CBNFOT200820212480 Luan Carlos tem a idade de Neymar e levou Goianésia ao vice do Goianão. Foto: Jefferson Alves/Brusque Luan Carlos tem a idade de Neymar e levou o Goianésia ao vice do Goianão em 2020. Foto: Jefferson Alves/Brusque

Entrevista: Luan Carlos | Bate-papo cabeça com o técnico do Brasiliense, um dos mais jovens do país

Publicado em Esporte

Ele tem 29 anos. Ex-roupeiro do Novo Horizonte-GO, Luan Carlos Neto escolheu a prancheta em vez da bola. Na temporada passada, era o técnico mais jovem entre as quatro divisões nacionais. Levou o Goianésia ao vice-campeonato goiano, eliminou o Gama da Série D e ocupava o cargo de auxiliar do Brusque na Série B antes de aceitar o convite para comandar o Brasiliense. O desafio de classificar o time para o mata-mata em três rodadas começou com derrota para o Nova Mutum-MT no último domingo, por 1 x 0, no Estádio Valdoir Doilho.

Na entrevista a seguir ao blog, o goiano de Ipameri revela o lado cabeça. Formado em educação física, tem como livro predileto O Pequeno Príncipe. “Parece infantil, mas é filosofia de ponta a ponta”, explica. Inspirado em um mentor de José Mourinho e de Jorge Jesus, também é fã de Tite. Virado, fez intercâmbio no Benfica de Portugal e no Lokomotiv Moscou em busca de conhecimento, e conta como pretende aplicar a teoria na prática para encerrar o jejum de oito anos do DF sem ter um time na Série C.

 

Você tem somente 29 anos. A idade do Neymar. O que essa chance no Brasiliense significa para você?
O futebol deu sentido na minha vida. Sou muito grato por todo esse caminho percorrido, e chegar no Brasiliense me deixou muito feliz. Sei da dimensão do clube e sei também que posso evoluir muito com os desafios que vão surgir aqui. Pretendo conquistar muita coisa no clube, mas a principal já estou conquistando muito no dia a dia, o aprendizado. É um grupo muito qualificado e de jogadores vencedores. Não tem como não aprender com eles.

 

Como lida com a questão da idade, de ser mais jovem do que muitos jogadores que comanda?
A idade representa muitas coisas, mas não define tudo. Já comandei diversos atletas mais velhos do que eu, e sempre tive boas relações com eles. A conquista do respeito não é pela idade. Precisamos entender que respeito se conquista respeitando. O atleta precisa olhar pra você e enxergar alguém que pode ajudá-lo a evoluir. Mas o principal é ter diálogo.

 

Como pauta a sua relação com os jogadores?
Eu, enquanto comandante, não sou o dono da verdade, não estou acima do grupo. Portanto, todos precisam ter voz ativa. Podem discordar, interagir, só assim teremos uma ideia de jogo da equipe, não uma idade de jogo do Luan. Seria muito pobre uma liderança exercida só pela idade mais avançada. Precisamos ir muito além disso. A liderança é muito mais que uma função, é uma ação de relação humana.

 

“Seria muito pobre uma liderança exercida só pela idade mais avançada. Precisamos ir muito além disso. A liderança é muito mais que uma função, é uma ação de relação humana”

 

Julian Nagelsmann assumiu o Bayern de Munique aos 34 anos. É o técnico mais caro da história. O clube pagou 25 milhões de euros por ele. É uma inspiração para você?
Sim. Grande inspiração. Mas confesso que José Mourinho, Tite e Jorge Jesus são grandes referências para mim. Leio, assisto e ouço muitas coisas deles.

 

Há outros mentores?
Busco muito conteúdo publicado pelo Manuel Sérgio, um filósofo do desporto, de Portugal. Ele é um mestre na arte de gerir seres humanos. Compartilho dele a máxima que diz: “Antes de uma atividade física, o futebol é uma atividade humana”. Essa frase resume meu conceito de trabalho. O Manuel Sérgio foi professor universitário do José Mourinho. E foi, também, o auxiliar técnico do Jorge Jesus no Benfica. Fato curioso, por ser um filósofo.

