Por Maria Luiza Diniz
Nessa semana, acompanhamos o debate sobre os planos da Senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CMPI) dos atos antidemocráticos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023, em propor um acordo de colaboração premiada ao Tenente-Coronel Mauro Cid, investigado pelo órgão. Trata-se de situação inédita, já que, até o momento, os acordos dessa natureza são celebrados exclusivamente pela autoridade policial ou pelo Ministério Público.
Para sabermos se uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ostenta legitimidade para negociar e formalizar acordos de colaboração premiada é necessário, primeiro, compreender sua natureza jurídica. O regime jurídico das CPIs está previsto constitucionalmente no art. 58, parágrafo 3º, o qual elenca três características essenciais das comissões, quais sejam, i) o exercício de poderes de investigação “próprios das autoridades judiciais”, ii) para a apuração de fato determinado, iii) por prazo certo.
Para a apuração de fato determinado, as CPIs conduzem os chamados inquéritos parlamentares, os quais guardam grande semelhança com os inquéritos policiais, mas com eles não se confundem. Isso porque o inquérito parlamentar não visa a preparar ou subsidiar a ação penal, a qual, por sua vez, se prestará à responsabilização individual. Seu objetivo tem relação direta com uma das funções institucionais do Poder Legislativo: a fiscalização política do exercício do poder público. O inquérito parlamentar ostenta, assim, natureza político-administrativa e possui função meramente investigatória.
Quer dizer que, eventualmente, outras providências podem ser tomadas a partir dos resultados obtidos no inquérito parlamentar, mas não são consequências necessárias ou obrigatórias. Após a conclusão da investigação parlamentar, o relatório final pode ser encaminhado a outros órgãos, os quais poderão, por conseguinte, propor as ações penais, civis e administrativas cabíveis. Mas a finalidade precípua das CPIs é aprimorar a democracia e o exercício do poder estatal, a partir da reunião de dados e informações.
Diante disso, importa rememorar que a colaboração premiada, além de constituir um negócio jurídico processual penal, é igualmente classificada como “meio de obtenção de prova”. Nesse sentido, em uma perspectiva pragmática e utilitária, o acordo de colaboração é um instrumento de investigação, uma vez que, por meio dele, novos fatos e provas são conhecidos e angariados pelas autoridades.
Sendo um instrumento típico de investigação e, rememora-se, gozando as CPIs de “poderes próprios das autoridades judiciais”, é possível concluir que o Poder Legislativo pode fazer uso desse instituto como um contributo à apuração conduzida no âmbito do inquérito parlamentar. Há, contudo, objeções daqueles que entendem que somente o titular da ação penal, o Ministério Público, poderia celebrar um acordo processual penal. No entanto, a própria lei que prevê o instituto (Lei nº 12.850/2013) prevê que o Delegado de Polícia pode ocupar a posição de celebrante. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal entendeu que tal prerrogativa é compatível com a Constituição e, hoje, a autoridade policial está autorizada a firmar acordo de colaboração premiada sem maiores entraves.
Como afirmou a própria advocacia do Senado Federal, trata-se de aplicação da “teoria dos poderes implícitos”, segundo a qual “se a Constituição da República atribui determinada competência a entidade jurídica, deve ser reconhecida a esta entidade a possibilidade de se utilizar dos instrumentos jurídicos adequados e necessários para o regular exercício da competência que lhe foi atribuída” (Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 570.392, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 11/12/2014).
Há, por fim, uma condicionante para que as CPIs possam celebrar acordo de colaboração: a participação e a anuência expressa do Ministério Público, uma vez que, para surtir efeitos na seara penal, faz-se necessária a intervenção do promotor natural e titular da ação penal.
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