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Entrevista: Silvestre Gorgulho | Autor de “Casaca e Chuteiras” fala sobre o livro em homenagem aos 80 anos do Rei Pelé

Publicado em Esporte

Edson Arantes do Nascimento fará 80 anos no próximo dia 23, mas um dos tributos ao Rei neste blog chega embalado em papel de presente no Dia das Crianças. Faz sentido. Pelé era um menino quando dona Celeste desencorajou o filho a investir na carreira de jogador de futebol. O marido dela, Dondinho, não havia conseguido fazer fortuna jogando futebol. Ela vislumbrava o mesmo para o herdeirinho mineiro de Três Corações.  

Essas e outras histórias inéditas são contadas por um conterrâneo de Pelé, o mineiro de São Lourenço radicado em Brasília Silvestre Gorgulho, na obra De Casaca e Chuteira: A era dos grandes dribles na Política, Cultura e História. O livro é uma preciosidade desde a capa. Consegue formar uma dupla de ataque inédita com o presidente Juscelino Kubitschek e Pelé.

Enquanto JK tirava do papel a ideia de construir Brasília, a capital do país, que celebra 60 anos em 2020, o Rei consolidava a Seleção Brasileira como um dos maiores símbolos nacionais ao leva-la a três títulos da Copa do Mundo em uma espaço de 12 anos — 1958, 1962 e 1970.

Na entrevista a seguir, Silvestre Gorgulho revela, por exemplo, que sei pai contratou Dondinho, pari do Rei, para jogar em um time de São Lourenço (MG).  Fala sobre o nascimento e a consolidação do projeto, o tempo de pesquisa e revela outras histórias inéditas. Logo no início das 448 páginas há várias surpresas, como o prefácio de João Havelange. O ex-presidente da Fifa da CBD — pioneira da CBF —, foi um dos primeiros a conhecer a obra e deixou até um texto pronto sobre o livro antes de morrer aos 100 anos, em 16 de agosto de 2016. Com a palavra, Silvestre Gorgulho, o craque de mais um belo tributo ao Rei do futebol.   

 

De onde partiu a ideia de escrever “De Casaca e Chuteiras”?

Silvestre Gorgulho — Poderia dizer que foi por acaso. Mas nada é por acaso. O livro surgiu depois de um encontro de três grandes amigos meus, que considero meus ídolos: meu pai, um dos responsáveis por contratar Dondinho, pai de Pelé, para jogar na minha cidade natal, São Lourenço; Oscar Niemeyer, um amigo e companheiro desde 1985. E Pelé. As circunstâncias da vida colocaram essas três figuras maravilhosas no meu caminho. Na minha vida. É verdade que ninguém cruza nosso caminho por acaso e nem nós entramos na vida de alguém sem nenhuma razão. E aí aconteceu que, um dia, o prefeito de Santos, João Paulo Papa, manifestou o desejo de fazer o Monumento Pelé para ficar na praça onde está o Museu Pelé, em Santos. E eu fui o intermediário deste pedido ao mestre Oscar Niemeyer.

 

Mas como nasceu o livro?

Silvestre Gorgulho — O primeiro contato com Oscar foi em 2008, quando fizemos as comemorações do Cinquentenário da Copa do Mundo de 1958, aqui em Brasília. Fizemos uma grande exposição de Pelé – ‘As Marcas do Rei’ – no Museu Nacional, e uma semana de festa com os jogadores da Seleção Brasileira e da Suécia, vice-campeã. Reiterei o pedido do projeto ao Niemeyer. Ele foi trabalhando até que, no início de outubro de 2010, o Oscar me liga:

– Silvestre, o projeto do Monumento do Pelé está pronto. O que faço? Mando pra você ou mando pro Pelé?

Pra nem um dos dois, eu respondi. Eu disse ao Oscar que Pelé faria 70 anos em 23 de outubro e gostaria que ele recebesse o Pelé para dar ao Rei o projeto de presente. Aí liguei para o Pelé, que estava em Nova York, já fugindo do seu aniversário. Pelé disse que voltaria ao Brasil em novembro e que logo dia 4 receberia uma homenagem do Exército Brasileiro na Urca-RJ. Assim, dia 4 de novembro à tarde, Niemeyer recebeu o Pelé no seu escritório e entregou o belíssimo projeto. Quando eu vi o desenho, uma bola de sete metros de diâmetro e uma torre de 20 metros de altura, pensei logo em fazer uma linha do tempo da ‘Era Pelé’ para figurar dentro da bola. Portanto, o livro começou a nascer justamente há 10 anos. Quando o Pelé fez 70 anos.

 

Silvestre Gorgulho (em pé) com Pelé e Niemayer, inspirações da obra. Foto: Arquivo Pessoal/Silvestre Gorgulho

 

O título do livro fala em “A Era dos Grandes Dribles na Política, Cultura e História”. Pode contar quais são alguns desses dribles impressos na obra?

