A demissão do técnico Renato Gaúcho do Flamengo na tarde desta segunda-feira é mais um desses exemplos de como o mundo da bola é contraditório, insano e dá voltas. No fim de 2018, Portaluppi, em baixa no Grêmio depois de ganhar apenas o Campeonato Gaúcho e a Recopa Sul-Americana, era o preferido da situação e da oposição para assumir a prancheta rubro-negra no triênio 2019-2021. Na corrida eleitoral à sucessão de Eduardo Bandeira de Mello, o treinador recebeu sondagens do candidato da situação, Ricardo Lomba, e da oposição, encabeçada pelo vencedor Rodolfo Landim. Renato escolheu permanecer em Porto Alegre. Abel Braga ficou com o cargo, depois veio Jorge Jesus e o resto da história você sabe…
A cinco dias da escolha do novo presidente, Renato Gáucho voltou a ser o centro das atenções nas eleições do Flamengo. Agora, ninguém o quer no Ninho do Urubu. Favoritaço no pleito, Rodolfo Landim fez questão de livrar-se logo de quem o fez amargar o vice na final Libertadores contra o Palmeiras. Escolheu afastar o risco de zebra nas urnas neste sábado. Situação e oposição rubro-negras estão novamente do mesmo lado e desafiam aquela teoria de Nelson Rodrigues segundo a qual a “unanimidade é burra”.
Não acho Renato Gaúcho mau técnico. Longe disso. As passagens pelo Fluminense em 2008 e no Grêmio em 2013 e depois de 2016 a 2021 provam isso. O cara foi vice da Libertadores pelo tricolor carioca e levou o time ao título da Copa do Brasil em 2007. Foi campeão do mata-mata nacional e continental no Imortal. Vice do Brasileirão 2013.
Teve raros, mas bons momentos, também, no Flamengo. A questão é a língua indomável de um técnico que insiste em se comportar como boleiro. O que ele diz se volta contra ele. Sim, ele é bom nisso, tem boas tiradas, mas a profissão exige, hoje, bem mais do que gracinhas.
Renato Gaúcho é demitido com 25 vitórias em 38 jogos e aproveitamento de 73%, mas não correspondeu nas semifinais da Copa do Brasil, na final da Libertadores e errou muito na maratona do Brasileirão
Renato Gaúcho insiste em não se reciclar. Não aceita interagir com algo mais moderno do que os conceitos empíricos aos quais tanto se apega. É possível, sim, curtir a praia, e ter aulas em potências da Europa. Aprimorar-se, como fez Tite depois que deixou o Corinthians em 2013. Ele voltou outro. Interagiu com escolas superiores à nossa e sobrou no Brasileirão de 2015, a ponto de tornar-se o favorito a herdar a vaga de Dunga na Seleção Brasileira.
O primeiro passo para a retomada da carreira de Renato Gaúcho é parar de ironizar colegas de profissão estudiosos e procurar ajuda para corrigir erros gritantes expostos na passagem dele para o Flamengo. Do meio para a frente, o time era um. Do meio para trás, outro. A transição defensiva do Grêmio era ruim. No Flamengo, piorou com tomadas de decisões confusas e até certo ponto arcaicas, como recuar para defender resultado tendo nas mãos um elenco, na maioria das vezes, infinitamente superior ao dos adversários. Atlético-MG e Palmeiras são raras exceções. Renato conseguiu perder para o limitadíssimo Alberto Valentim.
A final da Libertadores expôs ainda mais a má fase de Renato Gaúcho. O lateral-esquerdo Filipe Luís e o meia Diego passaram a se comportar na beira do campo como assistentes. Gritavam, tentavam orientar os companheiros nos momentos difíceis da decisão contra o Palmeiras. Um constrangedor sinal de que a confiança nas ideias do técnico não mais existia. O time de R$ 200 milhões estava entregue a um Ground Committeé, um corpo técnico formado por dois ou mais indivíduos que respondiam pelo time nos primórdios do futebol no país.
O ex-técnico do Flamengo não precisava ganhar Libertadores, Brasileirão e Copa do Brasil, mas algo deveria. Rogério Ceni teve gana depois das eliminações contra o São Paulo nas quartas do mata-mata nacional e diante do Racing nas oitavas do torneio continental. Brigou até o fim pelo bi do Brasileirão e conseguiu. Fiel ao discurso nada ambicioso de “quem tudo quer, nada tem”, Renato tirou contaminou o Flamengo com sua falta de gana. Fracassou e chegou a pedir demissão depois da eliminação na Copa do Brasil, desperdiçou as oportunidades de encostar no Atlético-MG em busca do título e levou baile de Abel Ferreira na final da Libertadores.
E pensar que, no meio do ano, o presidente Jair Bolsonaro teria pedido a cabeça de Tite ao presidente Rogério Caboclo e pedido Renato Gaúcho como substituto na Copa América em meio à crise provocada pelo Manifeste de Assunção e a escolha de última hora do Brasil como sede da Copa América em substituição aos anfitriões originais Argentina e Colômbia. Renato teve um elenco de R$ 200 milhões nas mãos para provar de vez que estava pronto para realizar o sonho maior de assumir a Seleção Brasileira, mas mostrou que está muito aquém do patamar deixado por Jorge Jesus — a sombra de todos os técnicos rubro-negros pós-2019.
Em 2018, Rodolfo Landim usou Renato Gaúcho como promessa de campanha. Três anos depois, entrega a cabeça de um técnico fragilizado por três fracassos a 40 milhões de torcedores para salvar a cabeça dele, Landim, nas eleições deste sábado. Assim é o futebol.
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