV Pirata teve duas fases (uma de abril de 1988 a julho de 1990 e outra de abril a dezembro de 1992) e reunia um time de craques. Cláudio Paiva era o redator final de uma equipe que tinha nomes como Mauro Rasi, Luis Fernando Veríssimo, Patricya Travassos, Pedro Cardoso e a turma do Casseta & Planeta. Sob a direção-geral de Guel Arraes, 10 atores (Cláudia Raia, Ney Latorraca, Diogo Vilela, Débora Bloch, Cristina Pereira, Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Marco Nanini, Louise Cardoso e Guilherme Karan), a maioria mais identificado com os palcos do que com as telas, até então se dividiam entre os papéis.

Cláudia Raia classifica o TV Pirata, no qual interpretou vários tipos, como a inesquecível Tonhão, como um divisor de águas na carreira dela e também no humor brasileiro. “É antes do TV Pirata e depois do TV Pirata. A gente vinha de um humor excepcional, do Chico Anysio, do Jô Soares, dos Trapalhões. Aí de repente veio a TV Pirata brincando com a própria televisão. Realmente foi um marco na dramaturgia, no humor, não só na televisão, como no humor de modo geral. Muita gente se alimentou do TV Pirata, o humor de hoje é alimentado pelo TV Pirata”, avalia a atriz, em entrevista ao Correio.

Cláudia Raia como Tonhão: de símbolo sexual a atriz respeitada
Cláudia Raia como Tonhão: de símbolo sexual a atriz respeitada

Inspiração

Cláudia Raia tem toda a razão. Os dois principais grupos de comédia dos palcos brasilienses, G7 e Os Melhores do Mundo, afirmam ver traços da TV Pirata no humor que fazem hoje.

Ator da trupe do G7, Frederico Braga conta que assistiu à segunda temporada do humorístico e que se encantava com os personagens, especialmente os de Ney Latorraca. “O programa chegou subvertendo os padrões do humor na tevê, com os temas e os atores que tinham uma certa teatralidade. Eram excelentes atores e comediantes”, lembra Frederico.

Ele aponta a liberdade criativa e de abordagem de temas como um dos legados do programa para o G7. “Uma das funções da arte é criticar, gerar reflexão na plateia. E, por meio da comédia, de personagens, a gente consegue fazer isso muito bem e sem ofender as pessoas. A gente via isso no TV Pirata e vê no G7”, afirma Frederico, para quem o TV Pirata deixou um herdeiro na tevê: o Tá no ar! A TV na TV, estrelado por Marcelo Adnet.

Victor Leal, da cia Os Melhores do Mundo, ressalta que a TV Pirata trouxe para a televisão uma quebra de paradigma, com “humor sem bordão e sem claques”. Victor avalia que o programa “marcou demais o grupo (Os Melhores do Mundo) pelo humor crítico, non sense, anárquico” e ressalta que era fã de quadros como TV Macho e de personagens como o Barbosa, vivido por Ney Latorraca.

“Quando assisti a TV Pirata pela primeira vez, fiquei extremamente impactado com aquele humor. Eles brincavam com a realidade de uma forma nova, falando diretamente para a sociedade, para os políticos”, lembra Victor, que tem “orgulho” de depois ter se tornado amigo e de ter trabalhado ao lado de Cláudio Paiva.

Principais quadros de TV Pirata

O Barbosa de Ney Latorraca é um dos personagens mais marcantes do programa
O Barbosa de Ney Latorraca é um dos personagens mais marcantes do programa

Combate – Em plena Guerra do Vietnã, Comandante Klink (Guilherme Karan), Tenente O’Hara (Luiz Fernando Guimarães) e o negro Major Rilley (Marco Nanini) estavam perdidos na selva, sempre à espera do ataque dos vietcongues. Mas, na verdade, a ameaça aos EUA ali era a língua afiada do trio, que não poupava críticas à política ianque e aos seriados americanos.