Silvestre Gorgulho — Olha, em 1956 “nasceram” três fatos que marcaram o Brasil para sempre. Foram os primeiros dribles políticos, culturais e históricos: Em 31 de janeiro de 1956, JK toma posse como o 21º Presidente da República do Brasil; Em 18 de abril de 1956, JK assina a Mensagem de Anápolis – Projeto de Lei ao Congresso Nacional para mudança da Capital do Rio para Brasília; Em 7 de Setembro de 1956 Pelé — com apenas 15 anos — faz seu primeiro jogo como profissional, quando o Santos disputa o Troféu Independência contra o Corinthians de Santo André. E estreia com seu primeiro gol dos 1.825 que vai fazer; Em 19 de setembro Brasília sai do papel: o Congresso Nacional autoriza JK a tomar providências para construção de Brasília. E três escritores marcam a literatura. Fernando Sabino lança ‘Encontro Marcado’, Mário Palmério lança ‘Vila dos Confins’ e Guimarães Rosa revoluciona a literatura com ‘Grande Sertão: Veredas’. De 1956 até 1977, são muitos dribles políticos, históricos e culturais. Nasce a Bossa Nova, o Cinema Novo, Brasil ganha a primeira Copa do Mundo… aí tem que ler o livro (risos).

 

Por que decidiu fazer uma tabelinha entre política e futebol?

Silvestre Gorgulho — Porque são duas paixões nacionais. Como disse, porque a chave para entender o Brasil, entender a interiorização da economia e do desenvolvimento brasileiro está justamente em um político chamado Juscelino Kubitschek de Oliveira. O Brasil é um antes de JK e outro depois da construção de Brasília. Da mesma forma, no futebol. O Brasil é um antes de Pelé e outro depois de Pelé. Um dado: Com Brasília, o Brasil colheu um novo país. O Centro-Oeste não produzia um grão de soja antes de Brasília. Hoje, é responsável por 48,4% da produção nacional. A soja avançou sobre novas fronteiras e levou junto a cultura do milho. A produção de milho nessa época era inferior a 9%. Atualmente, representa 54,36% da safra nacional. Brasília abriu o caminho para os recordes do agronegócio num Brasil antes vazio e desconectado do litoral.

 

JK e Pelé são os personagens da capa do livro. Quais são as intersecções entre eles além de ambos serem mineiros?

Silvestre Gorgulho — Aliás, tenho que agradecer ao artista Kacio por esta capa maravilhosa. JK de chuteiras com o uniforme da Seleção e Pelé de casaca. Mais do que mineiros, são ídolos, nomes nacionais de respeito e estadistas que fizeram uma revolução pela competência, pela arte, pelo patriotismo, pela generosidade, pela determinação, pela ousadia e pelo amor ao Brasil. Ambos deram autoestima aos brasileiros. Pelé e JK representam uma era de desenvolvimento do país na política e no esporte.

 

A chave para entender o Brasil, entender a interiorização da economia e do desenvolvimento brasileiro está justamente em um político chamado Juscelino Kubitschek de Oliveira. O Brasil é um antes de JK e outro depois da construção de Brasília. Da mesma forma, no futebol. O Brasil é um antes de Pelé e outro depois de Pelé. Mais do que mineiros, são ídolos, nomes nacionais de respeito e estadistas que fizeram uma revolução pela competência, pela arte, pelo patriotismo, pela generosidade, pela determinação, pela ousadia e pelo amor ao Brasil. Ambos deram autoestima aos brasileiros. Pelé e JK representam uma era de desenvolvimento do país na política e no esporte

 

Você é torcedor do Cruzeiro e Pelé o maior ídolo da história do Santos. Ele fez você sofrer muito nos duelos entre Cruzeiro e Santos?

Silvestre Gorgulho — Sofrer? Sofrer como cruzeirense é agora. O que os cartolas fizeram com o Cruzeiro, meu Deus! Naquela época, era só alegria. Você me faz lembrar aquele Cruzeiro fabuloso de Raul, Piaza, Dirceu Lopes, Natal e Tostão. Mas, na década de 1960, o Santos era o segundo time de todos os brasileiros. Emoção é lembrar aquela Taça Brasil de 1966 que o Cruzeiro deu de 6 x 2, no Mineirão, e virou o jogo no Pacaembu para 3 x 2. Era só alegria azul.

 

Um personagem muito bem abordado por você no livro é Dondinho, o pai do Pelé. O que pode contar sobre ele?

Silvestre Gorgulho — É um resgate que faço da vida de Dondinho. O livro tem umas 30 páginas dedicadas ao Dondinho. Dizem que só teve um jogador melhor e mais completo que o Pelé: justamente o Dondinho. Era craque de bola. Deu azar de quebrar a perna, no primeiro jogo que fez pelo Atlético Mineiro. Mas, Dondinho jogava tanta bola que dona Celeste, mãe do Pelé, ficava aflita quando Pelé dizia que queria ser jogador de futebol. Ela dizia: — Dico, (apelido de Pelé na família é Dico) você sabe o tanto que seu pai jogava. Era sempre o melhor em qualquer jogo. E, no entanto, nossa vida foi muito difícil. E você nunca vai jogar melhor do que seu pai.

