Por Rita Machado
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão que representa um avanço significativo na proteção das vítimas de violência doméstica. Segundo a nova jurisprudência estabelecida pelo STJ, independentemente da extinção de punibilidade do autor, a vítima deve ser ouvida para verificar a necessidade de prorrogação ou concessão das medidas protetivas.
Anteriormente, havia certa controvérsia sobre a possibilidade de prorrogação ou concessão das medidas protetivas em casos nos quais a punibilidade do autor do crime de violência doméstica havia sido extinta. A interpretação predominante era a de que, nessas situações, não seria mais necessário manter as medidas protetivas, uma vez que o agressor não poderia mais ser punido.
Entretanto, o STJ adotou um entendimento diferente ao estabelecer que, independentemente da extinção de punibilidade do autor, a vítima de violência doméstica deve ser ouvida para que se verifique a necessidade de prorrogação ou concessão das medidas protetivas. Essa medida visa garantir a segurança e o bem-estar das vítimas, evitando que elas fiquem desprotegidas após a extinção da punibilidade do agressor.
Essa nova jurisprudência traz diversos benefícios significativos para as vítimas de violência doméstica. Primeiramente, ela reconhece a importância de dar voz à vítima e levar em consideração sua perspectiva no processo decisório. Ao ser ouvida, a vítima tem a oportunidade de expressar suas preocupações, medos e necessidades, permitindo que o Judiciário avalie de forma mais precisa a necessidade de manter, ou não, as medidas protetivas.
Além disso, essa nova abordagem leva em consideração a natureza complexa da violência doméstica. O término da punibilidade do agressor não significa necessariamente o fim do perigo para a vítima. Muitas vezes, a violência doméstica envolve relacionamentos abusivos e recorrentes, nos quais a vítima continua enfrentando riscos mesmo após a conclusão do processo penal. A prorrogação ou concessão das medidas protetivas em tais casos é crucial para garantir a segurança contínua da vítima.
Essa jurisprudência está alinhada com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na proteção dos direitos humanos das mulheres. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) estabelecem a obrigação dos Estados em adotar medidas eficazes para prevenir e erradicar a violência contra as mulheres.
O ministro Sebastião Reis Júnior, relator do caso, ressaltou que a jurisprudência da corte é no sentido de que, uma vez extinta a punibilidade, não subsistem os fatores para a concessão ou a manutenção de medidas protetivas, sob pena de eternização da restrição de direitos individuais.
Por outro lado, o ministro apontou um parecer jurídico do Consórcio Lei Maria da Penha, segundo o qual a revogação de medidas protetivas de urgência exige a prévia oitiva da vítima, para que se avalie se efetivamente não há mais risco à sua integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial.
No voto, o Ministro Relator também citou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, que considera legítimas as restrições à liberdade do agente enquanto existir risco ao direito da mulher de viver sem violência.
Em decisão unânime, acompanhando o voto do relator, a Terceira Seção deu provimento ao recurso da vítima para assegurar que ela seja ouvida sobre o fim das medidas protetivas, as quais poderão ser mantidas caso se constate a permanência da situação de perigo.