Por: Michelangelo Cervi Corsetti [1], Maria Luiza Diniz [2] e Rita Machado [3]
Resenha
Johann Michael Franz Birnbaum (1792–1877) publicou, em 1834, a obra Sobre a necessidade de uma lesão de direitos para o conceito de delito, com o propósito de criticar a compreensão feuerbachiana de delito como mera lesão de direitos subjetivos, derivada de uma definição filosófica subjacente da infração criminal. Tal perspectiva, profundamente enraizada na doutrina penal do período clássico, encontrava defensores anteriores a Paul Johann Anselm Feuerbach (1775–1833) e manteve adeptos ao longo de todo o século XIX, em parte em razão de interpretações diversas acerca da origem metafísica do ius puniendi.
Birnbaum inicia sua exposição afirmando que o conceito natural de “lesão” parece referir-se a uma pessoa ou coisa — especialmente algo que concebemos como “nosso” — ou ainda a um bem que possa ser diminuído ou subtraído pela ação de outrem. Ressalta que já os romanos utilizavam as expressões laesio alterius e laesio rebus illata em conexão com os princípios gerais do direito, neminem laedere e suum cuique tribuere. Nas legislações penais mais recentes, observa-se a persistência dessa lógica, ao se falar em lesão corporal, patrimonial ou à honra, de modo a conceber que alguém pode ser lesionado em sua vida ou integridade.
Ao fixar o conceito de delito, sustenta Birnbaum, tem-se atribuído relevo ao traço da lesão de direitos antes mesmo da exigência de violação da lei penal, considerando-se também a vontade de infringir a norma como elemento geral da imputação. Retoma, nesse contexto, a fórmula evocada por Filangieri, que distinguia a dupla modalidade pela qual a vontade de violar a lei poderia vincular-se à infração penal — de maneira direta ou indireta —, definindo-se, assim, a infração dolosa ou culposa da norma.
Afirma o autor que não pode existir outra definição de delito senão aquela que o concebe como violação da lei penal. O termo “violação” expressa um duplo conceito: de um lado, a ideia de agir contra a lei e, de outro, a imputabilidade da ação ao agente. Reconhece, contudo, que, nesse ponto, a expressão “infração da lei penal” poderia ser mais adequada.
Além disso, observa que, pela própria natureza das coisas, deve existir — além do conceito jurídico-positivo — um conceito natural de delito. Ao se referir a um “conceito jurídico-natural de delito”, Birnbaum entende aquele que, conforme a essência do Direito Penal, pode ser considerado razoavelmente punível na sociedade civil, por estar abarcado pelo conceito comum de justiça. Recorda que, na Alemanha, a noção de lesão de direitos fora, por longo tempo, considerada essencial tanto pelos juristas quanto pelos legisladores, embora em alguns momentos se tenha manifestado certa discordância.
Destaca, nesse sentido, a influência de Feuerbach, que definiu o delito como uma lesão jurídica (injuria) prevista em lei penal ou como uma ação contrária ao direito ameaçada de pena. Birnbaum cita Rossi, para quem a controvérsia sobre definir o delito como lesão de direitos se reduz, em grande medida, a uma disputa terminológica. Segundo Rossi, se existe um dever exigível ao ofensor, há de corresponder-lhe um direito positivo existente em alguma esfera do mundo jurídico. Os deveres relativos a Deus ou a nós mesmos não competem à justiça humana, podendo as duas definições — lesão de direito e violação de dever — ser tomadas como equivalentes.
A principal tarefa de Birnbaum consistiu em investigar não apenas se, pela natureza das coisas, somente as lesões de direitos podem ser punidas como delitos, mas também em examinar a questão sob uma ótica distinta — voltada mais à aplicação do direito do que à atividade legislativa. Desse enfoque decorre a indagação sobre se convém a um sistema penal positivo, particularmente ao direito penal comum alemão, adotar uma definição segundo a qual o delito seria uma lesão de direitos compreendida pela lei penal, sem distinguir ulteriormente entre os conceitos de direito natural e positivo.
Birnbaum assinala que autores portugueses definiam o delito como ação não permitida, derivada do livre-arbítrio, pela qual se lesa a ordem civil, seja em detrimento do público, seja de particulares. Assim, seria possível conceituar genericamente o delito como lesão ou violação de direitos prevista em lei penal. Feuerbach, nesse mesmo sentido, subsumira sob o conceito de delito comum tanto os delitos em sentido estrito quanto os chamados delitos menores ou contravenções de polícia, incluindo entre estes as ações imorais.
Para Birnbaum, há ações puníveis — inclusive sob o fundamento de seu castigo — que se caracterizam como de perigo individual. É o caso de quando alguém, por negligência, coloca em risco um bem de outrem, ainda que o dano seja evitado por acaso, configurando-se, se consumado, um delito culposo maior. Se o perigo consiste na probabilidade de perda de um bem, é inadequado falar em “lesão de direitos”. A perda ou privação de algo que é objeto de nosso direito não elimina o direito em si. Assim, mesmo quando há destruição de um bem material, subsiste o direito à reparação equivalente. É verdade que se nos privam da vida, já não se pode falar, segundo a natureza das coisas, de exercício próprio de nosso direito.