Aliás, por causa do Dondinho o menino Edison, que tinha o apelido de Dico, virou Pelé. Isso aconteceu em São Lourenço e é nessa história que entra o meu pai. Portanto, o Edison nasceu em Três Corações e o Pelé em São Lourenço.

 

Como foi o processo de pesquisa do livro e quanto tempo demandou para catalogar tudo e escrever a obra?

Silvestre Gorgulho — Foram 10 anos de pesquisa. Muita pesquisa. Muitas viagens. Muita leitura de livros e jornais. Sobretudo jornais de quatro cidades: Campos Gerais, onde nasceu o Dondinho. Três Corações, São Lourenço e Bauru (SP). Vários amigos meus, sobretudo jornalistas, leram os originais e me ajudaram no arremate final. A todos eles, eu agradeço na abertura do livro.

 

Você diz no livro: “Não importam as dificuldades se há uma bela história para contar, seduzir e apropriar-se”. Quais foram as dificuldades para formar a tabelinha entre JK e Pelé?

Silvestre Gorgulho — Não houve dificuldades. Houve, sim, muito trabalho. As pesquisas eram feitas, as histórias e os dados iam se encaixando e o livro foi tomando corpo. É isso mesmo, a história de Pelé, JK, Brasília e tudo em volta é muito bonita. Muito brasileira. Muito heroica. Vale a pena contar, vale a pena resgatar e apropriar-se dessa sedução. Nas escolas, este livro será uma fonte lúdica e interessante para passar o conhecimento. Três pessoas que leram os originais não entendiam nada de futebol. E vibraram com o livro. Passaram a entender a paixão de seus pais e irmãos pelo esporte. O livro é meio almanaque e tem um sentido cronológico que faz qualquer adolescente entender a história naquele período. E faz os adultos sentirem saudade. As ilustrações são muito boas. Dizem que toda saudade é uma forma de velhice. Eu já acho que toda saudade é um renovar de emoções.

 

Nas escolas, este livro será uma fonte lúdica e interessante para passar o conhecimento. Três pessoas que leram os originais não entendiam nada de futebol. E vibraram com o livro. Passaram a entender a paixão de seus pais e irmãos pelo esporte. O livro é meio almanaque e tem um sentido cronológico que faz qualquer adolescente entender a história naquele período. E faz os adultos sentirem saudade. As ilustrações são muito boas. Dizem que toda saudade é uma forma de velhice. Eu já acho que toda saudade é um renovar de emoções

 

Chama atenção o prefácio. Quem escreve é João Havelange. Como convenceu Havelange a deixar o texto pronto antes mesmo da finalização da obra?

Silvestre Gorgulho — É o que eu digo no início sobre o acaso. Quando já tinha escrito 80% do livro, eu fiz uma impressão e queria tirar algumas dúvidas. Pedi a um amigo comum, o jornalista Vicente Limongi, que me ajudasse estar com o João Havelange. Passei uma tarde conversando com o ex-presidente da CBD e da Fifa lá no Rio. A conversa foi tão boa, que ao dar os originais a ele fiz dois pedidos. Um: que ele corrigisse o que estivesse errado. Dois: que ele fizesse o prefácio. Dois meses depois, chegou uma carta dele para mim e o prefácio escrito. Isso foi em 12 de outubro de 2012. Infelizmente, Havelange faleceu em agosto de 2016, aos 100 anos, e não pode ver o livro publicado. Mas está lá o prefácio e uma homenagem a ele.

 

Quando e como o leitor terá acesso ao livro?

Silvestre Gorgulho — Olha, fiz agora uma primeira edição para lançar justamente no ano que Pelé faz 80 anos e Brasília 60. Vou lançar neste 23 de outubro, no Museu do Futebol, no Pacaembu, em São Paulo. E já estamos preparando uma segunda edição para lançar em Brasília, em Santos, em Três Corações, São Lourenço, Campos Gerais, e onde mais quiserem, para o início do ano que vem. Em Brasília, por sugestão do amigo e cineasta José Damata, pensamos em lançar no Cine Brasília em duas noites seguidas. Na primeira, após a exibição do filme Pelé Eterno, do Aníbal Massaíni. Na segunda noite, após a exibição do filme JK no exílio, do Charles Cesconetto.

 

Você é um dos grandes amigos do Pelé. Que mensagem deixa para o Rei oitentão?

Ao Pelé, uma única mensagem. De agradecimento. Obrigado, Rei! Mais do que ao Pelé eu queria deixar uma mensagem aos brasileiros. Cultivem seus ídolos. Vamos valorizar nossos heróis, aqueles que ajudaram a construir nossa autoestima. Vamos bendizer quem nos deu emoções. A vida não se mede pelo número de vezes que respiramos, mas pelo número de vezes que nos tiram o fôlego. E quantas vezes JK e Pelé nos tiraram o fôlego e deixaram nossos corações batendo mais forte de alegria e prazer? Se tem uma lição de casa que o brasileiro precisa fazer, é valorizar e respeitar quem ajudou a fazer do Brasil uma nação respeitada e forte.

 

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