Muricy Muricy Ramalho de alma lavada no Bezerrão após a conquista do tri. Foto: Cadu Gomes/Esp. CB/D.A Press Muricy Ramalho de alma lavada no Bezerrão após a conquista do tri.

Entrevista: Muricy recorda o dia em que levou o São Paulo ao tri do Brasileirão no Estádio Bezerrão

Publicado em Esporte

Em 7 de dezembro de 2008, o São Paulo entrava para a história no recém-inaugurado Bezerrão como o primeiro tricampeão do Campeonato Brasileiro. A inédita série iniciada em 2006 chegava ao auge na capital do país cercada de polêmicas. A começar pelo local da partida. Rebaixado, o Goiás cumpria suspensão e havia sido impedido pelo STJD de jogar em Goiânia por causa dos atos de violência da torcida. O então governador José Roberto Arruda agiu nos bastidores para realizar o jogo no Bezerrão. Dezoito dias antes, em 19 de novembro, a arena havia recebido o amistoso entre Brasil e Portugal, com Kaká e Cristiano Ronaldo em campo.

Na véspera de São Paulo e Goiás, uma acusação ao árbitro Wagner Tardelli, envolvendo até o nome da cantora Madonna, obrigou a CBF a tirá-lo da escala na última hora. Jaílson Macedo Freitas embarcou às pressas para o DF. Antes de a bola rolar, um torcedor foi morto nas proximidades do estádio numa ação da PM. Dentro das quatro linhas, o São Paulo precisava da vitória para não deixar o Grêmio ultrapassá-lo e levar o título. Em entrevista exclusiva ao blog, o técnico Muricy Ramalho, comentarista do SporTV, relembra o antes, durante e depois do jogo do título no DF.

 

Quais é a maior lembrança do tricampeonato do São Paulo, no Bezerrão?

Um dia antes, teve aquela confusão dos ingressos do show da Madonna (denúncia de que o árbitro escolhido para o jogo, Wagner Tardelli, estaria numa lista de convidados do São Paulo para a exibição da cantora norte-americana no Morumbi). Estávamos na concentração, aquilo mexeu com o nosso emocional. Trocaram o juiz na última hora (Jaílson Macedo Freitas assumiu a responsabilidade de apitar Goiás 0 x 1 São Paulo, no Bezerrão).

 

Como foi a gestão da crise na concentração?

Reuni os jogadores, tentei blindá-los para evitar polêmicas. Mas aquela situação causou muito estresse. Foi um dia de muita chuva também e o jogo seria num lugar em que nós nunca havíamos atuado (Bezerrão). Então, de repente ficou tudo muito complicado.

 

O São Paulo é o único tricampeão brasileiro. O título de 2008 foi o mais difícil da série?

A gente havia sido eliminado do Campeonato Paulista nas semifinais (pelo Palmeiras), da Libertadores nas quartas de final (pelo Fluminense) e da Copa Sul-Americana na primeira fase (pelo Atlético-PR). Três resultados ruins. A pressão era grande. A diretoria falou pra mim: ‘se vira com o que tem’. Tive que buscar uns meninos na base. Dos três, foi o título mais difícil. O time não era tão bom tecnicamente como os de 2006 e de 2007, mas tinha muita vontade.

 

O São Paulo do tri conquistado no Bezerrão. Foto: Gustavo Moreno/Esp. CB/D.A Press

 

E o papo com o elenco antes do jogo?

A preleção foi na concentração, mesmo, mas nós ficamos impressionados com a atenção que deram a nós. Tinha dois helicópteros e as tevês acompanhando o nosso ônibus o tempo inteiro. Eu disse para o meu auxiliar, o Tata (Mário Felipe Peres), dentro do ônibus: ‘olha lá, olha isso’. Sem contar os batedores aí de Brasília, que são diferenciados, estão acostumados a acompanhar outro tipo de gente no dia a dia, autoridades (risos).

 

Vocês souberam no vestiário que um torcedor havia sido baleado do lado de fora do Bezerrão em uma ação da polícia?

Não sabia disso, lamentável. (O sargento da Polícia Militar José Luiz Carvalho Barreto, acusado de atirar contra o torcedor paulista Nilton César de Jesus em 2008 durante tumulto nas proximidades do Estádio Bezerrão, foi condenado em 2012 a dois anos e dois meses de detenção por uma juíza da Auditoria Militar do DF).

 

O gol do título saiu aos 22 minutos do primeiro tempo…

O gol do Borges foi cedo. Deu tranquilidade, principalmente porque o Goiás estava sem responsabilidade, e nós jogávamos a nossa vida. Com aquele gol, o time se acalmou.

 

Borges faz o gol do título do São Paulo na vitória sobre o Goiás. Foto: Breno Fortes/CB/D.A Press

 

O lance do gol fazia parte do repertório do São Paulo?

Foi coisa dos jogadores. O time estava organizado do meio para trás, mas, como eu costumo dizer, no último terço do campo, quem decide são eles, os jogadores.

 

Alguma lembrança da festa no vestiário?

Ah, cara, foi uma loucura. Não sabíamos o que fazer. Parecíamos um bando de moleques. Aquilo jamais havia acontecido, um time tricampeão brasileiro. Para ser sincero, acho muito difícil alguém conseguir esse feito novamente.

 

 

A sua capacidade de reinvenção foi ao limite naquela conquista?

Transformamos o Hernanes em um camisa 10. Nós havíamos perdido o Josué e o Mineiro e o time precisava de algo novo. O Hernanes foi muito importante. Jogou em praticamente todas as posições naquele campeonato. De volante, meia, lateral, onde precisava.

 

A imagem que tenho daquela partida é você todos molhado de chuva, mas com as mãos erguidas e o olhar fixo no que acaba de acontecer…

Cara, aquele imagem do banho de chuva à espera do apito final e da festa debaixo de um dilúvio faz parte das palestras que ministro por aí. Já duas vezes a Brasília e sempre mostro aquela foto. Foi realmente inesquecível.

 

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