Entenda por que a MP do Futebol editada por Bolsonaro é interpretada como mais um episódio da guerra declarada contra a Globo

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A assinatura da Medida Provisória 984/2020 publicada nesta quinta-feira por Jair Bolsonaro, que era esperada para ontem, no Palácio do Planalto, após a posse do ministro das Comunicações, Fábio Faria, parece mais um capítulo da guerra declarada à tevê Globo pegando carona na arrastada queda de braço do Flamengo, o clube mais popular do país, com a emissora. Assim interpretam deputados influentes ligados ao futebol com quem o blog conversou. Eles observam a legislação por um motivo simples: a MP divulgado em edição extra precisa ser aprovada no Congresso Nacional.

A dona dos direitos de transmissão dos principais torneios estaduais e nacionais do país é considerada inimiga pelo presidente da República. Entre outras determinações, a MP dá direito ao clube mandante a escolher a melhor operadora para veiculação do jogo, independentemente do acordo existente com o time visitante.

Exemplo do dia: o Bangu tem contrato com o Grupo Globo para exibição dos duelos válidos pelo Carioca. O Flamengo, não. Até ontem, a partida não poderia ir ao ar. Hoje, poderia, se a emissora assim desejasse. Não quis. Na prática, deve virar um presente de grego em curto e longo prazo.

Em entrevista ao blog, dois advogados especialistas em direito desportivo analisaram o caso. “A MP 984 traz mudanças significativas para o direito desportivo e a gestão do esporte. A transferência do direito de transmissão para o mandante da partida representa uma revolução no tocante às transmissões desportivas e abre a oportunidade para novas plataformas, nada obstante, deve ser lembrado que os contratos já celebrados devem ser respeitados (pacta sunt servanda)”, opina Maurício Correia da Veiga, especialista em direito esportivo e sócio do Corrêa da Veiga Advogados.

“Esta MP representa um risco para o futebol brasileiro, pois claramente é casuística, sem qualquer urgência ou relevância, que seriam seus pressupostos constitucionais. Se aceita, ela possibilitará que cada clube de futebol mandante do jogo tenha o direito de transmitir suas partidas, o que significará na prática que cada clube poderá fazer contrato exclusivo com uma emissora, sem depender dos demais”, comenta o advogado Eduardo Carlezzo, do escritório Carlezzo Advogados.

A perspectiva é embaraçosa. “Poderemos ter 20 emissoras diferentes transmitindo o Campeonato Brasileiro. Isso gerará aos clubes grandes super contratos, multimilionários, e os clubes médios e pequenos receberão apenas as migalhas que sobrarem, aprofundando o abismo financeiro no futebol brasileiro”, alerta Carlezzo.

Maurício Corrêa da Veiga acrescenta. “O ideal seria a previsão de negociação da coletividade dos clubes, pois desta forma todos eles sairiam fortalecidos e teriam mais força fazer valer suas reivindicações. Cumpre observar que o Projeto de Lei do Senado 68/2017 já trazia previsões no tocante as transmissões pela tevê e por streaming. Contudo, o referido PL continua paralisado no Congresso Nacional”.

O texto repete pontos do substitutivo aprovado na noite de quarta-feira que alterou regras do Profut, Lei Pelé e Estatuto do Torcedor, mas traz como principal diferencial justamente a mudanças a respeito do direito de arena ao afirmar que “pertence à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo”.

“Esta MP representa um risco para o futebol brasileiro, pois claramente é casuística, sem qualquer urgência ou relevância, que seriam seus pressupostos constitucionais. Poderemos ter 20 emissoras diferentes transmitindo o Campeonato Brasileiro. Isso gerará aos clubes grandes super contratos, multimilionários, e os clubes médios e pequenos receberão apenas as migalhas que sobrarem, aprofundando o abismo financeiro no futebol brasileiro”

Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito desportivo

Eduardo Carlezzo explica: “Até ontem, baseado na Lei Pelé, para que um jogo de futebol fosse transmitido pela tevê, a operadora deveria ter um contrato com os dois clubes participantes do jogo. Com base nesta nova regra, para a transmissão do jogo agora bastará que a operadora tenha contrato com o clube mandante, sendo irrelevante o fato de o outro clube ter um contrato ou não com a mesma operadora”, explica Eduardo Carlezzo.

O blog apurou que 0 tema do direito de arena vinha sendo discutido há tempos com o objetivo de democratizar, estimular a concorrência no mercado, mas surpreendeu ao sair em forma de MP. Os contratos mais recentes da Série A do Campeonato Brasileiro, por exemplo, foram negociados individualmente com os clubes pelos grupos Globo e Turner, dono do Esporte Interativo.

EFEITO COPA JOÃO HAVELANGE

Maurício Corrêa da Veiga vê brecha na MP, por exemplo, para que um clube faça (quase) tudo o que quiser, inclusive agir como o Vasco na decisão da Copa João Havelange de 2000, o Brasileirão da época. Em pé de guerra com a Globo, Eurico Miranda colocou Romário e companhia para entrar em campo com a logomarca do SBT, mesmo sem ter contrato com a empresa de comunicação do empresário Sílvio Santos. O Gigante da Colina foi campeão e deu visibilidade à concorrente da Globo numa final com picos de audiência.

