Ator André Dread comemora poder viver Okpara, personagem que desconstrói percepções preconceituosas em Gênesis
Okpara é um nobre do Egito. O personagem é vivido na novela Gênesis pelo ator André Dread, que costuma ser convidado para papéis carregados de estereótipos destinados aos negros. “Tem sido um processo muito lento, mas acredito que uma hora vamos avançar”, afirma o artista.
Apesar disso, ele lamenta a falta da presença de negros no audiovisual em geral. “Somos minoria nas grandes produções e, quando somos escalados, temos pouco destaque. As oportunidades não são iguais e, talvez, nunca sejam para nós. A gente precisa ocupar outros espaços para que, talvez, essa chave vire. Precisamos de diretores, autores e publicitários negros. Acho que pode ser um dos caminhos para que tenhamos mais representatividade”, analisa.
André explica que entrou no elenco de Gênesis após um convite. De início, ficou preocupado com a mudança de visual para o papel: raspar o cabelo e a barba. “Pedi um tempo para pensar e fazer uns contatos porque já tinha sido sondado para um outro trabalho. Daí, fiz minha escolha em aceitar em fazer Gênesis”, revela.
Como aconteceu com o elenco da trama bíblica, o ator se preparou em workshops, mas fez questão de realizar também uma pesquisa própria. “Fiz uma busca na interna para tentar achar algo do personagem em mim e, depois, assisti a filmes, novelas da própria emissora, também li bastante coisa sobre o Egito Antigo”, comenta.
Projeto paralelo
Paralelamente ao trabalho em Gênesis, André Dread gravou o curta-metragem Desconstruindo Maria, lançado em 25 de março nas redes sociais. Com fomento da Lei Aldir Blanc, a produção retrata a história de um motociclista extremamente machista que está sempre correndo contra o tempo, e que por muito pouco, não causa um acidente com a personagem de Kizi Vaz num estacionamento.
“Eu cresci sendo machista por ter espelhos maternos e paternos da sociedade que vivemos, mas depois do senso crítico e da construção de um ser racional e escutando também mulheres na militância, comecei a refletir sobre muita coisa. Muitas vezes temos atitudes machistas e nem percebemos. O momento de fala é delas, e temos que ficar quietos e escutar”, defende.
Duas perguntas // André Dread
Sua trajetória foi construída na Cufa e no Nós do Morro. Como foi essa experiência para você?
Sou fruto dessas duas árvores genealógicas, esses projetos sociais foram extremamente importantes para o meu crescimento pessoal e profissional. Costumo dizer que a arte me salvou. Antes eu era um cara introspectivo e sem perspectiva. O teatro me fez enxergar o mundo de outra forma. A Cufa e o Nós do Morro me ensinaram a um ser um ator multiplicador, que passa adianta tudo que aprendeu, desde do processo de construção da peça até a construção dos personagens. Isso tudo foi muito enriquecedor, com esse processo ganhei experiência e fui convidado pra dar aulas em escolas e projetos sociais em outras comunidades.
Você tem uma trajetória de militância e ativismo. Pra você qual é a importância de usar sua voz para tratar de temas importantes para a sociedade?
A sociedade brasileira considera pessoas que vivem em favela inferiores. Vivi a minha vida toda dentro da favela, as injustiças acontecem a todo momento, nascemos alvo de um sistema extremamente racista, mas não é só aqui, o racismo está em todo o país. A educação é algo precário, temos um problema gravíssimo de saneamento básico que não se resolve. Gritamos por urgência de políticas públicas. A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. As atitudes abusivas me fizeram ser o que eu sou, cansei de apanhar calado e ver meu povo morrendo. Estamos cansados de sobreviver, queremos viver.