Todo mundo sabe que mentir é feio. Embora não esteja relacionada entre os pecados mortais, capitais e veniais que regem a vida dos cristãos, a mentira não é considerada uma ação das mais educadas; mesmo aquelas mais inocentes, típicas de faroleiro – que, aliás, depois de pescador, é a profissão mais afamada neste metiê.
Faroleiro é uma dessas profissões em extinção; começou quando não precisavam mais acender o fogaréu toda noite, assim como os acendedores de lampiões públicos, que não sobreviveram ao interruptor. Hoje, faróis são controlados remotamente, mas a fama de mentiroso persiste, herança das vantagens que esses ermitões supostamente contavam.
Com pescadores, a história é outra. Continuam arrolados entre os maiores mentirosos do mundo, obviamente pelos exageros incluídos nas histórias que alguns contam. Mas como diz um amigo, qual é a graça de pescar se a gente não puder contar uma mentirinha?
O mesmo princípio vale para o botequim. Uma boa mesa tem que ter pelo menos um mentiroso, senão um exagerado; o ideal é que alguém junte essas qualidades. Temos um companheiro assim. Todo bom mentiroso é manipulador, com um dom natural para contar as maiores barbaridades sem piscar ou se atrapalhar.
Tem que ser bom ator; mentiroso que se entrega não tem valor, é desmascarado. E fluência. Uma linguagem escorreita pode conter uma mentira cabeluda, ajuda a contar o caso mais estapafúrdio, ainda mais se for de maneira espontânea e eloquente.
De tanto ouvir nosso amigo, o Faixa – que é advogado, portanto sabe a gênese de uma peta – começou a elaborar o manual do cascateiro, ainda de forma oral, mas que ele promete que será escrito (ninguém acredita). Baseado no nosso amigo, ele desceu anunciou o decálogo do bom mentiroso
Não chega a ser o undécimo mandamento, mas o Faixa recomenda que o mentiroso seja parcimonioso. Senão já vira político.
Publicado no Correio Braziliense, em 8 de novembro de 2019
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