Hipnotizado pela palestra de Arthur Antunes Coimbra, o estudante do 3º Ano, João Victor Sofiste, 18, leva a mão à boca, passado, ao assistir ao vídeo que exibia um gol de falta, sem ângulo, do ídolo Zico, ontem, no Centro de Ensino Médio 1 do Guará, na vã tentativa de abafar o palavrão: “c…”, disparou, incrédulo. Nascido nos anos 2000, o jovem goleiro não viu o craque em ação. Conhece histórias narradas pelos pais, avós, bisavós. Dos likes no YouTube e outras redes sociais. Aos 69 anos, o camisa 10 do Flamengo e da Seleção deu conselhos e lições de vida a centenas de jovens da faixa etária de João Victor. Paciente, tirou fotos, deu autógrafos e, apesar da cirurgia recente para colocar uma prótese no quadril, caminhou entre súditos e professores.
Parceiro do superintendente do Sebrae DF, Valdir Oliveira, no projeto “Empreendedor do Futuro”, o Galinho de Quintino também falou com exclusividade ao blog sobre futebol. Condenou veementemente a prensa dada por representantes de torcidas organizadas do Flamengo no elenco, no início deste mês, em frente ao portão de acesso ao Ninho do Urubu. Ensina, inclusive, como se defendeu de cobranças excessivas da torcida quando vestia a camisa rubro-negra e demonstra certa desconfiança com os atos hostis das uniformizadas.
Ao falar sobre o começo do trabalho do técnico português Paulo Sousa no Flamengo, Zico diz que até Guardiola seria rapidamente demitido se não ganhasse nada na primeira temporada, ataca o entra-e-sai de técnicos no time e critica as demissões de Renato Gaúcho e Rogério Ceni. “Era campeão”.
Você agradeceu aos avós e aos papais por repassarem o seu legado aos filhos. O resultado disso é a reverência dos estudantes a você no Centro de Ensino Médio 1 do Guará. Como adaptar uma palestra corporativa a estudantes que não o viram jogar?
Fazer apresentação para empresa é mais fácil. São os mesmos caminhos do futebol, que não deixa de ser uma empresa. A escola, não. É o professor, o aluno e os amigos. Adaptei. Não tem como não apoiar um projeto desse (Educação Empreendedora). Fui aluno de escola pública.
Você conciliou futebol e a faculdade de educação física. Esse é o recado?
O aluno pode escolher qualquer tipo de profissão e não deixar de lado o estudo. Foi o que aconteceu comigo. Meu pai não morreu feliz porque era pai do Zico, mas porque formou os seus filhos. Ele não queria deixar ninguém jogar bola. O futebol era visto com maus olhos. O estudo não me prejudicou em nada. O futebol só me atrapalhou quando fui para a Itália (jogar na Udinese). Não havia aula a distância (risos).
Durante a palestra, observei um menino chamado João Victor Sofiste, 18, do 3º Ano, perplexo com um gol de falta sem ângulo exibido na sua apresentação. É a conquista de novas gerações?
Eles não estão mais acostumados a ver gol de falta. Joguei numa época que tinha videotape. A maioria dos meus gols está gravada. O avô fala para o pai. O pai viu. Aí o pai pode até aumentar um pouco, mas não inventa. O garoto pega lá o YouTube, bota o jogo e diz: “é verdade”. Tenho escola de futebol para crianças. Isso mantém você na mídia. Tenho os meus canais, redes sociais, exibo os meus gols.
Você revelou na palestra qual foi a maior lição que tirou na pandemia. Pode repetir?
Foi a primeira vez, em 46 anos de casado, que eu fiquei quatro meses ao lado da minha mulher (Sandra), dentro da minha casa, curtindo a minha casa. Aproveitei isso. Cada dia era uma satisfação estar com ela, acordar com ela, dormir com ela. Eu não tive isso. O futebol me deu muito, mas tirou um pouco. Festas dos filhos na escola e o pai estava concentrado, viajando, jogando… Estava trabalhando para oferecer algo melhor. Hoje, eles entendem. É toma-lá-dá-cá. Você perde algumas coisas e ganha outras.
Um torcedor “invadiu” o restaurante em que você almoçava aqui em Brasília com a camisa do Flamengo, pediu autógrafo e você atendeu. Qual é a fórmula da paciência?
A gente luta por algumas conquistas. Você se torna famoso. Quem dá essa fama são as pessoas que estão torcendo, apoiando.Elas se sentem como se fossem seus amigos.Sempre pensei dessa maneira. Não tenho nenhum problema de tirar foto, dar autógrafo. Quando não dá, digo que estou apressado e o cara respeita, espera outro dia.
