Dizem que os sul-americanos são emotivos e os europeus, frios. Há controvérsias. O fato é que as opiniões de um técnico brasileiro e de um alemão mostram diferentes maneiras de enxergar o futebol em tempos de pandemia do novo coronavírus. Falo de Luiz Carlos Cirne Lima de Lorenzi, o Lisca, 48 anos, do América-MG; e de Jürgen Norbert Klopp, 53, do Liverpool.
Angustiado com os números da segunda onda da covid-19 Lisca teve coragem de sair do discurso politicamente correto e desabafou contra a publicação da tabela da Copa do Brasil 2021. A competição nacional está prevista para começar nesta terça-feira. Paralelamente, o país registra quase duas mil mortes por dia causadas pelo vírus invisível.
“Vou aproveitar para fazer um apelo às autoridades do Brasil, principalmente à CBF. É quase inacreditável que saiu uma tabela da Copa do Brasil hoje com 80 clubes para o dia 10, dia 17, que vamos levar jogador com delegação de 30 jogadores de um lado para outro do país. “Nosso país parou, gente. Não tem lugar nos hospitais, eu estou perdendo amigos, amigos treinadores. É hora de segurar a vida. Aqui no (Campeonato) Mineiro tudo bem, é mais perto, mas como vão levar delegação do norte para o Sul. Presidente Caboclo, pelo amor de Deus, Juninho Paulista, Tite, Cleber Xavier, autoridades. Nós estamos apavorados”, reclamou.
Da sensibilidade do controverso Lisca ao pragmatismo de Jürgen Klopp. Ao comentar a possibilidade de perder jogadores para as seleções que disputam as Eliminatórias para a Copa 2022, o técnico alemão mostrou mais preocupação com jogadores, atletas, máquinas, do que com vidas. A preocupação é menos com o risco de Alisson, Fabinho, Roberto Firmino, Sané, Salah, Diogo Jota e outros tantos serem infectados no vaivém aos seus países e mais com a possibilidade de não tê-los em partidas relevantes da Premier League e da Champions League.
“Compreendo as necessidades das diferentes federações, mas esta é uma altura em que não podemos deixar todos felizes e temos de admitir que os jogadores são pagos pelos clubes, o que significa que temos de ser a primeira prioridade”, reivindicou Jürgen Klopp.
Há erros e acertos nos discursos de Lisca e de Klopp. O técnico do América-MG tem todo direito de ser sensível. Está correto ao reivindicar que os estaduais continuem e a CBF segure um pouquinho o início da Copa do Brasil. Simples assim. Um dos erros é ter saído do ônibus do América-MG, em novembro do ano passado, depois de eliminar o Internacional nas quartas de final da Copa do Brasil, para festejar a classificação sem máscara com a torcida. O outro é ter aceitado o carimbo de “doido” incorporado ao nome profissional. Embora Lisca tenha sido de uma sensatez digna de aplausos de pé, o adjetivo pesa — e muito — na hora de levar o discurso a sério.
Klopp é um baita técnico. Sou fã dele. Porém, mostrou-se egoísta e um tanto frio, sim, ao pensar nos jogadores, não em seres humanos. O correto seria ele dizer que Alisson, Fabinho, Roberto Firmino, Sané, Salah, Diogo Jota e companhia não devem tirar os pés de Liverpool porque atletas não são máquinas, ou seja, também são feitos de carne e osso. O discurso de que os clubes pagam os salários e devem ser prioridade é óbvio, mas, para mim, soou egoísta, arrogante, prepotente e desrespeitoso com o trabalho de amigos profissionais empregados em seleções a essa altura da pandemia. É preferível o diálogo. Sempre. Mas tanto Lisca como Klopp preferiram o caminho mais veloz na era digital: a pressão via discurso midiático.
No fim das contas, Lisca conseguiu despertar o Ministério Público, que estuda recomendar à CBF a suspensão de todas as competições. Klopp jogou a bomba nas mãos da Fifa e da Conmebol. É possível que os jogos de março das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Qatar 2022 sejam adiados.
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