Birnbaum admite que sua definição de delito não é perfeita, mas ressalta que ela destaca, com propriedade, o essencial: se o delito deve ser considerado lesão, tal lesão há de referir-se a um bem, não a um direito.
Resta, contudo, a questão de distinguir, no âmbito estatal, os direitos do Estado, enquanto pessoa moral, e os direitos do cidadão, permitindo classificar os delitos conforme afetem bens coletivos ou individuais. Entre asações comumente punidas como delitos, algumas lesam diretamente bens individuais cuja tutela incumbe ao Estado; outras, bens da coletividade. Assim, conforme o alcance da lesão ou do perigo e o sujeito atingido, é possível distinguir delitos contra o bem comum e delitos contra indivíduos — distinção que também ilumina a diferença entre tentativa e consumação de modo mais preciso do que o conceito incerto de “lesão de direitos”.
Sob essa perspectiva, torna-se possível delimitar com rigor o critério para criminalização de ações imorais ou contrárias à religião. Tais condutas podem ser puníveis enquanto atentam contra o bem coletivo representado pelo conjunto de ideias morais e religiosas de um povo, bem este que guarda relação intrínseca com a preservação da ordem constitucional. Assim, certas ações irreligiosas ou imorais, mesmo à margem de proibição expressa, devem ser consideradas antijurídicas em razão de sua incompatibilidade com os valores fundamentais da sociedade civil.
Birnbaum sustenta, portanto, que deve ser considerado delito ou ação punível, segundo a razão e a natureza das coisas, toda lesão ou perigo imputável à vontade humana que recaia sobre um bem cuja proteção incumbe ao poder público, sempre que a garantia desse bem não possa ser assegurada senão mediante a cominação e execução de pena. Diante disso, reconhece poder concordar tanto com os que consideram a lesão de direitos como essência do delito quanto com os que veem na periculosidade comum o critério distintivo da punibilidade. Ambos, contudo, incorrem em unilateralidade: a primeira tende a obscurecer o conteúdo ético do delito, e a segunda, a subordinar o indivíduo à preservação do Estado. Tal entendimento conduziria à equivocada ideia de que a função primordial da pena é proteger o Estado, e não os direitos individuais.
No que concerne ao conceito de lesão de direitos, Birnbaum busca evidenciar os equívocos decorrentes de seu emprego e o reduzido valor teórico que lhe corresponde. Falar em lesões à vida, à integridade física, à honra, à liberdade ou ao patrimônio é natural, pois tais bens podem ser efetivamente diminuídos pela ação de terceiros e são, por isso, objetos de tutela jurídica.
O autor destaca ainda que o inconveniente do uso da expressão “lesão de direitos” torna-se particularmente evidente nos delitos de injúria. A palavra “honra” abarca três acepções distintas: a honra atribuída por terceiros, a honra ofendida por delitos e a honra diminuída pela aplicação da pena. Essa diferenciação, ressalta Birnbaum, é essencial à compreensão do tema.
Não há dúvida de que a honra constitui bem jurídico cuja proteção é essencial à legislação penal. Entre os jusnaturalistas, Heirinci concebia a honra não como atributo sensível do homem, mas como valor fundado na opinião alheia sobre a racionalidade moral do indivíduo.
Entre os autores contemporâneos de Birnbaum, Zachariä, seguindo Feuerbach, entendia a honra como o reconhecimento exterior do valor moral de um homem, podendo-se dizer que a ofensa à honra consiste na negação desse reconhecimento. Ainda assim, ao considerar a honra como um bem ideal, Zachariä associava-lhe a ideia de que palavras e atos somente ofendem quando há intenção de ofender. O sentimento de honra, observa Birnbaum, possui a mesma raiz do sentimento de direito, e toda injustiça sofrida é, em essência, uma lesão à honra.
Quando a Carolina refere-se, no delito de violação, ao “arrebatar a honra virginal e feminina”, o legislador não alude a um bem corpóreo, mas à destruição de um sentimento moral, oriundo do desrespeito à dignidade humana, cuja proteção justifica a pena. Nessa mesma linha, Birnbaum recorda a expressão de Cícero — dolor imminutae libertatis — como manifestação do sofrimento pela diminuição de um bem jurídico lesionado, reflexo natural da injustiça sofrida.
Com sua obra, Birnbaum inaugura uma nova compreensão do crime, de seu objeto e da natureza da lesão, bem como do conteúdo material da ilicitude, que se consolidaria mais tarde sob o conceito de bem jurídico. Curiosamente, o autor jamais utilizou essa expressão, embora lhe seja atribuída a paternidade do termo, consagrado posteriormente por Karl Lorenz Binding (1841–1920). Tal tema, contudo, será objeto de exame oportuno.