Entramos na Era da Sociedade Anônima do Futebol (SAF). É uma tendência para o Flamengo?
Isso aí não é nada mais do que o meu projeto quando fui secretário (de Esportes, no governo de Fernando Collor de Mello): futebol-empresa. É a mesma coisa! Só mudou o nome. Havia condição de criar o clube-empresa, separar do departamento de futebol. Era mais viável. O único lugar que tem quadro de sócios é aqui no Brasil.
Flamengo vai aderir mais cedo ou mais tarde?
O Flamengo tem a massa que responde. Tem espaço na mídia. Mais patrocinador do que os outros. O Flamengo, sendo sério, como foi esse grupo que entrou, “tudo para o Flamengo, nada do Flamengo”, faz a diferença.
Pep Guardiola não ganhou nada na primeira temporada no Manchester City e depois disparou a conquistar título. Paulo Sousa tem quatro meses e vive sob pressão. É justo?
O Guardiola seria mandado embora aqui no Brasil. Muitos deles. O Alex Ferguson não ganhou nada no início. Não existe isso no Brasil. Há imediatismo. Se ele (Paulo Sousa) não ganhar… É o caso do Renato. Todo mundo elogiava que o Flamengo estava metendo 7, 6, 5. Não ganhou título e o próprio Flamengo derrubou o Renato. O próprio Flamengo! Jogando bem.
Era favorável ao Renato ficar?
Era. Como fui ao Rogério (Ceni). Ele era campeão.
Fla tem de desapegar do Jesus?
Isso aí eu vi acontecer com o (Paulo César) Carpegiani. Ele ganhou Libertadores, Carioca, Mundial, o Brasileiro do ano seguinte… No primeiro momento em que ele estava mal, foi embora. É a cultura. Infelizmente, é uma cultura ruim. Não é cultura de trabalho, organização, é de imediatismo.
Aprova diretoria marcar reunião de torcida com elenco?
Não, nunca, claro que não. Imagina se você trabalha no banco, aí eu vou lá pedir reunião porque o meu juros está muito alto. Você vai permitir isso? Por que tem que fazer reunião no futebol? Você vai ao meu trabalho encher o saco! Alguma coisa tem por trás disso. Eu não considero essas pessoas torcedores.
Passou por algo parecido?
Vivi lá dentro. Eu os reuni e falei: “Se acontecer alguma coisa comigo, aqui, por meio de algum de vocês, vão me conhecer: eu sou muito bom, mas quando eu sou ruim, sou pior do que vocês. Então, não venham me perturbar”. Na minha época, os caras iam lá, achacavam os jogadores pedindo ingresso, para usar bonezinho na entrevista coletiva… Por quê? Porque teve dirigente que deu título de sócio-proprietário para esses caras entrarem no clube. No Ninho, eles não podem entrar e fazem aquela arruaça. Os caras não trabalham.
Você comandou o Japão na Copa de 2006. A seleção caiu no grupo de Alemanha e Espanha. Deu ruim?
É complicado… Difícil. O Japão tem que pensar que a Coreia do Sul eliminou a Alemanha. O Chile eliminou a Espanha aqui no Brasil (em 2014). Naquela mesma Copa, a Costa Rica avançou em um grupo que tinha Inglaterra, Itália e Uruguai.
O Brasil foi tetra com Bebeto e Romário; e penta com Rivaldo e Ronaldo. Dá para conquistar o hexa sem um camisa 9 ou uma dupla de ataque afinada?
Dá para ser hexa sem nove. Centroavante não é problema. O problema é falta de jogos contra europeus.
Tite procura um par. Cogitou Muricy Ramalho, Júnior… Aceitaria uma tabelinha com ele na Copa, como fez em 1998, ao lado do Zagallo?
Adoro o Tite e torço muito por ele, mas não toparia.
Pelé e Dinamite lutam pela vida. Que mensagem manda aos dois?
Que eles possam superar essas batalha. Usem a garra que tinham quando jogavam.
Hoje (ontem) é Dia do Goleiro. Algum deles era mais desafiador?
Tem uns que você sabe que tem de caprichar porque sabe que eles têm boa postura. Eles se colocam bem, estão atentos. O cara entra em campo sabendo que não pode perder tempo, um segundo, porque pode ser fatal para você perder um gol e o cara defender. Mas não teve um específico. Enfrentei bons goleiros na minha época.
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