“Esta questão do direito de arena e vedações impostas para quem transmite o espetáculo não deveria ser objeto de Medida Provisória. É para confrontar a Globo, me parece. Lembra a final de 2000, quando o Vasco colocou o SBT como patrocinador”, avalia em entrevista ao blog o advogado Maurício Correia da Veiga, especialista em direito esportivo e sócio do Corrêa da Veiga Advogados.

Eduardo Carlezzo também destaca a queda da proibição da comercialização dos espaços no uniforme com veículos de comunicação na camisa dos clubes. “A MP acaba com a restrição de patrocínio ao clube de futebol por um canal de televisão”, observa.

“Esta questão do direito de arena e vedações impostas para quem transmite o espetáculo não deveria ser objeto de Medida Provisória. É para confrontar a Globo, me parece. Lembra a final de 2000, quando o Vasco colocou o SBT como patrocinador”

Maurício Correia da Veiga, advogado especialista em direito esportivo

Há outros exemplos. Em 2016, o Flamengo separou o streaming da renovação de contrato do Brasileirão com a Globo. O clube renovou com a emissora até 2024, mas o CEO Fred Luz revelou em entrevista ao diário Lance! à época que o rubro-negro o acordo não incluía a exibição de jogos pela internet. Assim, ficaria livre para fechar com outra empresa.

“Alguns ativos que antes eram propriedade da Globo estão desbloqueados nesse contrato, que são placas, direito de streaming, direitos de venda direta eventualmente e direito internacional. Mas isso é a partir de 2019. Temos agora três anos para aprender como se vende isso”, explicou em 2016.

Em entrevista à Band nesta quinta, Rodolfo Landim disse que a questão dos diretos de arena foi discutida em um almoço, na quarta-feira, no Palácio do Planalto. Bolsonaro jogou verde e colheu maduro para suas intenções. “Ontem, conversamos com o presidente, na posse do ministro das Comunicações, e ele (Bolsonaro) convidou a mim e também ao Felipe Melo e o ministro (Fábio Faria) para almoçar. Ele perguntou: ‘E aí, vai voltar o futebol, e o televisionamento?’. Expliquei, em detalhes, que tínhamos um problema na legislação que os dois clubes precisavam aprovar”, revelou.

“Falei para o presidente como ocorrem em vários outros países, que o mandante tem o direito de transmissão de seus jogos. O Flamengo vai jogar agora à noite contra o Bangu, então o Bangu, se vender o direito para alguém, terá direito de transmitir”, completou. A regra da Liga MX, do México, é uma das inspirações da MP. Os time vendem seus jogos para o veículo que quiserem sem vínculo com outras agremiações.

DIREITO DE ARENA

A MP diz, ainda, que “serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, como pagamento de natureza civil, exceto se houver disposição em contrário constante de convenção coletiva de trabalho”.

Contatado pelo blog, o presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol, Felipe Augusto Leite, fez críticas ao trecho da MP que diz respeito aos jogadores. “Achei um equívoco o presidente (Jair Bolsonaro) querer que os clubes voltem a pagar o direito de arena. Eles não estão pagando nem os salários, fundo de garantia, previdência, recolhimento de imposto de renda, e agora vai deixar o direito de arena para os clubes pagarem?”, questiona o dirigente.

“Serão outras milhares de ações trabalhistas. Isso já aconteceu anos atrás, foi uma experiência desastrosa. A Fenapaf tentará convencer o presidente e o Congresso de que essa decisão é equivocada. Vamos tentar levantar a categoria. O pior de tudo é tratar esse assunto em plena pandemia”, avisa Felipe Augusto Leite.

“Achei um equívoco o presidente (Jair Bolsonaro) querer que os clubes voltem a pagar o direito de arena. Eles não estão pagando nem os salários, fundo de garantia, previdência, recolhimento de imposto de renda, e agora vai deixar o direito de arena para os clubes pagarem?. Serão outras milhares de ações trabalhistas. Isso já aconteceu anos atrás, foi uma experiência desastrosa”

Felipe Augusto Leite, presidente da Federação Nacional dos Atletas de Futebol Profissional (Fenapaf)

Maurício Corrêa da Veiga também aponta problemas. Outra questão pouco debatida foi a exclusão da participação dos sindicatos no repasse do direito de arena que, com a nova previsão legal passa a ser feito diretamente pelo clube detentor do direitos de transmissão. Provavelmente a Medida Provisória poderá ser uma alavanca para que os projetos de lei de temática desportiva sejam aglutinados e finalmente votados.”

Do ponto de vista legal, uma medida provisória tem força de lei com efeitos imediatos. Entretanto, depende de aprovação do Congresso Nacional para virar definitiva. O prazo de vigência é de 60 dias, podendo ser prorrogada por mais dois meses e validade máxima de 120 dias. Se não for aprovada em 45 dias, a partir da sua publicação, ou seja, 18 de junho de 2020, essa MP Trancará a pauta de votações da Câmara ou Senado, até a votação.

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Marcos Paulo Lima

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