Mulheres nas Olimpíadas: mãe e filha compartilham sonho de disputarem a mesma Paralimpíada

Publicado em Paralimpíadas

Os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020 prometem uma das exibições mais tecnológicas da competição que se mescla ao simbolismo da Grécia Antiga. Neles, atletas saem com o status de Zeus, deus que segundo lenda popular foi progenitor do evento. 

Apesar de as mulheres terem sido renegadas tanto nos Jogos da Era Antiga quanto no início das edições da Era Moderna, elas conquistaram o direito de se inserir nas disputas e, claro, de também serem consagradas como deusas.

Uma delas é Jane Karla, por quem o Elas no Ataque começa a Série Mulheres Olímpicas. A limitação nos movimentos das pernas de Jane Karla a afastou do esporte até os 28 anos. Depois que já estava casada e com dois filhos em Goiânia, descobriu que a prática esportiva também era possível para ela, que teve poliomelite aos 3 anos.

“Foi amor à primeira raquetada”, brinca, hoje aos 44, sobre a primeira experiência com o tênis de mesa paralímpico. Mal imaginaria que o gosto contagiaria toda a família. Agora, ela vive a possibilidade de disputar a quarta Paralimpíada dela ao lado da filha, que seguiu a profissão da mãe no tênis de mesa e busca vaga para os Jogos Paralímpicos de Tóquio-2020, em agosto.

Enquanto Jane Karla cresceu afastada das aulas de educação física por causa da deficiência, a filha Lethícia Lacerda, de 17 anos, foi criada em meio ao esporte. A mãe disputou as Paralimpíadas de Pequim-2008 e de Londres-2012 no tênis de mesa e a edição do Rio-2016 no tiro com arco composto e coleciona cinco ouros em Jogos Parapan-Americanos.

Mulheres no esporte: conheça Jane Karla, atleta do tiro com arco paralímpico
Jane Karla nas Paralimpíadas do Rio-2016: terminou na 5ª posição do tiro com arco, disputado no Sambódromo carioca | Cezar Loureiro/MPIX/CPB

O pai Lincoln Lacerda também foi mesa-tenista e medalhista parapan-americano. Para completar, o padrasto Joachim Gogel foi técnico da Seleção Brasileira e treina a talentosa menina desde os 7 anos, quando ela já competia no tênis de mesa convencional. 

Na adolescência, Lethícia foi diagnosticada com uma doença genética que causa fortes dores nas articulações e compromete a mobilidade. As primeiras crises eram tão fortes que Lethícia chegou a andar de cadeira de rodas. “Ela ficou um ano parada, foi muito triste. Mas já convivia com o meu desenvolvimento no esporte paralímpico e viu que o mundo não acabou para a gente por ter deficiência”, conta Jane Karla.

Em 2019, Lethícia foi a caçula da Seleção Brasileira de tênis de mesa no Parapan de Lima, no Peru, e conquistou o bronze no pódio inteiramente brasileiro das classes 8-10, ao lado de Danielle Rauen (ouro) e Jennyfer Parinos (prata).

Na 19ª posição do ranking mundial da classe 8 feminina, Lethícia tem grande chances de se classificar para as Paralimpíadas de Tóquio por ser a melhor colocada entre as atletas das Américas. A possibilidade de viver o sonho dos Jogos ao lado da filha empolga Jane, que buscará a primeira medalha paralímpica da carreira na quarta participação dela nos Jogos.

A batalha contra o câncer

Mulheres no esporte: Jane Karla se prepara para disputar a quarta Paralimpíada da carreira, nos Jogos de Tóquio-2020
Jane Karla seguiu disputando campeonatos de tênis de mesa mesmo durante o tratamento do câncer de mama | Arquivo pessoal

Após 11 anos e duas Paralimpíadas no tênis de mesa, Jane se deparou com a disputa mais dura da vida dela: a luta contra o câncer de mama ao mesmo tempo em que a mãe travava a mesma batalha, que durou de 2010 a 2011. A família toda viveu esse momento intensamente. As duas se recuperaram, mas a doença voltou a atacar a mãe de forma mais intensa  (que teve metástase no cérebro) e, em 2012, ela não resistiu.

