Minissérie em sete capítulos da Netflix, O gambito da rainha acompanha a história da órfã que se torna enxadrista Beth Harmon
O título O gambito da rainha não é para iniciantes. Pelo contrário, o nome da minissérie recém-lançada pela Netflix é o termo usado para descrever uma abertura de xadrez, em que o peão da dama é o primeiro movimento do tabuleiro. Apesar disso, a produção é sim para todos. Por mais que seja ambientada e contextualizada num território de disputa do jogo, o enredo da trama vai além, trazendo os dramas da personagem principal.
Escrita e dirigida por Scott Frank (Godless e Caçada mortal), a produção é inspirada no livro homônimo do norte-americano Walter Tevis lançado em 1983 e acompanha a história da órfã Beth Harmon, vivida na infância pela atriz Isla Johnston e na adolescência e vida adulta por Anya Taylor-Joy (Os Novos Mutantes, Fragmentado e Emma). Com apenas 9 anos, ela perde a mãe num acidente de carro e é levada para uma orfanato em Kentuchky. Lá, descobre, por acaso, o talento pelo xadrez graças a Mr. Shaibel (Bill Camp), o solitário zelador do espaço.
Shaibel e o xadrez ajudam a garota dando a ela uma perspectiva em meio a triste vida no orfanato, que enche as órfãs de calmantes — aos quais Beth logo se torna viciada –, e também da realidade por trás da morte da mãe da menina. A partir daí, a história mostra como Beth se tornou numa grande enxadrista mesmo nos anos 1960, quando as mulheres tinham como função apenas se tornarem boas esposas.
Crítica de O gambito da rainha
Beth tem uma bagagem pesada. O passado com a mãe foi intenso. A personagem, ainda muito pequena, se viu em situações complicadas ao lado da matriarca, que lutava para não ver a vida desmoronar. A vivência no orfanato também não foi das melhores, com exceção da descoberta do xadrez e dos dois únicos amigos, Mr. Shaibel e Jolene (Moses Ingram). Quando é adotada, a vida não se torna mais fácil, a nova mãe Alma Wheatley (Marielle Heller) também tem uma série de problemas e joga na garota uma expectativa de solução. Mesmo assim é a partir deste momento que Beth toma as rédeas da própria vida e decide se dedicar ao xadrez.
A experiência ao lado de duas mães extremamente reprimidas deu o oposto a Beth, uma casca em relação a vida sentimental e um desejo de querer ser sempre a melhor. Tudo isso fica visível no modo como a personagem lida com o xadrez, a única e verdadeira paixão da vida dela. Ela sempre entra nos jogos para vencer, mesmo que não se prepare. O modo de jogar da protagonista é pelo improviso, se aproveitando do raciocínio rápido e também da “ajudinha” dos remédios aos quais ficou viciada ainda na infância.
Em um território masculino, a personagem mostra força. No entanto, fora dele, está sempre se auto sabotando. Essa complexidade em relação a Beth é o que fascina o espectador e dá liga para a condução do enredo. A protagonista chama tanta a atenção que os demais personagens ficam mesmo como secundários nessa trama, apesar de terem todos razão de ser na narrativa. Quem ainda “duela” por espaço com a protagonista é o próprio xadrez e Jolene, que serve mais como um alívio cômico.
A fotografia da minissérie é outro ponto de destaque, com uma paleta de cores, cenários e figurinos que retratam muito bem o período em que a história se passa entre os anos 1950 e 1960. A evolução das roupas de Beth ao longo dos episódios revela muito sobre a personagem. Também é interessante a escolha de retratar o pensamento rápido da personagem de forma visual, faz com que o espectador entenda melhor como ela ganha os jogos.
Em sete episódios, O gambito da rainha conduz o espectador a uma trama envolvente, com belos e rápidos lances de xadrez e um drama humano complexo.