Como a semente do mal foi plantada na Seleção e deixa participação da Copa América em xeque

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Enquanto elenco comemora com Bolsonaro em 2019, Tite se esquivava. Foto: Ed Alves/CB/D.A Press

 

Não é tão difícil montar o quebra-cabeça e entender o risco de boicote, sim, essa é a palavra, risco de boicote da Seleção Brasileira principal à Copa América. Direito dela, diga-se de passagem. Futebol não é somente jogar bola. Aos poucos, alguns atores desse e de outros esportes entendem isso. Retornemos a 7 de julho de 2019. Naquele início de noite, no Maracanã, Tite e parte dos jogadores tiveram comportamentos distintos na cerimônia de premiação depois da conquista do título contra o Peru.

As tevês flagram a cena. O técnico da Seleção ignorou o presidente da República, Jair Bolsonaro. O político colocou a medalha no pescoço dele, tentou acariciá-lo, mas Tite ficou o tempo inteiro de cabeça baixa e saiu pela tangente. Na sequência, abraça e é abraçado pelo presidente da CBF, Rogério Caboclo, com um beijo no rosto. Aí, sim, abre um sorriso.

Em 2018, Tite manifestou-se contra qualquer possibilidade de encontro com o presidente da República em caso de conquista: “Não, minha atividade não se mistura. Eu não me sinto confortável. Eu tenho opinião, mas não devo opinar. Sei da minha posição. Não quero misturar, não se mistura enquanto esporte. Da minha parte, não”, comentou sobre a presença de Jair Bolsonaro no gramado do Allianz Parque, em São Paulo, na festa do título do Palmeiras no Brasileirão de 2018.

Paralelamente, vários jogadores, entre eles, o sincerão Richarlison, que pode ter mudado de lado na guerra ideológica, Everton “Cebolinha”, o zagueiro Miranda, entre outros, posavam sorridentes ao lado de Bolsonaro, que abraçava o troféu da Copa América como se fosse uma conquista pessoal. Atitude no mínimo inapropriada.

Eis o primeiro ponto. Há, sim, questões ideológicas. Tite é contra o atual governo. Parte do elenco, não. Neymar, por exemplo, foi recebido por Bolsonaro aqui em Brasília depois de sofrer lesão naquela vitória por 2 x 0 contra o Qatar, no Mané Garrincha, no penúltimo amistoso antes da estreia na Copa América 2019.

Foi justamente Jair Bolsonaro quem abriu as portas de um Brasil pandêmico — 468 mil mortos — à Copa América. O torneio seria na Argentina e na Colômbia, mas um enfrenta grave crise sanitária e o outro, política. Certamente, o posicionamento do presidente da CBF, Rogério Caboclo, desagradou a Tite. Enquanto as negociações ocorriam entre a entidade máxima do futebol brasileiro, a Conmebol, a Presidência da República e os governadores, os jogadores ficavam amordaçados na Granja Comary, em Teresópolis. Entrevistas coletivas foram suspensas para evitar crítica ao evento.

 

 

Tite não apoia Bolsonaro. Os líderes do elenco, sobretudo os europeus, sentiram-se incomodados com a censura. Juntou-se a fome com a vontade de comer. Um Tite contrário ao atual governo, direito dele como cidadão, com a irritação de um elenco caríssimo que não tolerou a condução das negociações pelo estafe do presidente Rogério Caboclo. Some-se a isso tudo o cansaço dos jogadores europeus. Eles são 21 entre os 24 convocados para essa Data Fifa. Não é de hoje que quem atua lá torce o nariz para jogar a Copa América.

Paralelamente, há questões pessoais fermentando demais. De um lado, o rompimento de Neymar, agora garoto-propaganda da alemã Puma, com a norte-americana Nike devido a uma suposta denúncia de assédio sexual.

Do outo, um presidente da CBF agindo desesperadamente para evitar que a casa dele caia. Vazamentos internos de áudios divulgados pelo colega Pedro Ivo Almeida no UOL colocam o dirigente na berlinda. Na sequência, anúncio de auxílio financeiro para as federações e os clubes das séries D e C e negociação com Bolsonaro para dar asilo à Copa América. Decisões tomadas sem consultar Tite. Ignorando jogadores. Amordaçando todos eles desde a última segunda-feira.

A primeira entrevista da semana foi a de Tite. Com promessa de que, na terça-feira, depois do jogo contra o Paraguai, o posicionamento dele, da comissão técnica e dos jogadores ficará claro. A semente da discórdia, aquela que divide um país, dividiu a Seleção. Um ambiente aparentemente pacífico ficou pesado. Vencer o Equador nesta sexta-feira, em Porto Alegre, pela sétima rodada das Eliminatórias, é o primeiro passo para torná-lo um pouco mais leve. A pressão interna certamente aumentou. Pode deixar “mortos e feridos”.

Em tempo: a resposta seca, curta e grossa de Tite confirmando sondagens da CBF a Xavi e a Muricy Ramalho para fazerem parte da comissão técnica dele, deixa uma pulga atrás da orelha. Há um clima de fritura? De bobo, Tite não tem nada. Deu tempo de entender como funciona a casa do futebol brasileiro.

 

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