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Por que não faz sentido apostar somente na severidade da punição?

Por Maria Luiza Diniz

Se existe um tema recorrente (e até um pouco cansativo) em política criminal é a aposta na gravidade ou na severidade das punições. Basta uma olhadinha na seção de comentários de qualquer notícia policial: todo mundo criticando a progressão de regime do fulano, demandando o aumento das penas para o crime tal ou admirando as condições adversas – e inumanas – das nossas prisões. Concordo que, intuitivamente, faz sentido associar a gravidade das punições com uma suposta diminuição de crimes. Quanto mais severas as penas, mais prevenção, certo? Será?

A ideia de que quanto mais grave o castigo, menores serão as taxas criminais é herdeira da filosofia utilitarista de Jeremy Bentham. Segundo essa corrente, a pena deve ter um caráter prospectivo, voltado para a prevenção e redução de crimes. E uma das formas de prevenção seria concretizada por meio de um (suposto) poder dissuasório e intimidador da pena. Ou seja, parte-se do pressuposto de que a pena serve de desincentivo ao cometimento de crimes, desencorajando o potencial criminoso de efetivamente violar a lei.

Teoricamente, esse desincentivo pode ocorrer de diferentes formas: tanto direcionado à população no geral, como a um indivíduo específico. No primeiro caso, o poder intimidador da pena seria difuso, direcionado à generalidade das pessoas, as quais, em razão de uma coação psicológica, não engajariam em atividades criminosas por medo de arcarem com os custos da eventual imposição de uma sanção. Já no segundo caso, o objetivo da lei seria impedir que o indivíduo, ao qual um castigo já foi aplicado em virtude da prática de um crime anterior, volte a delinquir, em razão do temor da imposição de nova pena. Por ter experimentado os custos da restrição de liberdade, o infrator tenderia a evitar novo período de encarceramento.

Ocorre que, anteriormente à hipótese do poder dissuasório da pena, há um pressuposto necessário: para que o castigo possa efetivamente desencorajar o comportamento criminoso, o potencial ofensor, além de conhecê-lo, deve considerar o custo por ele oferecido como sendo maior que o eventual benefício obtido por meio do cometimento do crime. Assim, para a teoria da dissuasão, o potencial infrator é um ser racional, capaz de calcular e pesar as eventuais vantagens da conduta criminosa e os custos impostos no caso da imposição de uma sanção. Bastaria, portanto, que a as desvantagens impostas pelo castigo superassem os eventuais benefícios os quais poderiam ser obtidos por meio do cometimento do crime, para que o potencial ofensor fosse efetivamente desencorajado.

Não é difícil antecipar que praticamente todas as teorias criminológicas da atualidade rejeitam essa hipótese do “criminoso racional”. Isso porque, a concepção racional do criminoso possui óbvias limitações nas mais diversas situações fáticas. Contextos envolvendo violência interpessoal, “criminalidade de rua”, atos cometidos em razão do uso de drogas, de impulso ou sentimentos extremos demonstram a fragilidade da teoria. Ademais, diversos estudos vêm apontando a relação entre fatores psico-sociológicos e a atividade delitiva, o que retiraria o livre-arbítrio puro, abstrato e absolutamente racional da relação causal do crime (ver, por exemplo, Farrington, Blumstein & Piquero, 2007).

Além disso, é importante considerar que as penas podem desencorajar o potencial criminoso por meio de diversos mecanismos, como, por exemplo: i) severidade – longa duração das penas, regimes mais duros e condições mais adversas nas prisões; ii) certeza – maior probabilidade de detecção da atividade criminal e da efetiva imposição de uma sanção; iii) celeridade – maior rapidez na imposição da pena, favorecendo a proximidade temporal entre o ato ilícito praticado e a efetiva resposta estatal.

Quer dizer, a gravidade do castigo é apenas um dos vários mecanismos aptos a desencorajar as pessoas de praticar crimes. É importante perceber, ainda, a interdependência entre os mecanismos dissuasórios da pena, ou seja, como a certeza e a celeridade impactam na severidade. De que adiantaria a prisão perpétua se pouquíssimos crimes são, de fato detectados e menos pessoas ainda são realmente presas? Ou o temor com as condições horríveis da cadeia se a pena nunca é imposta em razão da extrema morosidade do Poder Judiciário?

Tirando todas as objeções éticas e morais relacionadas à severidade das penas (que deixo para debater em outra oportunidade), de uma perspectiva estritamente utilitarista, apostar exclusivamente na gravidade do castigo é, em verdade, bastante ineficaz se as demais variáveis não são levadas em igual consideração. Nesse sentido, medidas que visem ao aumento da detecção da atividade criminal e à proximidade temporal entre o ato ilícito e a aplicação da sanção podem ser muito mais interessantes para a prevenção de crimes do que o mero aumento das penas.

Fontes:

ASHWORTH, Andrew. Sentencing and Criminal Justice. 5ª ed. Cambridge: Cambridge Univesity Press, 2010.

FARRINGTON, David; BLUMSTEIN, Alfred; PIQUERO, Alex. Key Issues in Criminal Career Research. 1ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

NAGIN, Daniel S. Deterrence: Scaring Offenders Straight. In: CULLEN, Francis T., JONSON, Cheryl L. (Org.). Correctional Theory: Context and Consequences. 2ª ed. Thousand Oaks, California: Sage, 2017, pp. 67-98.

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