Filha de mãe solteira, Jane Karla a chama de guerreira pela dedicação que a mãe teve para criá-la sozinha após o pai abandonar a família quando Jane ainda era pequena. A mãe, que era doméstica, aprendeu com uma fisioterapeuta exercícios que foram essenciais na recuperação de muitos movimentos da menina que se tornaria atleta na vida adulta. Hoje, Jane vive com a família em Portugal, onde defende o Sporting de Lisboa.

As doenças e o luto pela mãe fortaleceram ainda mais os laços familiares. Quando voltou à rotina dentro do esporte, inclusive com a vaga já assegurada para os Jogos Paralímpicos de Londres-2012, a Seleção Brasileira do tênis de mesa paralímpica se mudou para São Paulo.

Do tênis de mesa ao tiro com arco

“Todos da minha família ficaram comigo e deram todo o apoio na fase mais difícil da minha vida, decidi ficar próximo da minha família e procurar outro esporte”, lembra. Jane buscou outro esporte que pudesse treinar na capital goiana. Se encantou pela esgrima, mas viu que teria de mudar-se para o Sul do país para se aperfeiçoar. Foi quando conheceu o tiro com arco.

No início de 2015 se entregou de corpo e almo à nova modalidade. “Eu faltava dormir no treino. Levava a marmitinha para lá e passava o dia inteiro. Treinava até de noite, ligava o farol do carro”, conta. Logo na primeira seletiva que disputou para os Jogos Parapan-Americanos de Toronto já ganhou o ouro.

Também subiu ao lugar mais alto do pódio na maior competição das Américas e, com isso, conseguiu se classificar para as Paralimpíadas do Rio-2016. “Esse foi o momento mais marcante da minha carreira, porque eu tinha desistido de tudo para começar do zero. Foi tudo em cima da hora”, emociona-se. 

A sexta colocação de Jane Karla no Mundial da Holanda de 2019 garantiu a vaga para o Brasil nas Paralimpíadas de Tóquio. Como a vaga no tênis de mesa é do país, a atleta aguarda a convocação oficial para confirmar a participação dela nos Jogos.

Até Tóquio, a arqueira terá três competições. O Parapan da modalidade, em março, em Monterrey, no México. E duas etapas do Mundial: em abril, em Tucson, nos Estados Unidos; e em junho, em Nové Mesto, na República Tcheca. Atualmente, ela é a sexta do ranking mundial da categoria dela.

 

Quem são elas

Mulheres no esporte

Jane Karla carregou a tocha olímpica antes das Olimpíadas e Paralimpíadas do Rio-2016

Nome: Jane Karla Rodrigues Gogel
Modalidade: Tiro com arco composto paralímpico – classe ARW2
Idade: 44 anos
Naturalidade: Aparecida de Goiânia-GO
Participações olímpicas: Pequim-2008 (tênis de mesa), Londres-2012 (tênis de mesa) e Rio-2016 (tiro com arco)
Principais títulos: dez vezes campeã brasileira e bicampeã parapan-americana de tênis de mesa; é também bicampeã parapan-americana de tiro com arco composto e quebrou o recorde mundial três vezes seguidas no tiro com arco paralímpico em disputas indoor (ambientes fechados) em Luxemburgo, Roma e Nimes, o último em janeiro. No Mundial de Den Bosch (Holanda), em 2019, ficou na sexta colocação.

 

Nome: Lethícia Rodrigues Lacerda
Modalidade: Tênis de mesa paralímpica – classe 8
Idade: 17 anos
Naturalidade: Goiânia-GO
Principais títulos: Bronze nos Jogos Parapan-Americanos de Lima 2019; Ouro nos Jogos ParapanAmericanos de Jovens 2017 em São Paulo.


Recorde mundial

Jane Karla fez 582 de 600 pontos possíveis no Torneio de Nimes, na França, em janeiro de 2020. A atleta brasileira acertou de forma certeira 42 das 60 flechas, com a pontuação máxima de 10 pontos. Outras 18 flechas ficaram próximas ao centro do alvo, cada uma valendo 9 pontos.

 

Curiosidades olímpicas

As mulheres não podiam participar nem assistir aos Jogos Olímpicos da Antiguidade, do século VIII a.C. ao século V d.C. Só era permitida a presença de mulheres sacerdotisas, consideradas “mensageiras dos deuses” para dar boa sorte aos competidores. Elas também eram responsáveis pela entrega das coroas de oliveira aos campeões. 

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