Incomunicabilidade da qualificadora da paga ou promessa de recompensa ao mandante do homicídio: a pacificação do tema na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Publicado em Direito Penal

 

Por Murilo de Oliveira e Rita Machado

 

O homicídio qualificado, previsto no § 2º do artigo 121 do Código Penal, contempla diversas circunstâncias que agravam a pena em razão da forma, dos meios ou dos motivos do crime. Entre elas, está a qualificadora da “paga ou promessa de recompensa”, que caracteriza o chamado homicídio mercenário.

A aplicação dessa qualificadora ao mandante do crime — e não apenas ao executor — é objeto de intenso debate doutrinário e jurisprudencial, especialmente à luz do artigo 30 do Código Penal[1], que disciplina a comunicabilidade das circunstâncias pessoais.

A questão central reside em saber se a qualificadora da “paga ou promessa de recompensa” pode ser estendida ao mandante do crime.

O artigo 30 do Código Penal estabelece que as circunstâncias e condições de caráter pessoal não se comunicam aos demais partícipes, salvo quando elementares do crime. Assim, o ponto de partida é definir se a referida qualificadora é elementar (inerente ao tipo penal) ou circunstância acidental do tipo (subjetiva).

Correntes jurisprudenciais:

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já oscilou entre duas correntes: a da incomunicabilidade estrita e a da comunicabilidade.

1. Corrente da incomunicabilidade estrita

Para essa corrente, a qualificadora da “paga ou promessa de recompensa” tem natureza subjetiva, vinculada à motivação pessoal do executor que aceita matar mediante pagamento. Assim, não se comunica ao mandante, que age por motivação distinta. Trata-se, portanto, de circunstância pessoal não transmissível nos termos do artigo 30 do Código Penal.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou esse entendimento em recentes precedentes. Nos embargos de divergência no recurso especial n. 1.973.397/MG, o STJ fixou o entendimento de que a qualificadora “não é elementar do crime de homicídio e, por possuir caráter pessoal, não se comunica aos mandantes”. O mesmo raciocínio foi inserido no Informativo nº 748 do STJ, quando a Quinta Turma julgou o mesmo caso em recurso especial, reforçando o entendimento daquele colegiado de que o mandante não responde automaticamente pela qualificadora.

2. Corrente da Comunicabilidade

Em sentido oposto, parte da doutrina e da jurisprudência admite que a qualificadora se comunique ao mandante. Argumenta-se que o homicídio mediante paga ou promessa de recompensa é um tipo penal unitário, de modo que tanto executor quanto mandante concorrem para o mesmo crime qualificado. Assim, a qualificadora seria elementar, comunicando-se nos termos do artigo 30 do Código Penal.

Essa posição já foi adotada pelo Superior Tribunal de Jutiça, especialmente no âmbito da Sexta Turma, a exemplo do HC n. 447.390/SC, HC n. 291.604/PI, AgRg no Resp n. 912.491/DF e HC n. 78.643/PR, quando foi reconhecida a possibilidade de estender a qualificadora da paga ou promessa de recompensa ao mandante em homicídios mercenários à consideração de que constitui elementar do tipo penal.

O atual posicionamento do STJ

Como adiantado no tópico da incomunicabilidade estrita, o entendimento fixado na Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça é de que a qualificadora em comento não constitui elementar do tipo penal, mas cirucnstância pessoal, razão pela qual não se comunica automaticamente ao mandante.

Por ocasião do jugamento dos embargos de divergência no recurso especial n. 1.973.397/MG, sob a relatoria do Ministro Antônio Saldanha Palheiro, a Terceira Seção – à unanimidade – uniformizou o entendimento dos dois órgãos fracionários de direito penal do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a qualificadora da “paga ou promessa de recompensa” não é elementar do homicídio mercenário, mas uma circunstância de caráter pessoal que, na forma do art. 30 do Código Penal, é incomunicável automaticamente ao mandante.

O referido julgado representa a pacificação do assunto no Superior Tribunal de Justiça, que ao longo de anos conferia interpretação divergente sobre o tema nas turmas de direito penal.

Conclusão

A incomunicabilidade da qualificadora da “paga ou promessa de recompensa” ao mandante do homicídio reflete o respeito à regra da pessoalidade das circunstâncias penais. O STJ, em sua atual orientação, tem reforçado que a referida qualificadora é de natureza subjetiva, não elementar, e, portanto, não se comunica automaticamente ao mandante.

Na prática, o tema exige análise cuidadosa por parte da acusação e da defesa, a fim de identificar se há elementos suficientes para justificar ou afastar a comunicabilidade da qualificadora. Trata-se, portanto, de um dos pontos mais relevantes da dogmática penal contemporânea sobre o homicídio qualificado e o concurso de pessoas.

[1]  Art. 30 – Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

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