Breves linhas sobre o crime de estelionato sentimental

Publicado em Direito Penal, Sem categoria

Por Rita Machado e Juliana Malafaia

O chamado estelionato sentimental não escolhe vítimas. Mulheres fortes ou frágeis, carentes ou autossuficientes, bem-sucedidas ou não, todas estão sujeitas a golpes dessa natureza. O agressor é sempre alguém interessante e envolvente, capaz de iludir as vítimas através de seus sentimentos. Mas é preciso dizer o óbvio: a vítima não tem culpa.

No Brasil, induzir alguém em erro, mediante qualquer artifício, para obter vantagens indevidas é crime capitulado no artigo 171 do Código Penal, que tipifica o estelionato. O uso de sentimentos envolvendo a questão afetiva e emocional é uma condicionante, chamada de estelionato sentimental, termo surgido em decisão de 2015 de um magistrado de Brasília, que condenou o réu ao ressarcimento de valores à ex-namorada. Na ocasião, sustentou o juiz:

“Embora a aceitação de ajuda financeira no curso do relacionamento amoroso não possa ser considerada como conduta ilícita, certo é que o abuso desse direito, mediante o desrespeito dos deveres que decorrem da boa-fé objetiva (dentre os quais a lealdade, decorrente da criação por parte do réu da legítima expectativa de que compensaria a autora dos valores por ela despendidos, quando da sua estabilização financeira), traduz-se em ilicitude, emergindo daí o dever de indenizar”. (Processo n. 0012574-32.2013.8.07.0001)

Decisões reconhecendo a conduta ilícita do estelionato sentimental no âmbito cível tem sido frequentes. A questão ganha outro tom na esfera penal: trata-se de crime condicionado à representação da vítima, por inovação legislativa do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2010) no art. 171, §5º. Ainda, a vítima tem o prazo máximo de seis meses para denunciar a possível prática delitiva às autoridades.

A investigação do delito esbarra na disposição das vítimas em denunciar, temerosas por sua segurança diante de uma imprevisível reação do denunciado. Além do medo de possíveis represálias de seus ex-companheiros, temem também as críticas e julgamentos que podem receber de quem ouve seus relatos, muitas vezes sentindo-se culpadas e envergonhadas em alguma medida. A misoginia estrutural que avassala nossa sociedade explica tal confusão de sentimentos. Não falta quem duvide de suas narrativas, lhes atribua a culpa e lhes digam que “mereciam” ser vítimas do crime.

Não fosse o bastante, ainda mais difícil é reunir as provas em tão curto espaço de tempo. Nem sempre a vítima consegue se dar conta de que está sendo induzida a erro por uma pessoa que detém a sua total confiança e demora a reunir elementos que demonstrem o ilícito para que as autoridades consigam dar continuidade à investigação. Não raro, o que se tem são apenas trocas de mensagens afetuosas e a dificuldade da investigação prejudica a responsabilização adequada do criminoso.

Muito já se fez, mas ainda há muito o que se fazer.

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