Para professora da UnB e especialista negra, o número é um “reflexo da sociedade”
Karolini Bandeira*- Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aproximadamente 28% da população brasileira é representada por mulheres negras, entretanto, a presença deste grupo em altos cargos públicos ainda é baixa. O Instituto Rio Branco liberou, no último dia 14, o resultado final do concurso público para a carreira de diplomata, e, dos 25 aprovados, apenas uma é mulher negra. Ela conquistou a 2ª posição entre as cinco vagas reservadas para pessoas negras, sendo a única do sexo feminino.
“Não me surpreende”, diz a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e historiadora negra Renísia Cristina Garcia Filice. Para a pesquisadora, o número é um “reflexo da sociedade”. “Vivemos em um país racista em que o racismo estrutural está comprometido e conectado com a desigualdade econômica. Vencer essa barreira do racismo é extremamente dificultoso para a população negra, em particular para as mulheres negras”, explica.
“Um número vergonhoso”
O número — muitas vezes inexistente — de mulheres negras que ocupam grandes cargos públicos, para Renísia Filice, é “vergonhoso e chocante”. “Eu considero esse número absurdo, uma vergonha, e ele é o retrato do descompromisso do Estado brasileiro com o reconhecimento do racismo estrutural e o combate ao racismo.”
No concurso para diplomatas do Instituto Rio Branco de 2015 não houve mulheres negras nomeadas nas vagas reservadas. Após seis anos, o progresso não indica, necessariamente, um avanço. “O país sequer pensa em formas de políticas voltadas efetivamente para minimizar essas desigualdades e as poucas políticas afirmativas que existem, seja no Itamaraty, nas universidades ou nos serviços públicos, incomodam sobremaneira a sociedade brasileira”, salienta a pesquisadora. “É o retrato da falta de compromisso de humanidade do Estado brasileiro para com a sua população majoritária.”
Desigualdade racial no serviço público
De acordo com estudo do Ipea, em 2019, 38,1% de novos servidores públicos se consideravam negros e 56,8% brancos, enquanto outros 5,1% preferiram não informar. Os homens brancos também ocupam a maior parte dos cargos de nível superior e, consequentemente, com maior salário: em 2020, o Ipea registrou que 65,1% das funções públicas de escolaridade superior no Executivo federal eram exercidas por brancos, enquanto 27,3% das carreiras eram ocupadas por negros. Ainda segundo o estudo, para cada mulher negra nas carreiras de superior, há três homens brancos.
A desigualdade envolvendo gênero e raça também é notável em altos cargos de comissão: segundo o Ipea, para cada mulher negra em ocupação comissionada elevada, há 50 homens brancos.
*Estagiária sob supervisão de Lorena Pacheco