Secretário-geral da OEI elenca a primeira infância como prioridade; para ele, o Brasil precisa melhorar no tratamento dado a crianças de 0 a 6 anos

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Mariano Jabonero, secretário-geral da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), estará está semana em Córdoba, na Argentina, para participar da oitava edição do Congresso Internacional da Língua Espanhola entre quarta-feira (27) e sábado (30). Entre esta segunda (25) e terça (26), a cidade também recebe o Seminário Ibero-Americano de Jornalismo e Comunicação, organizado pela OEI e que reunirá jornalistas e estudiosos da área de diversos países, incluindo o Brasil.

O Correio Braziliense estará representado no evento pela jornalista Ana Paula Lisboa, que, a convite da OEI, será uma das painelistas da discussão sobre “Comunicação transmídia: intertextualidade da palavra”. Em conversa no escritório da OEI em Brasília, Mariano Jabonero comentou a importância e as recomendações dele para a primeira infância no Brasil e nos demais países da Ibero-América. Confira entrevista com ele:

Como está sendo o início da sua gestão à frente da OEI?

Fui eleito em abril e assumi o posto em julho do ano passado. Têm sido meses muito intensos, de muito trabalho e, na verdade, também apaixonantes porque tratamos de temas muito importantes. Tive a vantagem de que já estava trabalhando na OEI há muitos anos; então, conheço a casa por dentro. No entanto, é uma região muito grande, especialmente, a América Latina. É complexo. Tomar o pulso de tudo isso é uma tarefa que leva tempo e esforço. É preciso planejar o orçamento com muito rigor…

Quais são os maiores desafios?

A região é muito grande, e há vocação para a integração. Mas os instrumentos políticos para integração estão em crise. A educação e a cultura são fatores muito sólidos e permeiam a região. Podemos ser a maior comunidade bilíngue do mundo, há potencial de todo tipo. Mas há muitos desafios, entre eles a desigualdade, em todos os sentidos, social, de gênero… E a desigualdade feminina, especialmente entre a mulher rural e a mulher indígena, é muito grande. O abandono escolar e, em muitas vezes, por gravidez precoce, acontece muito. Assim, perpetuam-se desigualdades. Estudos mostram que uma mãe analfabeta tem mais chance de que seus filhos morram precocemente. Por isso, precisamos investir e priorizar educação.

Como o senhor avalia que a primeira infância tem sido tratada na Ibero-América? Os países estão fazendo um bom trabalho?

Tenho que ser sincero e dizer que precisamos avançar. Há dois comportamentos históricos: um de não ligar ou cuidar muito disso porque não se importa com isso; e outro de perceber que, muitas vezes, está mal, mas saber que tem que melhorar. Precisamos passar para o segundo comportamento e tentar melhorar. Até porque investir na primeira infância é apostar no futuro. Um dos principais problemas na região da Ibero-América é a baixa cobertura da educação infantil. E, nessa etapa, eu diria que é baixa em todos os países. Além disso, a cobertura é de baixa qualidade, porque sempre foi considerada uma etapa subsidiária, enquanto a educação básica, que é obrigatória, é priorizada, pois essa fase dura de 16 a 17 anos, e os governos prestam mais atenção.

Qual cenário o senhor vê no Brasil?

A cobertura da educação infantil brasileira também é baixa, muito baixa, todavia bastante similar a outros países da região. Há outros países com maior nível de cobertura, como é o caso o Uruguai, do Chile, da Argentina, mas, no restante dos vizinhos, é bem baixa. A atenção dada ao componente educativo da etapa tem sido escassa. Há também uma questão de recursos humanos, pois não há formação suficiente para trabalhar com isso. Para ser professor da educação primária e secundária, exige-se titulação. E, nas creches e nas escolas de ensino infantil, não houve todavia essa formação no quadro.

Qual aspecto o Brasil mais precisa melhorar?

Precisamos melhorar mesmo a formação dos docentes para educação infantil. Isso é fundamental. A etapa da primeira infância é a mais importante para investir nas crianças, pois marca o futuro das meninas e dos meninos. Por vários motivos, entre eles, porque é quando está acontecendo maturação neurológica, quando conexões estão sendo criadas no cérebro, quando as crianças começam a socializar com a família e com seu entorno, o que gera grandes avanços… A primeira infância está entre as prioridades da sua gestão para os quatro anos de mandato.

O que a OEI vai fazer nesse sentido?

Já estamos fazendo. Temos programas de apoio aos governos fazendo um diagnóstico da situação, indicando quais são os problemas mais e menos graves. Também estamos fazendo comparação de políticas públicas diferentes a fim de difundir as melhores práticas por meio de publicações. Também estamos desenvolvendo metodologias de trabalho para a primeira infância, colocando para os governos e as instituições quais seriam as melhores maneiras de trabalhar.

Qual a sua avaliação do programa Chile Cresce Contigo, exemplo de política pública voltada para a primeira infância? Seria algo replicável no Brasil?

É muito positivo. No Chile, os últimos presidentes colocaram a primeira infância à frente. A cobertura de educação infantil é boa para a média dos países da América Latina. Com relação a um possível “Brasil Cresce Contigo”, a magnitude de um país não é uma desvantagem. Em quase todos os países, os programas de primeira infância têm forte implicação municipal porque estão muito próximos das políticas municipais, já que são políticas de apoio às famílias, de saúde, de bem-estar social, de educação e de tudo que tem a ver com um município. Há países nos quais tudo que tem a ver com educação infantil acontece nas escolas municipais. Então, ser um país grande não é impeditivo para aplicar um programa do tipo, que seria global, mas aplicado em nível municipal.

