Por Marianna Nascimento (especial para o Correio)
O susto foi grande quando, por volta de 7h da segunda-feira, uma senhora aposentada de 65 anos, moradora do Lago Sul, encontrou o cachorro da família sangrando e com olho ferido. Ele foi atacado por um tamanduá-bandeira, que se infiltrou no jardim e se escondeu no quintal do lote, cheio de plantas de portes diversos. O animal silvestre não é agressivo e deve ter se assustado com a presença do cão, agindo para se defender. Só foi descoberto após uma longa varredura que os moradores fizeram pelo local. “Pensamos em encontrar qualquer coisa: porco-espinho, ouriço, gambás ou mesmo uma capivara, mas nunca um tamanduá-bandeira. Foi uma surpresa muito grande”, diz o dono do imóvel, que preferiu não se identificar.
O Correio acompanhou a trajetória do tamanduá, resgatado pelo Batalhão de Polícia Militar Ambiental do DF (BPMA) e encaminhado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O espécime deve ser solto no Jardim Botânico na manhã de hoje. Segundo informações preliminares do batalhão, o animal poderia pesar até 60Kg, mas o Ibama não confirmou a informação. Veterinários afirmam que 45Kg seria o máximo esperado.
Esse foi apenas um dos 480 casos de resgate de animais que ocorreram só neste ano. Os números chegaram a 409 no mesmo período de 2015. No total, foram 1.882 casos no ano passado e 2.059 no anterior. Quando os animais aparecem nas casas e são resgatados pela polícia, são encaminhados para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama. Quando há impedimentos para que retornem ao hábitat (lesões, doenças ou outros cuidados necessários), eles podem ser mandados ao zoológico ou à Universidade de Brasília para tratamento. Em casos comuns, são analisados pelo órgão e soltos novamente nas reservas.
De acordo com Alberto Lopes, tenente do BPMA, mesmo com números tão altos, é incomum recolher tamanduás nas casas, geralmente, cobras e gambás constituem a população de bichos fugitivos. “É inusitado aparecer um tamanduá-bandeira, ainda mais daquele tamanho. Mesmo sendo poucos, dá para dizer que aquele foi um dos maiores que já apreendemos”, diz o tenente. Ainda segundo o oficial, não é possível apontar locais com maior concentração das ocorrências, que se espalham por todo o DF. Na última semana de fevereiro, o Correio contou a história de um tucano foi resgatado no Park Way com o bico fraturado e que receberá uma prótese (ver Memória).
Espaço reduzido
O engenheiro ambiental e coordenador do Cetas, Roberval Costa, que acompanhou os exames e análises feitas com o tamanduá, afirma que o animal não estava ferido, doente, desidratado ou subnutrido quando pulou o muro de cerca de 3m de altura e se escondeu no jardim da casa, ou seja, não foi falta de comida ou água o motivo da fuga. “O maior problema dele é a falta de área para viver. Brasília tem sido um lugar muito difícil nesse sentido, porque o tamanduá precisa de espaço. Há grandes chances de que ele estivesse procurando um ambiente maior quando acabou entrando em área urbana.”
Ainda segundo Roberval, a falta de espaço e a urbanização excessiva são as principais causa das fugas e invasões em área urbana também para outras espécies. “Os animais saem da mata, perturbados pelo barulho. Se o tamanduá, que é calmo, não encontra tranquilidade onde ele está, vai procurar em outros locais.” Apesar disso, segundo o engenheiro ambiental, o bicho não é um risco para a população e o ataque ao cachorro não é parte do padrão de comportamento da espécie (ver Perfil).
A teoria é confirmada, também, pelo diretor executivo do Jardim Botânico, Jeanitto Gentilli. Localizado em uma estação ambiental de 5 mil hectares, somada à reserva ecológica do IBGE e a fazenda Água Branca, o Jardim Botânico abrange quase 14 mil hectares de área reservada, composta por uma flora tão diversificada quanto a fauna que atrai. “Com câmeras noturnas, nós identificamos animais do topo da cadeia, como a onça-parda ou sussuarana, e animais em extinção, como o tamanduá-bandeira encontrado no Lago Sul”, explica Jeanitto.
Ele destaca que não é possível estimar a quantidade de tamanduás no parque e salienta que o aparecimento de um animal silvestre em áreas urbanas deve ser entendido como a aproximação gradual da cidade. “O Jardim Botânico está cada vez mais cercado de cidade. Temos que entender que a fauna anda; ela pode ficar cercada, então é evidente que isso aconteça”, explica.
O tamanduá-bandeira é um animal com garras adaptadas para cavar cupinzeiros e formigueiros. Quando adulto, pode chegar a medir dois metros de comprimento e pesar aproximadamente 45kg. Apesar de sua aparência, não costumam ser agressivos. “Os tamanduás geralmente andam sozinhos e são tranquilos, mas, como qualquer outro animal que se sinta coagido, eles tendem a se defender com as garras”, completa.
Faltam viaturas
Oficiais do batalhão afirmam que, todos os dias, necessariamente, há ocorrências de animais que invadem áreas urbanas e a corporação é acionada para resgatá-los. No entanto, atualmente apenas uma viatura cobre todo o DF. “Antes, quatro carros faziam o transporte, mas, agora, três delas estão encostadas. Não há manutenção”, afirma um dos policiais.
Em nota, a Polícia Militar informou que apenas no último fim de semana uma viatura de resgate estava patrulhando e que todas as demais viaturas estavam rodando normalmente. A corporação afirma que, aos finais de semana, a demanda é “significativamente menor” e garante que esta semana a situação já está normalizada e todas as viaturas de resgate estão em circulação.
Conheça as características do tamanduá-bandeira:
*Espécie
Myrmecophaga tridactyla
*Dimensões
Pode chegar a pesar 45kg e medir 2m de comprimento
*Hábitat
É uma espécie comum à fauna do cerrado
*Perfil
Animal tranquilo e dócil, de hábitos norturnos
*Hábitos
É um bicho solitário, que não vive em bandos
*Alimentação
Formigas, cupins e insetos em geral
*Perigo
Só ataca outros animais e humanos para se defender
Fonte: Roberval Costa e Jeanitto Gentilli
Memória
Tucano terá prótese em 3D
Na última semana de fevereiro, um tucano-toco foi resgatado no jardim de uma casa, na Quadra 15 do Park Way, com uma fratura na parte superior do bico. Na época, o bicho passou por exames para verificar a possibilidade do uso de prótese, mas os veterinários já previam a cicatrização do machucado e a necessidade de ajuda para que a ave se alimentasse. A veterinária que fez parte do resgate, Gabriela Terra, afirma que o bicho está bem, as fraturas cicatrizaram e ele vai, agora, iniciar o processo de confecção da prótese. Ele se alimenta com auxílio de cuidadores, mas a recuperação se deu dentro das expectativas, segundo Gabriela. Em maio, o molde da prótese já deve estar pronto e o novo bico deve começar a ser confeccionado em uma impressora 3D.