 

Qual é o seu livro de cabeceira e quais são os books preferidos na estante?
Livro de cabeceira é O Pequeno Príncipe. Um livro que até parece infantil, mas é filosofia de ponta a ponta. Na minha estante tenho centenas de livros, e todos são preferidos. Mas no momento estou relendo Em Busca de Sentido, um livro fantástico.

 

“Fui auxiliar de rouparia. Foi onde despertou em mim a paixão pelo futebol. Conheci vários treinadores e via neles uma meta a ser alcançada. Estudei bastante pra entrar no curso de Educação Física na UFG, pois sabia que era uma porta de entrada no futebol, e foi”

 

E literatura sobre futebol?
Outra obra que gosto bastante é o livro Tite, escrito pela Camila Matoso. Livro muito bom que conta os bastidores do trabalho do Tite. Tenho vários livros de Futebol vindos de Portugal. Livros do Jorge Jesus, Mourinho e outros treinadores. Lá em Portugal se escreve muito sobre futebol. Aqui no Brasil estamos escrevendo mais nos últimos anos.

 

Você fala bastante de Portugal. Passou um tempo lá? Como é a sua relação com a Europa?
Sim. Estive lá por duas vezes. Fiz acompanhamento no Benfica e no Sporting. Estive, também, na Rússia. No Lokomotiv Moscou. Eu me aproximei de Portugal por meio da leitura. Como disse, lá se escreve muito sobre futebol. Várias estudos científicos são publicados. Então é uma excelente fonte para aquisição de conhecimento.

 

Falta mais conhecimento científico no futebol?
O conhecimento científico tem muita força no meio futebolístico lá em Portugal. A periodização tática foi criada lá, pelo professor Vitor Frade. É uma metodologia que tem sido propagada no mundo todo. Ela mudou a forma de treinar o futebol.

 

“Busco muito conteúdo publicado pelo Manuel Sérgio, um filósofo do desporto, de Portugal. Ele é um mestre na arte de gerir seres humanos. Compartilho dele a máxima que diz: ‘Antes de uma atividade física, o futebol é uma atividade humana’. Foi professor universitário do José Mourinho e auxiliar técnico do Jorge Jesus no Benfica”

 

Você tem uma bela história. Foi auxiliar de roupeiro no Novo Horizonte. O que te inspirou a ser técnico e não jogador de futebol?
Sim. Fui auxiliar de rouparia. Foi onde despertou em mim a paixão pelo futebol. Conheci vários treinadores e via neles uma meta a ser alcançada. Estudei bastante para entrar no curso de Educação Física na UFG, pois sabia que era uma porta de entrada no futebol, e foi.

 

O DF não disputa a Série C desde 2013. Está atolado na quarta divisão há oito temporadas. É possível subir neste ano?
Sim, com certeza é possível. O Brasiliense é um grande clube do futebol brasileiro. Isso, por si só, o coloca como candidato ao acesso. Cabe a nós desenvolver um trabalho para alcançar esse objetivo. Sobre a situação do futebol do DF não ter representantes nas outras divisões nacionais é um tema bem complexo que merece uma análise mais profunda. Eu não tenho condições ainda de opinar sobre os motivos.

 

Goiás e Mato-Grosso são os estados do Centro-Oeste na elite. O DF precisa olhar para Cuiabá e Atlético-GO?
Sim. Sempre é bom observar, tirar lições e tentar contextualizar com a realidade do Estado.

 

O que pensa taticamente: tem um sistema preferido?
Tática é comportamento. A equipe precisa ter sintonia nas ações e saber gerir os problemas que o jogo apresenta. Não tenho um sistema preferido. O sistema é apenas uma referência posicional, e depende muito dos atletas que temos à disposição.

 

Observei que você é religioso. Outro dia, citou um teólogo presbiteriano dos Estados Unidos e publicou música cristã. Como é a sua relação com a fé?
Gosto bastante de estudar a Bíblia. Acredito muito em Deus, mas não tenho um segmento religioso específico. Frequento a igreja católica, evangélica, espírita. Gosto de visitar e participar das reuniões. Sinto-me bem.

 

 

*Entrevista publicada na edição impressa do último domingo (22/8) no Correio Braziliense

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