Por Daniel Augusto Teixeira de Miranda e Rita Machado
O humor tem limites? É possível a responsabilização de artistas pela expressão de sua arte? Uma breve análise e diferenciação entre censura e limites.
O debate envolvendo o chamado limite do humor e as intervenções judiciais proibindo, ou responsabilizando comediantes por seus textos, têm sido cada vez mais comuns.
Em um cenário de dispersão de informações cada vez mais ágil e ampla, é de se esperar que a discussão sobre eventuais excessos em produções artísticas se dê de forma ampla.
Independente dos casos específicos e das decisões judiciais mais rumorosas, trataremos sobre a existência de limites impostos pela Constituição Federal e pela Lei às produções artísticas. Com isso, a ideia é a de fornecer ferramentas para o debate que se aflora.
A comédia tem limite? Qual?
Sim, a lei. Essa seria a resposta mais curta possível para o tema, mas parece não ter sido suficiente para convencer ou aplacar os ânimos extremamente inflamados nesse debate. Por isso, necessário explicar o que significa dizer que uma produção artística tem como limite para sua expressão a lei.
No mundo moderno, quase todos os debates envolvendo direitos, deveres e limites terão como cenário um ambiente de conflito de interesses, princípios, direitos e deveres. Se de um lado há a liberdade de expressão artística, por outro, existem os limites impostos pela Constituição Federal e pelas leis. Nenhum direito é absoluto e ilimitado.
Em outras palavras, se a produção humorística incorre em hipótese de ofensa a grupos ou indivíduos em uma esfera protegida pela Lei (raça, liberdade de credo, gênero, etc), ela poderá vir a ser alvo de sanções criminais e civis.
Limitar o humor é censura? E as demais manifestações artísticas?
Os defensores da expressão artística ilimitada, até mesmo pelo nosso recente passado de governos autocráticos, tendem a chamar atenção para eventual censura.
Disso discordamos completamente. A censura não se confunde com a imposição dos limites legais em uma sociedade democrática. Por exemplo, considerando o Dia Mundial de combate à LGBTfobia, não é possível a um artista expressar, ainda que a título de piada, uma ideia ou anedota que indique cenário de homofobia, incite violência, ou exclusão do referido grupo ou de indivíduos enquadrados no grupo protegido, sem sofrer as consequências dos seus atos.
Da mesma forma, a classificação indicativa para eventos artísticos (prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente), não se confunde com censura. Nada mais é do que a imposição de um limite ao grupo de pessoas que poderão ter acesso diretamente ao conteúdo produzido.
Como diferenciar crítica de ofensa?
Aqui temos, como é comum em casos complexos, a famosa zona cinzenta. O que diferencia a crítica a determinado grupo. ou pessoa, da ofensa apta a gerar efeitos nas esferas criminal e cível?
Em primeiro lugar, o próprio grupo ou pessoa afetado por aquela manifestação é que terá a responsabilidade para indicar como recebe aquela piada, se como mera crítica, ou ofensa. Em segundo lugar, caberá ao Estado, em especial ao Poder Judiciário, avaliar se aquele caso extrapola ou não o limite aceito pela lei e pela jurisprudência.
Uma vez mais, será no caso a caso que serão definidos os limites, não podendo estabelecer um critério geral. Portanto, na maioria das vezes, caberá ao Judiciário definir as hipóteses de extrapolação.
O comediante possui imunidade de manifestação?
Não. Nem o comediante e nem nenhum outro artista está livre das consequências decorrentes de suas manifestações. Novamente, é importante perceber que não se trata de hipótese de censura, já que não se diz que o comediante não poderá se manifestar. O que se diz é que ele deve ter ciência de que sua manifestação poderá ter consequências.
Aliás, é interessante notar que o Poder Judiciário vem discutindo e limitando as imunidades profissionais, inclusive, daqueles que possuem expressa proteção legal ou constitucional, como no caso de membros parlamentares, advogados, etc.
Ou seja, nem mesmo aqueles que possuem a proteção legal da imunidade profissional podem se arvorar no direito de cometer crimes contra a honra, ou proferir ofensas sem qualquer fundamento ou razão de ser.
O comediante, portanto, assim como qualquer outro profissional, é responsável pelos atos realizados no exercício de sua profissão e deve ter em consideração que as suas manifestações não podem extrapolar os limites legais.
A liberdade de expressão não se confunde com a imunidade de manifestação, nem tampouco afasta as consequências legais dos atos praticados.
Aos membros da comunidade artística é dada a opção de se manifestar desde que cientes dos limites impostos pela Constituição e pela Lei, cientes, ainda, das consequências de eventuais extrapolações como, por sinal, estamos, ou devemos estar, todos nós.