O futebol está viúvo. A notícia da morte de Johan Cruyff foi um duro golpe no coração de quem ama esse esporte que o eterno camisa 14 revolucionou dentro de campo, como jogador, e fora dele, no papel de treinador. Antes de colocar a chave na ignição do DeLorean do Doutor Brown e de Marty McFly e de convidá-lo para um momento “De volta para o futuro” em homenagem a quem foi gênio com a bola nos pés e a prancheta nas mãos, uma confissão. Apaixonado pela escola holandesa, sou fã de carteirinha do Johann Cruyff. Para mim, o futebol perdeu um dos maiores corneteiros de plantão. Aquele cara que driblava os discursos politicamente corretos e dizia o que pensava. Cruyff estava sempre com a língua envenenada para detonar duas de suas paixões: o Barcelona e a Holanda. Ele tinha moral de sobra para falar o que quisesse. O cara arrasou o Real Madrid duas vezes no Campeonato Espanhol – uma como jogador e outra no papel de técnico – pelo mesmo placar: 5 x 0. Pep Guardiola também, ok, mas hoje é dia de chorar pitangas pela perda da lenda Johan Cruyff…
Minha viagem ao túnel do tempo o convida a dois passeios. O primeiro à temporada de 1973/1974. A Espanha vivia os últimos anos do franquismo, a ditadura do general Francisco Franco. Doente na época do clássico em questão, ele morreria em 1975. Enquanto isso, a Catalunha testemunhava o renascimento do Barcelona sob a batuta de dois holandeses: o lendário técnico Rinus Michels, que um dia também terá capítulo no meu fundo do baú, e Johann Cruyff. O Barça começava a ser influenciado pelo futebol total.
O clube azul-grená não conquistava o Campeonato Espanhol havia 14 anos. Durante a seca, o Real Madrid reinou soberano. Ganhou nove nacionais, duas Copas dos Campeões da Europa – atual Champions League – e duas Copas do Generalíssimo, rebatizada de Copa do Rei. A história começou a mudar em 17 de fevereiro de 1974. Com a camisa 9 às costas, Cruyff comandou o concerto do Barcelona no Estádio Santiago Bernabéu. Asensi abriu o placar. No segundo gol, Cruyff deixou a plateia de boca aberta ao dominar a bola entre quatro marcadores e fuzilar o goleiro García Remón com uma finalização de canhota. No segundo tempo, novamente Asensi, Juan Carlos e Sotil completaram o massacre. Cruyff vestia a camisa do Barcelona, mas poderia estar do outro lado. Em 1973, o símbolo do Ajax bicampeão europeu rejeitou uma oferta do Real Madrid.
Duas décadas depois dos 5 x 0 no Santiago Bernabéu, lá estava Johann Cruyff novamente cara a cara com o Real Madrid. Agora, em seu palco predileto, o Estádio Camp Nou. O craque virou técnico do Barcelona. Batizado de Dream Team após a conquista inédita da Liga dos Campeões da Europa da temporada de 1992/1993, em cima da Sampdoria, a constelação contava com o catalão Guardiola e o holandês Koeman na retaguarda, o búlgaro Stoichkov e o dinamarquês Laudrup no meio e Romário no ataque. Sem contar o goleiraço Zubizarreta…
Em 8 de janeiro de 1994, Cruyff se viu reencarnado em campo no corpo do camisa 10 Romário. Livre, leve e solto depois de ser o salvador da pátria ao classificar o Brasil para Copa dos EUA com dois gols sobre o Uruguai, no Maracanã, o Baixinho esmagou o Real Madrid com três gols. O primeiro deles, uma pintura, após passe de Guardiola. Koeman, de falta, e Iván completaram a goleada. À beira do campo, o técnico Johan Cruyff erguia a palma da mão direita aos súditos exibindo o número 5. Vinte anos depois, o discípulo de Rinus Michels igualava o mestre.
DUPLA FACE
Duas obras primas de Johan Cruyff no Superclássico espanhol
» Como jogador
17/8/1974 – Real Madrid 0 x 5 Barcelona
Sistema tático: 4-3-3
Mora
Costas
Rifé, Costas, Torres e De la Cruz
Marcial, Juan Carlos e Asensi
Rexach, Cruyff e Sotil
Técnico: Rinus Michels
Custo
Contratado pelo equivalente a 2 milhões de euros, Cruyff conquistou como jogador apenas o Espanhol na temporada de 1973/1974 e a Copa do Rei da Espanha em 1977/1978.
Benefício
Cruyff deu muito mais retorno como técnico. Foram quatro Espanhóis, uma Copa do Rei, três Supercopas da Espanha, uma Copa dos Campeões, uma Supercopa da Uefa e uma Recopa.
» Como técnico
8/1/1994 – Barcelona 5 x 0 Real Madrid
Sistema tático: 4-1-4-1
Zubizarreta
Ferrer, Nadal, Koeman e Sergi
Guardiola
Goikoetxea, Bakero (Iván), Amor e Stoichkov (Laudrup)
Romário
Técnico: Johan Cruyff
Vira casaca
Na goleada de 1994, o atual técnico do Barcelona, Luis Enrique, era meia do Real Madrid, que contava, ainda, com Michel, Zamorano, Hiero, Proscinecki e “el matador” Butragueño.
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