Porém é necessário haver orçamento e vontade política…

Com certeza. Nessas coisas creio. A América Latina é a região onde mais se investe em educação no mundo fazendo a correlação com o PIB (Produto Interno Bruto). Os países da América Latina investem 5,2%. Está acima da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), que investem 4,6%. Então, o que falta não é dinheiro, é melhor gestão. A melhor vontade política se traduz em orçamento. Quando alguém fala de política, precisa falar de orçamento. E, se um país investe mais num tema do que em outro, está mostrando que quer mais um tema do que outro.

Quais países da América Latina têm as melhores políticas?

Além do Chile, a Colômbia (que tem o programa De zero a sempre, que é muito interessante), a Argentina (que conta com centros de socialização e estímulo para a primeira infância; onde as crianças ficam, assim, sobretudo as mães ganham tempo livre para fazer outras coisas), o Uruguai e o Peru.

O senhor não citou o Brasil. Ele está entre os piores no que diz respeito à primeira infância?

Há complexidades especiais do Brasil, que é um país muito grande é muito desigual, mas, decididamente, não está entre os piores. Os piores tratamentos à primeira infância estão na Nicarágua e outros países da América Central. Os países mais comparáveis com o Brasil seriam México e Colômbia, que têm extensão maior. Podemos dizer que o Brasil está na média dos países da região que, como eu disse a princípio, não é boa.

Como a OEI apoiará ou trabalhará com os novos governantes do Brasil, que assumiram mandato este ano?

A boa notícia é que o Brasil conta com um presidente eleito democraticamente. Isso é muito bom porque, há alguns anos, não era assim na América Latina. Vamos apoiar as políticas que melhorem a educação, a cultura e o tratamento dado às pessoas. Todos os países da região da Ibero-América têm situação política muito diferente, mas a OEI trabalha em todos eles. Não tenho dúvidas de que os temas que mais nos preocupam são primeira infância, competências do século 21, governança, educação superior e ensino de português.

O que os adultos, incluindo pais e professores, devem valorizar na interação e na educação de crianças de até 6 anos?

Duas iniciativas são principais: a leitura, no sentido de contar histórias e incentivar uma atitude positiva com relação aos estudos, e o despertar da curiosidade. Quando falo da leitura, ela não deve ser confundida com aprender a ler e a escrever, que é uma tarefa de aprendizagem muito escolar, qualquer professor com boa formação sabe ensinar isso. Estou falando de algo mais básico: é de uma atitude com relação aos estudos. Há uma especialista em literatura infantil colombiana chamada Yolanda Reyes (escritora, educadora e promotora de leitura) que diz que a leitura na primeira infância tem um primeiro componente que é ser um ato de amor. O fato de o pai, a mãe, os avós pegarem a criança nos braços e lerem para ela quando ela ainda não pode fazê-lo gera um laço afetivo muito forte. Além disso, esse ato apresenta um mundo diferente à criança. Então, após você ler uma história para uma criança, ela dirá: “outra”, e “outra” e “outra vez”. Isso gera um laço afetivo, além de uma atitude favorável com relação aos estudos. Por isso, como diz a Yolanda Reyes, é um gesto de amor. Em segundo lugar, é um gesto educativo. A criança terá vontade de aprender a escrever e a ler, o que será muito útil. Em terceiro lugar, é um ato político. Os países avançados têm a leitura como pilar, o elemento da leitura faz parte da política do governo para educação. Um plano de leitura é um valor positivo para a cidadania.

Além de ler para as crianças, como se parte para a segunda iniciativa, de despertar a curiosidade?

Essa outra estratégia importante não é ideia minha, é da argentina Melina Furman (doutora em educação, pesquisadora da formação do pensamento científico do nível inicial ao universitário), que fala do “despertar de mentes curiosas”. Isso é que o menino ou a menina tenha uma atitude curiosa, que manipule os objetos, que brinque, que crie, que tenha uma atitude que podemos classificar como “pré-científica”, de descobrir. Isso tem a ver com competências cognitivas, comunicativas, são “pré-competências” ou competências prévias…

Como se estimula o desenvolvimento dessas competências?

Elas não vão se desenvolver com uma criança ficando três horas em frente a uma tela assistindo a desenhos. Isso não desperta a curiosidade, isso é colocar o menino numa atitude passiva por completo. Então, como é possível desenvolver isso? Em ambientes enriquecidos em que existam múltiplos estímulos. São lugares onde se possa brincar com brinquedos e com outras crianças, onde tenha objetos para manipular, coisas para se divertir.

Por que as competências do século 21 estão entre suas prioridades? Como desenvolvê-las?

É um tema fundamental, especialmente as competências comunicativas, digitais (ou seja, tudo que tem a ver com tecnologia) e socioemocionais (que tem a ver com direitos humanos e cidadania). É uma área em que precisamos ter mais formação de docentes. É um trabalho que deve ser feito em longo prazo nas escolas e veremos os resultados lá na frente no mercado de trabalho. Com relação ao pensamento crítico, importante para a educação midiática, ele deve ser estimulado desde o início da educação, para que a criança possa identificar o que é e o que não é falso, inclusive com relação a desenhos, vídeos e notícias. É preciso criar uma educação de uso de telas e dispositivos móveis entre crianças de 0 a 6 anos. Há muita preocupação com o tema, porque a interação das crianças sem cuidado com essas mídias causa muitos problemas.

Ana Paula Lisboa

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Ana Paula Lisboa

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