Junior Barranquilla x Fluminense: duelo entre dois dos três técnicos negros da Libertadores é prova de resistência contra o racismo

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Dos 32 técnicos da fase de grupos da Copa Libertadores da América, três são negros. Dois deles são protagonistas do duelo desta quinta-feira entre Junior Barranquilla e Fluminense, às 21h, no Estádio Monumental, em Guayaquil, pela terceira rodada do Grupo D. A partida foi transferida para o Equador devido à onda de protetos na Colômbia.

Luis Amaranto Perea, 42 anos, é o dono da prancheta do Junior Barranquilla. Do outro lado, Roger Machado, 46, comanda o Fluminense. Uma noite para festejar o raro confronto entre dois técnicos negros em uma competição fechada a profissionais pretos. O terceiro da lista é Roberto Mosquera. O treinador de 64 anos escala o Sporting Cristal, do Peru.

Há raridade maior do que o duelo entre Luis Perea e Roger Machado. Das 61 edições anteriores da Libertadores, apenas uma foi conquistada por técnico negro. O colombiano Francisco Maturana levou o Atlético Nacional ao título de 1989. Ele inclusive falou sobre isso, em 2016, numa entrevista exclusiva ao blog. “Não sabia. Fico honrado. Assustador. Precisamos superar isso”, criticou o responsável, também, pelo maior e único título da seleção da Colômbia — a Copa América de 2001, em casa.

Em 2019, Roger Machado foi protagonista de um jogo semelhante ao de hoje. À época, o técnico do Bahia enfrentou o Fluminense, liderado pelo hoje auxiliar Marcão. Àquela altura, Ambos eram os únicos técnicos negros empregados na Série A do Campeonato Brasileiro. Os dois técnicos, inclusive, vestiram uma camisa de conscientização realizada pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol.

Roger desabafou depois da partida: “Com relação à campanha, não deveria ter repercussão grande dois treinadores negros na área técnica, depois de ser protagonistas dentro do campo. Essa é a prova de que existe o preconceito, porque é algo que chama atenção. A medida que a gente tenha mais de 50% da população negra e a proporcionalidade não é igual. A gente tem que refletir e se questionar. Se não é há preconceito no Brasil, por que os negros têm o nível de escolaridade menor que o dos brancos? Por que a população carcerária, 70% dela é negra? Por que quem morre são os jovens negros no Brasil? Por que os menores salários, entre negros e brancos, são para os negros? “Entre as mulheres negras e brancas, são para as negras? Por que que, entre as mulheres, quem mais morre são as mulheres negras?”, questionou Roger.

32 técnicos tem a fase de grupos da Libertadores: 3 negros. Na história sexagenária do torneio, apenas um negro conquistou o título, o colombiano Francisco Maturana, em 1989, pelo Atlético Nacional

E insistiu: “Há diversos tipos de preconceito. Nas conquistas pelas mulheres, por exemplo, hoje nós vemos mulheres no esporte, como você, mas quantas mulheres negras têm comentando esporte? Nós temos que nos perguntar. Se não há preconceito, qual a resposta? Para mim, nós vivemos um preconceito estrutural, institucionalizado”, opinou.

Roger contou ao blog, em 2015, que jamais sofreu injúria racial, mas não fugiu da discussão depois daquele duelo com Marcão na Série A. “Quando eu respondo para as pessoas dizendo que eu não sofri preconceito diretamente, a ofensa, a injúria, ela é só o sintoma dessa grande causa social que nós temos. Porque a responsabilidade é de todos nós, mas a culpa desse atraso, depois de 388 anos de escravidão, é do Estado, porque é através dele que as políticas públicas, que nos últimos 15 anos foram instruídas, que resgataram a autoestima dessas populações, que ao longo de muitos anos tiveram negadas essas assistências básicas, elas estão sendo retiradas nesse momento”, criticou. “Na verdade, esses casos que vêm aumentado agora, de aumento de feminicídio, homofobia, os casos diretos de preconceito racial, é o sintoma. Porque a estrutura social, ela é racista. Ela sempre foi racista”, concluiu Roger Machado.

As coincidências entre Roger Machado e Luis Perea vão além da cor. Ambos eram laterais quando jogavam. Roger foi campeão da Libertadores pelo Grêmio, em 1995, ao derrotar o Atlético Nacional na decisão. Perea não participou da conquista da Libertadores pelo Boca Juniors, em 2003, contra o Santos, mas foi titular na decisão da Copa Toyota, o Mundial de Clubes da época, ao superar o Milan nos pênaltis, por 3 x 1, após 1 x 1 no tempo normal. Formava a defesa com Abbondanzieri, Schiavi, Burdisso e Clemente Rodriguéz.

Assim como Roger Machado, Luis Perea teve carreira vitoriosa, principalmente, na passagem pelo Atlético de Madrid. Ajudou o clube a conquistar o bicampeonato da Europa League nas temporadas 2010 e 2012 e colaborou na conquista da Supercopa da Uefa, em 2010, contra a Internazionale. Era zagueiro no triunfo por 2 x 0 sobre a Internazionale.

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Marcos Paulo Lima

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