Isabella Corrêa – Do CorreioWeb
Psicóloga Jéssica Fogaça explica que o cérebro precisa de tempo para assimilar conteúdo estudado
Todo concurseiro sabe que, para chegar ao lugar desejado na carreira pública, é preciso muita dedicação e estudo. Disso, ninguém duvida. Porém, quem “vai com muita sede ao pote” pode enfrentar sérios problemas. A concursanda Polly*, de 32 anos, acreditava que estudar por quase dez horas diárias sem se cuidar corretamente era o caminho mais rápido para chegar à nomeação. “Comecei estudando duas horas. Quando vi, estudava oito, nove, dez horas por dia sem parar”, recorda. No começo, ainda praticava atividade física. Mas, com o tempo, estudar passou a ser prioridade. Ela percebeu que o excesso a levou a um ciclo. “O estudo é como exercício físico: quanto mais você faz, mais quer fazer. Eu me sentia estimulada, nem conseguia dormir”, lembra. O problema veio quando, um dia, Polly sofreu uma crise conversiva. “O médico disse que foi meu corpo gritando, eu estava cansada, com estresse mental”, desabafa. Dados foram temporariamente apagados do cérebro da concurseira, que perdeu a memória recente, desde lembranças da família até conteúdos que havia estudado. A psicóloga comportamental Jéssica Fogaça afirma que o descanso é fundamental, já que a mente precisa de um tempo para assimilar as informações que chegam a ela. “Para se ter uma ideia, o nosso cérebro chega a consumir 30% da nossa energia diária”. Por isso, ela aconselha ter um corpo bem alimentado e descansado para melhor rendimentos nos estudos. O clínico geral Fausto Piazzalunga também ressalta que o equilíbrio deve estar em primeiro lugar. “Para evitar doenças, é preciso haver limite”, observa. “Não adianta querer estudar sem se preocupar com a saúde. Se exercitar, ter uma boa noite de sono e boa alimentação é fundamental”, indica. “O corpo tem o seu limite. Quando ele não consegue descanso, produz doenças físicas e/ou psicológicas”, justifica a psicóloga. Ela aponta que a doença, no entanto, não deve ser o único motivador para prestar atenção à saúde. É preciso se conscientizar antes do alerta vir do corpo ou da mente. “A pessoa é obrigada a parar, mas sem muita culpa, pois para porque está ‘doente’”. Para ela, o excesso e a obsessão são os vilões do problema. “Não é saudável é chegar a uma situação de compulsão, onde a pessoa não consegue mais controlar seus comportamentos e gasta a maior parte do dia empenhada em uma única atividade, abrindo mão de outras coisas importantes para si”, observa. O desinteresse de Polly após o episódio aumentou e ela largou os livros. “Depois de um ano, passei a ficar tão enojada, com medo, eu não conseguia achar um meio termo entre estudo e descanso, olhava para o livro e não tinha mais prazer”, relembra. Após quase seis anos, a concurseira percebeu que havia criado maturidade suficiente para tentar de novo. “Muitas pessoas me mostraram que não é tão fácil passar em cinco meses”, lembra. “Era como se eu quisesse correr uma maratona sem ter treinado”. Segundo ela, o tempo a mostrou que às vezes é preciso descansar. A concurseira ainda estuda para a mesma seleção desde que teve crise conversiva. Porém, dessa vez, ela garante que não terá tantos problemas. “Agora eu tenho mais calma, consigo manter o ritmo de estudo, tiro tempo para descansar, faço exercício físico”, confessa. “E se eu tivesse tido um derrame cerebral? O dinheiro não iria trazer a minha vida de volta. Agora tomei consciência”, desabafa. Planeje suas atividades Jéssica recomenda que o estudante tenha em mente, antes de tudo, que o processo de aprendizagem requer tempo, justamente por ser composto por etapas. “Conhecemos primeiro o mais simples para depois aprendermos o mais complexo”, explica. Dessa forma, a melhor dica, segundo a psicóloga, é começar os estudos com antecedência, estabelecer prazos para cada disciplina, realizar pequenos exercícios de fixação e, claro, reservar tempo para o descanso. Ela também salienta para a preocupação da convivência com os outros. “Mesmo em período de preparação para provas e concursos, a vida social do candidato não deve ficar de lado”, defende. “É importante continuar se relacionando”, recomenda. Saiba mais – Crise Conversiva A crise conversiva, segundo Jéssica Fogaça, é quando uma pessoa tem perda ou alguma alteração em suas sensações ou função motora sem, no entanto, ter algum tipo de doença. Os sintomas variam. A psicóloga aponta que os sistemas sensoriais são anestesia (ausência de sensibilidade) e parestesia (sensações de frio, calor, formigamento ou pressão, sem que haja estimulação), principalmente nos pés e nas mãos. Os sintomas motores mais comuns são fraqueza, movimentos anormais, paralisia e tremores, entre outros. O excesso de estudo pode gerar crise conversiva porque o organismo do estudante passa por muito estresse. “Na maioria das vezes, os sintomas pioram quando se dá atenção a eles, pois são de ordem psicológica, não há causas biológicas envolvidas”, explica. *Nome fictício para preservar a identidade da fonte.