Roni Roni foi preso em 2019 na Operação Jogo Enganoso da Polícia Civil do DF. Imagem: TV Globo/Reprodução Roni foi preso em 2019 na Operação Jogo Enganoso da PCDF. Imagem: TV Globo/Reprodução

Preso na Operação Episkiros em 2019, ex-jogador Roni articula compra de jogos da Copa do Brasil e é parceiro do Flamengo no clássico contra o Botafogo

Publicado em Esporte

Preso em 26 de maio de 2019 na Operação Episkiros (Jogo Enganoso), deflagrada pela Coordenação Especial de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado, aos Crimes, contra a Administração Pública e aos Crimes contra a Ordem Tributária (Cecor) da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF)  durante a vitória do Palmeiras sobre o Botafogo pelo Campeonato Brasileiro, o ex-jogador Roniéliton Pereira Santos, o Roni, está de volta ao obscuro mercado de compra e venda de mandos de campo. Há três anos, ele foi acusado de fraudar borderôs de partidas de futebol.

 

O blog apurou que o empresário articulou as aquisições de duas partidas da Copa do Brasil. A primeira, Portuguesa-RJ 1 x 1 Corinthians. A segunda, o duelo de volta entre Juazeirens-BA e Palmeiras, na próxima quarta-feira. Ambos foram levados para o Estádio do Café, em Londrina (PR). A reportagem também levantou que Roni é parceiro do Flamengo no clássico deste domingo, às 11h, na Arena BRB Mané Garrincha, pela quinta rodada da Série A. A informação é confirmada em off por quatro fontes diferentes.

 

Impedido de jogar no Rio devido à sequência das obras no gramado do Maracanã, o clube carioca escolheu Brasília e terceirizou a partida. Em princípio, o Flamengo reclamava do gramado e do preço do aluguel do estádio. Inclusive, propôs ao Botafogo e ao departamento de competições da CBF a inversão do mando de campo. De repente, tudo mudou. Todos os 55 mil ingressos foram comercializados pela empresa Meu Bilhete. A firma goiana responsável pela operação pertence a Leandro Brito. Sócio de Roni na época da Operação Episkiros, ele também foi preso, há três anos, pela PCDF. As fontes ouvidas pela reportagem descrevem os acertos da mesma forma: “Um negocia e outro faz a operação”.  

 

Em 2019, a CBF contratou a firma Meu Bilhete para comercializar ingressos do amistoso entre Brasil e Qatar, no Mané Garrincha, antes da Copa América, mas desfez o negócio em meio às vendas diante da lembrança do envolvimento da bilheteira no escândalo. 

 

Uma fonte do Flamengo admite sob anonimato que o clube “vendeu” o jogo e confirma a participação de Roni não somente nas negociações, mas na terceirização do evento. O CNPJ dos parceiros comerciais é de difícil acesso. Mantido em sigilo. Estima-se que o negócio foi batido por R$ 1,5 milhão, além de mimos para os dois clubes como voo fretado, hospedagem, alimentação e outros benefícios. 

 

Durante a semana, o blog entrou em contato com Roni mais de uma vez. Questionado se o jogo entre Flamengo e Botafogo é operado por ele, o empresário respondeu com uma pergunta:

 

“Quem disse isso?”

 

Na sequência, tentou se esquivar: 

 

“O Flamengo sempre opera por eles mesmo”. 

 

De fato, o clube comercializa tíquetes diretamente no site oficial em uma plataforma própria, mas estranhamente preferiu que não fosse assim dessa vez no Distrito Federal. Um dos motivos seria uma “dívida” do Flamengo. Roni teria crédito com o clube de uma operação cancelado no passado. Assim,  o clube terceirizou a operação para a empresa Meu Bilhete. Por sinal, seria assim, também, em março, quando o blog apurou que Roni articulava a vinda do Clássico dos Milhões — Flamengo x Vasco — para Brasília pelo Campeonato Carioca. 

 

Havia especulação de que ele havia assumido a operação.

 

Questionado pelo blog à época, Roni despistou:

 

“Só estou ajudando o Flamengo”.

 

Nas últimas semanas, Roni esteve em Brasília, inclusive no Mané Garrincha, na articulação da realização de Flamengo x Botafogo na capital. Como iniciou a venda de ingresso antes de a CBF oficializar a troca do Rio por Brasília, a assinatura do contrato foi protelada para depois do aval da entidade, que não gostou do atropelo. Apesar dos indicativos de que está, sim, vinculado a operação, Roni negou: “Informação errada”. 

