A cena que poderia ter poupado a cabeça do técnico Paulo Sousa das especulações sobre uma possível degola depois da derrota por 2 x 1 para o Fortaleza é constrangedora. Pedro sofre pênalti no início do segundo tempo, quando o placar ainda apontava 1 x 1, e ninguém sabe quem deveria cobrá-lo. Improvisa-se uma reunião na marca da cal entre Vitinho, David Luiz, o capitão Everton Ribeiro e Thiago Maia, que rapidamente se afasta contrariado diante da recomendação de Bruno Henrique para que saia de perto. Com a bola na mão, David Luiz, que havia começado no banco e entrou no intervalo, convence o dono da braçadeira a deixar Pedro bater. O camisa 7 concorda , dá força ao centroavante e o vê acertar a trave.
Paulo Sousa sabia desde a virada contra o Fluminense que Gabriel Barbosa estava suspenso. Portanto, teve uma semana inteira não somente para escolher o óbvio substituto do camisa 9, mas apontar quem cobraria pênalti nas ausências de Gabigol e Arrascaeta. Para mim, o primeiro da fila seria Everton Ribeiro. Até por isso ele se aproximou. Mas foi David Luiz quem segurou a bola e praticamente designou Pedro. O atacante bateu e desperdiçou cobrança pela terceira vez desde que desembarcou no Ninho do Urubu. Havia falhado contra o mesmo Fortaleza, em 2020, e diante o São Paulo na mesma temporada.
A inadmissível indefinição é mais um retrato da falta de comando no Flamengo. A escolha do cobrador foi improvisada. Não havia uma predeterminação. Pior: Paulo Sousa admitiu isso na entrevista pós-jogo. Chegou a dizer que um atacante deveria bater. Como se todos os jogadores dessa posição fossem impecáveis nesse nos tiros de 11 metros. Pedro não é perito no assunto. O batedor oficial do Palmeiras é Raphael Veiga. Os laterais Fábio Santos e Reinaldo costumam ter essa responsabilidade no Corinthians e no São Paulo, respectivamente.
A síntese de tudo o que se viu dentro de campo na derrota para o Fortaleza. As saídas de bola, os passes, as ações ofensivas e as tomadas de decisão do time eram totalmente desconexas. Paulo Sousa teve uma semana livre para trabalhar e mandou a campo uma equipe que não parecia ter treinado junto um minuto.
Bom para o Fortaleza. Juan Pablo Vojvoda não precisou ser rebuscado para calar o Maracanã. Deixou dois atacantes velozes de prontidão para aproveitar falhas que seriam geradas por um time inseguro na saída de bola tanto com linha de três zagueiros como de quatro, como no primeiro tempo de hoje. Ele só não contava com tantos presentes.
Irreconhecível, Willian Arão ensaiou entregar o ouro várias vezes até que acertou. Matheus Jussa aproveitou a lambança e acionou Robson, autor do primeiro gol. Com a marcação encaixada, o Fortaleza fez com que Rodrigo Caio, Pablo, Willian Arão e Ayrton Lucas fossem os que mais tocaram na bola na etapa inicial. Era um susto atrás do outro.
Coube a Everton Ribeiro sair da ponta-direita, deslocar-se para a meia esquerda e convidar Ayrton Lucas para uma tabelinha curta, receber a bola de volta e chutar de esquerda como no cantinho de Marcelo Boeck. A precisão do arremate lembrou taco de sinuca.
Pior do que a indecisão sobre o cobrador de pênalti no início do segundo tempo somente a imprecisão do Flamengo na recomposição. Basta o time perder a bola para o meio de campo e a defesa virarem o caos. Filipe Luís errou passe na meia esquerda e o problema foi estourar lá do outro lado, nas costas do supervalorizado Matheuzinho. Péssimo na marcação, o lateral não deu conta de Romero. O chute foi defendido por Hugo Souza, mas deu rebote. Hércules não finalizou bem, porém o goleiro rubro-negro não evitou a derrota.
O Flamengo teve uma semana para evoluir. Poderia ter acessado o G-4. Classificado para as oitavas da Libertadores e da Copa do Brasil, ficaria a três pontos do líder Corinthians. Só que não. Há uma atração fatal pela crise no Ninho do Urubu. Resta saber até quando. A merecida vitória do Fortaleza é a fratura exposta de um Flamengo totalmente desalinhado dos pensamentos do seu técnico. Vem aí mais uma semana que promete, principalmente depois da declaração pós-jogo de Paulo Sousa: “Todas as decisões individuais erradas”. Apontou o dedo para o elenco e não assumiu os próprios erros. Eis a questão.
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