Doente pela vida

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Uma vez me explicaram que, diante de uma doença terminal ou incurável, há pacientes que reagem como bicho ferido. Voltam para sua toca para lamber as feridas em isolamento. Para eles, a enfermidade é sinônimo de derrota e de fracasso.

Outros usam a dor como chance de mudança. Se não tiverem tempo de usufruírem da transformação pessoal, que ao menos seu exemplo sirva de motivação para o renascimento alheio.

Recebi na última semana o livro “O último sopro de vida”, escrito por um jovem neurologista americano, Paul Kalanithi, que, aos 36 anos, se viu diagnosticado com um câncer, em estágio terminal, já espalhado pelo corpo. Antes da partida, porém, ele encontrou tempo e forças para escrever o relato, refletindo sobre o tempo e a vida que se leva.

De Paul, conheci as palavras. Do meu amigo Gustavo, tenho o privilégio de usufruir o sorriso. Ele é daquelas pessoas que apertam os olhos para ter mais espaço na cara quando riem.

Ele ainda conta com muitos anos de vida, graças aos céus, se considerarmos a cronologia aparentemente óbvia da vida. Como Paul, só tem 36 anos, mas há 12 aprendeu que o futuro é incerto e o melhor a fazer é optar pela intensidade do presente.

Meu amigo descobriu ter esclerose múltipla, uma doença que mata os neurônios e sepulta, aos poucos, os movimentos e os sentidos. Não me arrisco a invadir a alma dele para supor como é a relação com companheira de laudo irreversível, mas asseguro que a força com que ele enfrenta o problema é invejável e inspiradora.

A doença já lhe roubou temporariamente a visão, a capacidade de andar e o movimento das mãos durante os surtos, mas nunca tirou dele o humor refinado e cativante. Meu amigo mantém intocada a sanidade, a inteligência e o deboche que lhe são peculiares. Assim como todos os seus planos.

Não se abateu nem mesmo quando a mãe, há dois anos, recebeu a mesma sentença. A esclerose tem sido mais cruel com ela, e já a levou para a cadeira de rodas. O filho não se assusta com o prenúncio da possibilidade de um futuro igualmente limitante, mas também não se engana. A reforma da casa nova, onde vai viver com a noiva, prevê espaço suficiente para uma cadeira que o ajude a se movimentar caso a doença lhe tire a autonomia um dia. E que esse dia nunca chegue.

Meu amigo aprendeu a não pensar nos próximos anos com temor. Acredita na sua capacidade de ser loucamente otimista. Fez da esclerose uma parceira sem chance de divórcio. Tatuou na batata da perna um dos neurônios ameaçados. Fala abertamente da doença. Aceita a sorte que a genética lhe deu.

Que viva a vida hoje, então, ele decidiu. Assim, ele nos ensina, leōes vaidosos que ainda desfrutam da saúde perfeita, que os próximos dias são incertos para todos. E sentencia: “Me preparo para o pior, mas sempre esperando o melhor”, reproduzindo uma frase de outrem que tomou como sua.