 

Indagado, então, de quem seria o jogo, não respondeu. Questionado sobre qual é o problema de assumir a parceria com o Flamengo, ele não quis mais responder. Motivo: Roni tem tentado agir com discrição na volta ao obscuro mercado de compra e venda de jogos. Como diz uma das fontes, “negocia e passa a operação”.

 

Responsável por liberar alterações na tabela e partidas fora do estado dos clubes, o departamento de competições da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem parcela de culpa nisso. Não há controle rígido sobre esse nicho surgido com a inauguração de arenas deficitárias da Copa de 2014. Os chamados elefantes brancos. Consequentemente, surgiram brechas para a existência de uma terra de ninguém. 

 

Três times foram impedidos de jogar em casa na terceira fase da Copa do Brasil. Razão: estádios sem a capacidade mínima de 10 mil torcedores: Ceilândia-DF, Portuguesa-RJ e Juazeirense-BA ficaram sem teto. Dois terceirizaram o jogo. O Ceilândia foi exceção. Não saiu do Distrito Federal. Com o Abadião vetado, recebeu o Botafogo no Mané Garrincha. 

 

O blog mostrou, recentemente, que isso não acontece na mãe de todas as copas nacionais — a FA Cup, da Inglaterra. Em 20 de fevereiro de 2017, o Sutton United, da quinta divisão da terra da rainha, recebeu o badalado Arsenal em uma arena para 5.032 pessoas. Apenas 765 assistem ao jogo sentados. Os Gunners foram lá e venceram diante de 5.013 pagantes.

 

Ao agir diferente no Brasil, a CBF estimula o assédio aos clubes de pequena receita. Impedida de jogar no Estádio Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador, que já foi casa de Flamengo e Botafogo na Série A do Brasileirão mediante a aprovação de arquibancadas móveis, a Portuguesa-RJ topou terceirizar a partida contra o Corinthians ao grupo vinculado a Roni. O duelo foi disputado a 955km do Rio de Janeiro, no Estádio do Café, em Londrina (PR). O boletim financeiro, popular borderô, disponível no site da CBF, informa que o time carioca recebeu uma cota de R$ 500 mil “conforme acordo”.

 

Acordo com quem? 

 

Transparente, o presidente do Juazeirense-BA ajuda a unir os pontos e dá o xeque-mate.

 

Em 28 de abril, o blog entrou em contato com Roberto Carlos Almeida Leal. Ele é presidente do Juazeirense e deputado estadual. A reportagem apurava onde seria o jogo de volta com o Palmeiras na próxima quarta-feira, 11 de maio, pela terceira fase da Copa do Brasil. Havia três opções, Uma delas, mandar a partida em Londrina, onde, coincidentemente, a Portuguesa-PR recebera o Corinthians pelo mata-mata nacional.

 

Roberto Carlos respondeu que tinha pedido para instalar arquibancada móvel no Estádio Adauto Moraes. Última tentativa de alcançar 10 mil lugares e jogar em casa. Na Copa de 2014, a Fifa aprovou esse procedimento na Neo Química Arena. “O MPF não aceitou as nossas argumentações para fazer um TAC para colocação das arquibancadas”,lamentou. 

 

Diante do impasse, o dirigente escolheu levar o jogo para onde? Estádio do Café!

 

Questionado pelo blog se Juazeirense x Palmeiras seria promovido por Roni, foi taxativo. 

 

“Sim”, respondeu Roberto Carlos. 

 

Os bilhetes do jogo estão à venda no site Meu Bilhete. O mesmo usado para a comercialização dos ingressos para o clássico entre Flamengo e Botafogo.

 

Legalmente, nada impede Roni e seu grupo de serem donos ou parceiros na compra e venda de jogos,

 

Como assim?

 

O blog levantou que as apurações do inquérito iniciado em 2019 na Operação Episkiros da Polícia Civil do DF, no Mané Garrincha, avançaram, mas estão suspensas por causa de uma batalha na Justiça. Há dois processos travados por advogados de defesa de alguns dos sete presos na ação. Todos foram soltos no dia seguinte a ação da PCDF.