Fogo no Rabo – A paródia da novela Roda de Fogo teve 33 capítulos e foi um dos momentos mais populares da TV Pirata, especialmente por causa do personagem Barbosa (Ney Latorraca). O folhetim de mentirinha brincava com todos os chavões do gênero, como perda de memória, reencontro de gêmeos, procura pela verdadeira mãe. Além de Barbosa, Fogo no Rabo tinha Reginaldo (Luiz Fernando Guimarães), Natália (Débora Bloch), Clotilde (Louise Cardoso), Amílcar (Diogo Vilela), Penélope (Cláudia Raia) e Dona Mariana (Regina Casé).

TV Macho – O apresentador Zeca Bordoada (Guilherme Karan) comandava um programa no mínimo truculento para fazer graça com o sucesso TV Mulher e com a já falada nova condição social da mulher. Zeca recebia para entrevistas convidados como o costureiro Paulo Tesourão (Ney Latorraca) e Edicleia Carabina (Regina Casé), presidente da Torcida Violência Alvinegra.

As presidiárias – Tonhão (Cláudia Raia), Olga de Castro (Cristina Pereira), Isabelle Duffon de Montpellier (Louise Cardoso) e Cristiane F (Débora Bloch) dividiam a mesma cela. O problema (ou o melhor, na visão do público) é que eram mulheres completamente diferentes. Ainda tinha Dona Solange (Regina Casé), a diretora do presídio.

 

Entrevista// Cláudia Raia

Atriz Cláudia Raia
Cláudia Raia: Minha carreira é antes e depois do TV Pirata

Qual é a importância da TV Pirata na sua carreira?
O TV Pirata, na minha concepção, foi o trading point da minha carreira. Foi a hora em que eu me tornei uma atriz, em que eu fui desconstruindo uma imagem de símbolo sexual, de mulher bonita, e podendo fazer tudo o que eu queria fazer. Na verdade, ali abriu a porta para muitas coisas, e o humor sempre foi o meu carro-chefe, o coração da minha carreira. Foi realmente um marco, muito importante mesmo. Eu vejo a minha carreira antes do TV Pirata e depois do TV Pirata.

Para você, o programa pode ser considerado um divisor de águas no humor da televisão brasileira?
Totalmente. De novo é antes do TV Pirata e depois do TV Pirata. Claro que a gente vinha de um humor excepcional, do Chico Anysio, do Jô Soares, dos Trapalhões, é um tipo de humor oriundo do rádio. A gente tem também o teatro de revista como um dos pilares do nosso humor, que é um humor que vem do circo, do clown, principalmente do teatro de revista, que passou para a televisão, que são os tipos, as esquetes, é um formato maravilhoso e eterno. Aí de repente veio a TV Pirata brincando com a própria televisão. Uma coisa que não é agora, uma coisa de 30 anos atrás.

Qual era o diferencial da TV Pirata?
Ninguém fazia isso, ninguém na própria Globo falava da Globo. Aí veio a TV Pirata com autores maravilhosos, com textos excelentes, de comediantes maravilhosos, dramaturgos maravilhosos, coloca dez atores que são top e juntou essa gente toda com a direção maravilhosa do Guel Arraes. E tinha Luis Fernando Verissimo, Miguel Falabella, Denise Bandeira, Os Cassetas, Patrycia Travassos, enfim, tanta gente boa que escrevia para o TV Pirata. Realmente foi um marco na dramaturgia, no humor, não só na televisão, como no humor de modo geral. Muita gente se alimentou do TV Pirata, o humor de hoje é alimentado pelo TV Pirata. As pessoas ali já puderam criar cada um os seus estilos.

O TV Pirata foi logo depois da abertura política. Ainda havia medo de alguma repressão, ainda mais pelo fato de os quadros serem críticos?
Não. Ao contrário, acho que o TV Pirata, justamente por sair de um período político de censura, de tudo, vinha livre, sedento de liberdade, querendo falar de tudo e podendo falar de tudo. Então, acho que veio ávido por essa abertura mesmo e não só abriu, como escancarou.

Haveria espaço para o TV Pirata na televisão de 2018?
Passando três décadas da estreia, acho que ainda há espaço para o TV Pirata. Prova disso é que se pegarmos esquetes de 30 anos atrás, vamos ver que elas estão em sintonia com o que vivemos hoje.