Colo de mãe

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Fazia tempo que minha saúde não dava sinais de desgaste. Talvez o cansaço, misturado à mudança de clima tenha baixado minha imunidade e permitido que bactérias oportunistas me provocassem uma infecção nos últimos dias. Febril, meu corpo que só pedia cama. Já minha lucidez, socorro à minha mãe. Bati à porta dela. Meu antigo quarto ainda está lá, intacto, do jeito que deixei. Rapidamente, ela trocou a roupa de cama por uma cheirosa e impecavelmente passada, como só encontro naquela casa.

Eu, que estava sem vontade de comer nada, me vi salivando diante do prato de dobradinha oferecido, e feito por ela. Em poucos minutos, já tinha comido e estava medicada. Nem me preocupei com os horários dos remédios. Sabia que ela faria isso por mim. Mães têm a faculdade de levar o medo e a preocupação embora nessas circunstâncias. Os nossos, claro, não os delas.

Naquela noite, por exemplo, a minha teve o sono interrompido para me vigiar durante a madrugada e assegurar-se de que eu me sentia bem. Conferiu o edredom. Certificou se eu tinha febre. Cedinho, ela já tinha providenciado o material para que eu fizesse os exames pedidos pela médica, além do pão de queijo e do meu suco preferido.

Duas noites de paparico e voltei para minha solidão de adulta independente. Antibióticos e anti-inflamatórios debelaram os micro-organismos, mas foi o colo quente da minha mãe que me devolveu a energia. Apesar do mal-estar físico, fazia tempo que não me sentia tão bem: amada, protegida, cuidada. Medicina alguma conferiu tamanha autoridade a qualquer diplomado no funcionamento do corpo humano.

Quando o corpo padece, a alma sofre mesmo é com falta de mãe. Não tem jeito! Minha tese é, inclusive, reforçada por uma pesquisa Universidade Estadual de Nova York. Segundo um tal professor psicólogo Arthur Aron, as áreas do cérebro ativadas pelo amor são exatamente as mesmas suscetíveis à ação dos medicamentos usados para reduzir a dor. Cheiro de mãe cura. Reconheço o perfume suave da minha em qualquer lugar do mundo. Só o toque dela na minha testa para avaliar minha temperatura tem mais poder que qualquer aspirina.

Pela lógica, então, nada mais sanador do que presença materna. Não há pai, marido, amigo, irmãos que substituam o cafuné delas quando a fraqueza bate e a manha agrava o quadro. Tempero de mãe também é curativo. Dia desses me peguei trocando uma picanha pela sopinha de carne com batata que ela tinha preparado para a neta. Aquilo tinha sabor de infância. Mais eficiente que xaropes.

Também não há quem seja substituído no desespero. Minha mãe me ligou o dia todo. Queria saber se eu tinha tomado o remédio, se já estava me sentido melhor, se tinha seguido “direitinho” todos os passos dos exames. Não ousaria reclamar de aflição tão amorosa. Sorte a minha ter enfermeira genuinamente preocupada. Colo de mãe é insubstituível e afortunada sou eu de tê-lo disponível quando preciso de afago.

A minha mãe foi dessas corajosas mulheres que abriram mão de alguns sonhos pessoais para ver os filhos realizarem os próprios. Como a mulher que me deu a vida e me permitiu construir minha personalidade não poderia melhorar meu estado físico? Com a minha mãe, aprendi que amor incondicional salva a gente dos males do mundo. Recentemente, ela teve coragem de insinuar que nunca tinha feito nada de importante da vida. Como ela teve a ousadia de dizer tamanho impropério? Ela construiu uma família. A melhor que poderia ter. Também me ensinou que, talvez, nunca serei suficientemente desprendida do meu próprio egoísmo, como ela fez, a ponto de gerar outro ser humano: o único a quem minha presença funcionaria para sempre como atadura para os maiores sofrimentos da vida.

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