O dia em que o técnico da Argentina, Scaloni, driblou, eliminou e frustrou Adaílton, atual técnico do Gama

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Vinte e nove de junho de 1997. Sarawak Stadium, Kuching, na Malásia. Argentina e Brasil são protagonistas de uma das quartas de final do Mundial Sub-20 da Fifa. Dois timaços. De um lado, Athirson, Pedrinho, Alex e Fernandão com o uniforme verde-amarelo. Do outro, uma geração incrível formada por Samuel, Cambiasso, Riquelme e Aimar.

Mas os personagens da entrevista a seguir são outros: os técnicos do Gama, Adailton Martins Bolzan; e da seleção da Argentina, Lionel Scaloni, que enfrentará o Uruguai nesta sexta-feira, no Mané Garrincha, em Brasília, pela segunda rodada do Grupo B da Copa América.

Adaílton e Scaloni nunca estiveram tão próximos em uma cidade como em um dos lances decisivos daquela vitória da Argentina por 2 x 0. Ambos foram o centro das atenções no lance do primeiro gol do time comandado, à época, por José Pékerman. Contei a história em 2019 aqui no blog em 2019, mas dessa vez tem entrevista.

Depois de um primeiro tempo equilibrado, a Argentina abriu o placar aos 30 minutos. Riquelme deu lançamento de Gérson “Canhotinha de Ouro” para Lionel Scaloni. O lateral-direito driblou o atacante Adaílton, artilheiro isolado da competição com 10 gols, deixou o volante Sidney no chão na hora do chute e marcou um golaço (veja o vídeo abaixo).

Depois de uma campanha impecável até as oitavas de final, com vitórias por 3 x 0 sobre a França, de Henry, Anelka e Trezeguet; 2 x 0 contra a África do Sul, 10 x 3 na Coreia do Sul e 10 x 0 diante da Bélgica nas oitavas de final, o Brasil estava eliminado.

Aos 44 anos, Adaílton, que foi artilheiro isolado daquele Mundial com 10 gols, inicia a carreira de técnico no Gama. Herdou o cargo de Ricardo Colbachini. O antecessor aceitou convite para trabalhar com Abel Braga no Lugano, time da Suíça. Lionel Scaloni pilota um boeing cujo principal passageiro chama-se Lionel Messi.

No bate-papo a seguir com o blog, Adaílton recorda no Podcast e em texto o lance crucial das quartas do Mundial contra Scaloni e conta o que diria ao treinador da Argentina se o reencontrasse em Brasília.

Vinte e quatro anos depois, você e um jogador que virou técnico da Argentina estão novamente na mesma cidade, pertinho, pelo menos até a hora de o Gama embarcar para Rondonópolis (MT) para o jogo da Série D. Sabe de quem estou falando?
O Scaloni , né, quando fez o gol que me deu um corte lá na bandeirinha (risos).

Qual era o panorama do jogo?
A gente estava muito melhor do que a Argentina. Atacávamos muito mais. O Athirson era um lateral-esquerdo que tinha como forte a subida. A gente agredia muito pela esquerda, mas isso, às vezes, dava muita possibilidade do contra-ataque.

Como foi o lance que originou o seu duelo com o Lionel Scaloni?
A Argentina tinha um time muito bom também. Naquele momento a gente perdeu a bola, houve o contra-ataque, eu percebi que a gente estava com dificuldade do lado esquerdo e acompanhei. Fui com o Scaloni até o fim, até a bandeirinha. Como eu não tinha muito o hábito de marcar, quando ele ameaçou cruzar, eu levei a perna direita. Ele deu o corte e não consegui recuperar. Normalmente, o zagueiro leva a perna esquerda. Ele me pegou no passo errado. Fui cortar o cruzamento, ele deu o corte, invadiu a área e fez o gol do 1 x 0 da Argentina. Aquilo ajudou para a nossa eliminação (assista ao vídeo abaixo).

Estava na lateral na base do sacrifício…
O Athirson jogava mais como atacante do que eu, às vezes (risos). Foi um lance diferente do que eu estava habituado. As minhas jogadas aconteciam do outro lado do campo. Eu tive a percepção da dificuldade da nossa defesa, fui dar uma mão, mas, infelizmente, não consegui evitar o drible e conseguir fazer aquele gol.

Aquela Argentina era um timaço…
Eles tinham alguns jogadores mais ou menos (risos). Aimar, Riquelme, Cambiasso. O meio de campo deles tinha alguns nomes razoáveis assim (risos). O nosso também. Tínhamos Alex, Pedrinho, Fabiano, Athirson, Fernandão, nosso time tinha muitos jogadores bons. Eles depois acabaram sendo campeões (contra o Uruguai).

