O fundo eleitoral brasileiro é realmente um problema?

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Quase todos os países democráticos em algum momento precisam discutir as regras eleitorais e, claro, como as eleições devem ser financiadas. Quando falamos em processos eleitorais, é preciso ter em mente que não existe um modelo perfeito, que pode ser uniformemente adotado por todos os países democráticos.

Há regras que variam muito, envolvendo teto de gastos, limitação de doações por pessoas físicas, permissão de doações corporativas e, um dos aspectos mais polêmicos de todos, o uso de financiamento público.

A França, por exemplo, discute a criação de um “Banco da Democracia”, dado que por lá há um reembolso aos partidos de acordo com o desempenho nas urnas e os bancos se mostram pouco dispostos a antecipar as quantias, o que pode acabar direcionando o resultado eleitoral de acordo com a capacidade do candidato se viabilizar.

Nos Estados Unidos, existe o fundo público, e embora empresas não possam doar diretamente para partidos, elas podem fazer propagandas favoráveis ou contrárias aos candidatos, sem limites, o que torna a proibição um ato ficcional.

No Brasil desde 2015 não temos mais as doações corporativas para candidatos, que ficaram restritos a receber doações do partido, de pessoas físicas e dos próprios candidatos. Na reforma de 2017, já com a experiência das eleições municipais realizadas no ano anterior, o Congresso aprovou um fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão.

O fundo eleitoral é mesmo alto? Compare com Alemanha e Espanha

Acompanho as discussões sobre o tema e a maior parte delas estão recheadas de discursos carentes de informações, muitos deles puramente demagógicos. Para ilustrar, sempre que se fala em custo eleitoral, aparecem os defensores do sistema eleitoral chamado “distrital misto”, que é o modelo adotado pela Alemanha. Para registro, o nosso é o sistema proporcional, com voto em legenda e nominal em lista aberta.

No alemão o eleitor escolhe o seu representante, de acordo com seu distrito, e também um partido de sua preferência (lista fechada). As cadeiras do parlamento são preenchidas da seguinte forma: metade para os representantes distritais, metade para os representantes das listas partidárias. Se um partido receber metade dos votos, leva metade das cadeiras destinadas aos partidos, por exemplo.

O senso comum diz que desta forma a eleição custaria menos. Contudo, vale fazer contas. A população alemã é de 83 milhões de pessoas. E o fundo eleitoral público, que financia cerca de 30% do total gasto pelos partidos, sendo o resto composto por doações, é de aproximadamente US$ 146 milhões.

Faça uma conta agora. Divida o valor disponibilizado pelo governo, pelo total de cidadãos. Em resumo, o custo da democracia alemã, com sistema distrital misto, em um país com densidade demográfica quase dez vezes superior ao Brasil, é de US$ 1,76 por cidadão. Claro que alguém poderá contestar e pedir para fazer a conta por eleitores, mas aí tornaria qualquer paridade ainda mais complicada, dado que na Alemanha o voto não é obrigatório. O custo por eleitor seria ainda mais elevado e não poderíamos fazer um comparativo equilibrado.

Vamos olhar outro país, a Espanha. Com cerca de 47 milhões de habitantes, com um sistema eleitoral conhecido como “proporcional em lista fechada”, em que o eleitor vota no partido, há um fundo eleitoral de… US$ 154 milhões. Fazendo a mesma conta que fiz com a Alemanha, o custo da democracia espanhola é de US$ 3,28 por cidadão. Contudo, temos que fazer justiça, a densidade demográfica espanhola é menos da metade da alemã, o que dificulta fazer campanhas. Esse fundo corresponde, segundo informações dos partidos, a cerca de 20% do total gasto nas campanhas eleitorais.

Então, agora que você já tem dois parâmetros, chegou o momento de olhar para o Brasil. Temos cerca de 209 milhões de habitantes, espalhados em quase 5.700 municípios, em um território enorme, o que nos dá a menor densidade demográfica dos três países: 24 habitantes por quilômetro quadrado.

O nosso fundo eleitoral, na conversão para facilitar a conta, é de US$ 408 milhões. Quando olhar para esse número, quem tem o raciocínio menos elaborado gritará que é um absurdo, que esse dinheiro deveria estar na educação, na saúde, no guarda da esquina. O problema é que esse discurso só tem força se não estiver acompanhado por uma calculadora.

Quando fazemos a conta, temos um custo por cidadão de US$ 1,95! E é preciso ressaltar que na Espanha e na Alemanha as empresas podem fazer doações.

Montei um quadro para facilitar a compreensão. Agora ficou fácil, você não cai mais no conto da eleição cara no Brasil, nem que a culpa é do sistema eleitoral.

Alemanha Brasil Espanha
População estimada           83 mi         209 mi           47 mi
Fundo Eleitoral  (US$)   146 bi   408 bi   154 bi
Custo por cidadão  (US$)                         1,76                         1,95                         3,28
Pib (US$)  3.7 tri  2 tri  1.3 tri
Densidade demográfica (hab/km2) 230 24 91
% de financiamento público do total cerca de 30% mais de 90% cerca de 20%
Financiamento empresas Sim Não Sim
Sistema Distrital misto Proporcional Lista fechada

Em minha visão, está mais do que evidente que partidos precisam arrumar mais meios de financiamento eleitoral, até porque, nos casos estudados, o fundo não consegue pagar a conta, por maior que ele seja. A democracia tem preço, mas é infinitamente mais acessível do que a tirania.

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