 

O inquérito deveria ter sido concluído em 2019, mas manobras dentro da legalidade jurídica ainda não permitem a continuidade. A liberdade de Roni e seu sócio, Leandro Brito, chegou a ser solicitada à época ao Supremo Tribunal Federal (STF) sob alegação de desrespeito da Justiça Federal a uma decisão da própria Corte, que proíbe a condução coercitiva — quando a pessoa é obrigada a ir à polícia prestar depoimento.  Na avaliação da defesa, a prisão por apenas 24 horas teria sido uma forma de driblar o veto do STF, tratando-se de “via transversa para obtenção do depoimento dos investigados, que não seriam viabilizados por meio da condução coercitiva”. 

 

O advogado de Roni entrou em contato com a reportagem na tarde dessa segunda-feira (9/5) para explicar a atuação de Roni no mercado. “Ele faz um trabalho de consultoria porque tem expertise para intermediar a negociação. É uma forma lícita e absolutamente republicana que ele tem para sobreviver”, definiu Cleber Lopes.

 

Lembrando…

 

A Polícia Civil do Distrito Federal investigou por dois anos ações de um grupo criminoso especializado em fraudar o erário na realização de jogos de futebol. Havia suspeitas de inclusão de dados falsos nos boletins financeiros das partidas. O grupo informava valor de arrecadação menor para pagar menos impostos e um aluguel inferior pelo Mané Garrincha, vinculado, à época, ao Governo do Distrito Federal. A prisão envolveu 150 agentes e realizada em um dos camarotes do estádio. A investigação apontou indícios de crimes de associação criminosa, falsidade ideológica, estelionato e sonegação fiscal.

 

Além da partida entre Botafogo e Palmeiras pelo Brasileirão de 2019, foram lançadas suspeitas sobre Vasco x Fluminense pelo Carioca, em 2 de fevereiro do mesmo ano; Corinthians x Ferroviário pela Copa do Brasil, cinco dias depois, no Estádio do Café, em Londrina, para onde Portuguesa-RJ e Juazeirense-BA levaram jogos deste ano; além de Serra x Vasco, em 20 de fevereiro de 2019, em Cariacica (ES).  Na apuração avançada, mas suspensa da PCDF, constam outras cerca de 20 partidas realizadas desde 2015, que também teriam sido fraudadas.  

 

Três anos depois da Operação Episkiro, o Mané Garrincha mudou de comando. Terceirizada pelo GDF em 2020, é administrado pela Arena BSB. Os contratos são sigilosos. Entrevistado pelo blog em março, quando Roni ajudava o Flamengo a transferir o clássico contra o Vasco para Brasília, o CEO Richard Dubois afirmou que a firma tem regras rígidas para alugar o estádio.  

 

“Há, hoje, um contrato. Um anexo enorme, que é o manual da arena. Lá, fala que temos de ter acesso online ao público, bilheteria por bilheteria. Se for um sistema da bilheteira, obrigatoriamente tem que falar conosco. Não tem mais essa de ‘vou trazer a minha bilheteira’. Se trouxer, nós apresentamos o nosso sistema e a ordem é que se faça a interface. Se ele (promotor) está recolhendo tributo ou não, não cabe a nós. Se o promotor vier, atender o manual, depositar as garantias que solicitamos e atingir o nível de operação desejado, é bem-vindo. Não discrimina produtores”, afirmou. 

 

A realização de um jogo como o deste domingo envolve vários atores, ou seja, sócios diretos e indiretos do jogo. A maioria deles com participação percentual na renda bruta. A Arena BSB tem direito a receber pelo aluguel do estádio, mas mantém o contratante sob sigilo. 

 

A Federação de Futebol do DF, que antes tinha de saber a origem do jogo, se diz protegida pelo documento disparado pelo departamento de competições da CBF autorizando a realização da partida em Brasília. Além disso, alega não ter mais obrigação de saber para quem o jogo foi terceirizado desde que administração do Mané Garrincha passou das mãos da esfera pública (GDF) para a privada (Arena BSB). A Federação do Estado do Rio autoriza o jogo, tem direito a um percentual da renda bruta, mas lava as mãos. O blog segue aberto a esclarecimentos sobre a transparência da operação e, se julgar necessário, atualizará a reportagem.

 

Post atualizado nesta segunda-feira, às 16h20, com declaração do advogado do empresário Roni, que explicou a atuação do cliente no mercado no papel de consultor. 

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