Vocês esperavam um clássico contra a Argentina logo nas quartas?
Aconteceu aquilo por acaso. Todo mundo dizia que seria a final do Mundial Sub-20. Eles perderam um jogo para a Austrália porque colocaram todos os reservas e estavam classificados. Ninguém queria se enfrentar. Naquela época, a gente se enfrentava muito. A gente não queria o cruzamento, era o jogo da final. A gente se enfrentou nas quartas, mas, mesmo a gente sendo melhor, eles aproveitaram a qualidade que tinham, fizeram esse gol, depois outro no fim, mas aí já era meio a gente indo no desespero para tentar empatar o jogo.

Fui com o Scaloni até o fim, até a bandeirinha. Como eu não tinha muito o hábito de marcar, quando ele ameaçou cruzar, eu levei a perna direita. Ele deu o corte e não consegui recuperar. Normalmente, o zagueiro leva a perna esquerda. Ele me pegou no passo errado. Fui cortar o cruzamento, ele deu o corte, invadiu a área e fez o gol do 1 x 0 da Argentina. Aquilo ajudou para a nossa eliminação.

O técnico da Argentina Lionel Scaloni é responsável por uma frustração na sua vida?
Frustrou. Acredito que aquela Seleção merecia não só pelos jogadores, mas pelo que estava jogando no campeonato. O nosso time era muito bom desde o primeiro jogo. Enfrentamos a França, que tinha jogadores extraordinários também, com Henry, Anelka, Trezeguet, um adversário incrível também. Vencemos por 3 x 0. Nós jogávamos muito bem e acreditávamos muito naquele título. Só a Argentina poderia parar a gente. Foi jogo de detalhes. Alex bateu uma ou duas faltas que bateram na trave. Eu tive algumas situações de gol, não aproveitei, e jogo de time grande, como a gente diz, se decide nos detalhes. Era o título que eu gostaria de ter colocado na minha carreira. Foi um Mundial inesquecível para mim e teria sido completo: goleador e campeão. Seria perfeito.

Foi um único duelo à parte com o Scaloni?
Nós nos encontramos outras vezes no Sul-Americano, no México e no Mundial. Foram três partidas. Eles ganharam duas e nós, uma, numa decisão no México. Perdemos no Sul-Americano, mas era na fase de grupos ainda, gol do Riquelme, e saímos no Mundial. Ele jogou muito tempo na Espanha. Joguei mais contra os outros, como Samuel e Cambiasso. Muitos deles jogaram na Espanha, como o Aimar e o Riquelme.

O que diria ao Scaloni se vocês se reencontrassem aqui em Brasília?
Se eu reencontrasse ele hoje diria: ‘cara, eu deveria ter dado um carrinho e ter feito a falta (risos)’. Eu teria limitado os danos e se a gente não tivesse sofrido aquele gol ali e fôssemos para a prorrogação, estávamos melhor do que eles e sairíamos vencedores. Eu não teria entrado para evitar o cruzamento, mas para matar a jogada. Não era muito bom na fase defensiva como jogador. Estudei muito agora como treinador, mas como jogador eu não tinha o cacoete de defender legal.

Frustrou. Acredito que aquela Seleção merecia não só pelos jogadores, mas pelo que estava jogando no campeonato. O nosso time era muito bom desde o primeiro jogo. Enfrentamos a França, que tinha jogadores extraordinários também, com Henry, Anelka, Trezeguet, um adversário incrível também. Vencemos por 3 x 0. Nós jogávamos muito bem e acreditávamos muito naquele título.

Hoje, você e Scaloni são treinadores. Aquele Mundial Sub-20 colaborou para isso?
São gerações do Brasil e da Argentina que tiveram bons técnicos. Ele começou ali com o (José) Pekérman. Depois ele passou com bons treinadores no La Coruña, na Lazio… A gente vai aprendendo, adquirindo experiência, e isso é fundamental nesse momento em que estamos começando a carreira (de técnico) para dar sequência às ideias, a tudo aquilo que a gente tem para demonstrar. Oportunidade grande para mim, aqui no Gama.

Tem noção da pressão sobre o Scaloni? A Argentina não é campeã desde 1993 e ele comanda simplesmente o jogador eleito seis vezes melhor do mundo…
A pressão dele é muito maior porque a Argentina não ganha nada (desde 1993) e tem o Messi. O Gama é um grande clube, não está numa situação que condiz com o tamanho do clube jogando uma Série D. É um clube que merece estar em uma série muito mais importante do Campeonato Brasileiro. São pressões que eu e ele sofremos, mas estamos habituados a viver como jogador e sabemos como gerir o vestiário, temos bagagem para lidar com situações novas. É sempre início de carreira, assim como era quando jogávamos.

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Marcos Paulo Lima

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