Campo dos negócios: quatro executivos analisam a parceria entre o Banco de Brasília e o Flamengo

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O que os executivos do futebol acharam da parceria entre o Branco de Brasília (BRB) e o Clube de Regatas do Flamengo? Até que ponto é inovadora, revolucionária? Qual é o maior risco desse modelo? Qual é a chance de dar certo para os dois lados, um deles ou nenhum?

Na tentativa de responder essas e outras perguntas, o blog pediu que quatro executivos analisassem o que se sabe sobre o acordo entre a instituição financeira estatal e o time carioca. A  linha dos “quatro atacantes” que toparam falar sobre o tema está escalada com Amir Somoggi, Erich Beting, Adauto Gudin e Gustavo Herbetta.

Confira a seguir detalhadamente o que cada um deles pensa sobre o acordo oficializado quarta-feira (2/7) na Gávea, sede do Flamengo. O BRB debutou na camisa do clube na vitória por 2 x 0 sobre o Boavista, no Maracanã, pela última rodada da fase de grupos da Taça Rio, o segundo turno do Carioca.


AMIR SOMOGGI

Administrador de empresas, sócio da Sports Value Marketing Esportivo

Não acho nada de revolucionário. A maior revolução é o Flamengo conseguir um contrato tão bom desse em meio a uma pandemia. O patrocínio mundial vai cair 37%. Claro, muito concentrado em alguns setores, como veículos e setor financeiro. O Banco de Brasília resolve entrar bem no meio da crise, o que parece muito bom. Acho que tem muito de política nesse acordo, mais do que simplesmente uma visão técnica.

O Banco de Brasília já era parceiro do clube no basquete e optou por crescer o investimento. Não acho errado, mas não acho uma revolução. Até porque, antes era um banco digital (BS2), antes era a Caixa, tem o Banrisul, e não vejo nenhuma revolução nesses bancos que entraram no futebol e vão sair quando perceberem que não têm retorno.

No caso dos ganhos, o Flamengo vê muito ganho financeiro nesse momento de pandemia em um momento de corte tão pesado de receitas. A saída do BS2 e a entrada do BRB acaba sendo positiva, mas o impacto não é tão grande ao ponto de a gente falar em revolução. O que eu acho bom para o clube é esse dinheiro, e que ele consiga converter a base de torcedores em consumidores da marca do banco para ele poder ganhar mais.

Um desafio é que, se você está buscando um público jovem, e esses bancos muitas vezes querem clientes jovens, geração Y por exemplo, até 35, 38 anos, esse cara não vê jogo de futebol na tevê. Esse cara não assiste tevê fechada. Tá no YouTube, na internet, nas redes sociais vendo vídeo, jogando games. A marca está gastando uma fortuna para patrocinar camisa, quando, na verdade, a visibilidade vai ser em highlights, melhores momentos, os estudos mostram isso.

Se você quer falar com público jovem, não precisa gastar um caminhão de dinheiro para patrocinar a camisa de um clube. Você pode ser muito mais efetivo com ferramentas muito mais ligadas ao envolvimento digital desse consumidor dentro de uma plataforma mais criativa.


ERICH BETING

Fundador da Máquina do Esporte, consultor de marketing esportivo e comunicação

Essa parceria do Flamengo com o BRB repete o próprio modelo que havia tido com o banco BS2. Não é revolucionário. Ele começou, na verdade, em 2017, quando o Banco Inter fechou com o São Paulo. Ali, sim, como um modelo mais revolucionário. Atendia a um interesse muito claro e próprio do banco. O banco queria aparecer bastante e usou a credibilidade do futebol, exposição de marca, a massificação a partir da torcida para ter o acordo.

A partir daí, conseguiu ter essa exposição e criou um modelo que tinha um fixo mais baixo e um variável mais alto pela abertura de contas e, principalmente, o uso das pessoas dessa conta. Era um modelo de pouco risco para o banco e ganho total para o clube, que não tinha esse serviço, passar a oferecer ao torcedor. Se o torcedor engaja, ele ganha dinheiro. O modelo de 50% a 50% do lucro dessa operação sem custo fixo para ter a conta. O São Paulo fez isso em 2017.

Os outros clubes foram fechando nessa esteira quando a Caixa saiu do futebol em 2019 na mudança de presidência da República. Abriu-se espaço para que esse modelo fosse replicado por todo mundo, entre eles, o banco BS2 com o Flamengo. A diferença desse negócio é que ele conseguiu um alto valor fixo, que era algo que os clubes não estavam conseguindo antes.

Podemos discutir várias formas de como o Flamengo conseguiu ter essa força de marca, política, para conseguir esse acordo, mas ele fez uma ótima negociação. Reduz muito o risco do Flamengo nisso. Consegue ganhar um valor alto pelo patrocínio de camisa e, se a operação que ele tiver de criar o banco digital com o BRB tiver bastante adesão de torcedor, bastante movimentação da conta, ele vai ganhar mais dinheiro. Só tem a ganhar nisso. O “risco todo” está com o BRB, mas é um risco calculado. O banco nunca teve tanta projeção assim.

Outa coisa importante do modelo de negócio para o banco é passar a ter as contas do Flamengo. Vai ter folha de pagamento. Todos os atletas abrirão conta no banco, vai movimentar dinheiro. Isso não é nenhum crime. É saber negociar bem um contrato de parceria para os dois lados. O banco e o Flamengo se dão bem.

O que a gente pode questionar, aí sim, é a eficácia de um modelo como esse. Se fosse muito bom, o Flamengo e o BS2 não teriam desistido dele, e basicamente desistiram. O Flamengo achou alguém que pagasse mais e o BS2 achou que não valeria a pena cobrir essa oferta. Ele ainda é um modelo para os bancos digitais crescerem, conseguirem movimentação de dinheiro, adesão das pessoas, fazerem com que a gente saia do banco tradicional e leve o dinheiro para digital. É um processo lento e difícil de acontecer. Esse é o risco desse negócio.

Agora, como estratégia para a marca do BRB crescer, lançar o banco digital, lançar os serviços, ela é um tiro certo. Você está pegando o clube mais popular do Brasil, que está na crista da onda em performance. Muita gente acha que esse negócio vai se pagar pelo que ele vai gerar de conta. Com certeza o banco está olhando o quanto ele não está investindo em mídia para ser tão falado. Isso acaba valendo para ele pela exposição, geração de mídia e negócio gerado com o clube com essa questão de conta bancária.


ADAUTO GUDIN

Fundador e CEO da Patrocínio Brasil

É um ótimo contrato. São cerca de R$ 32 milhões por ano com gatilhos, possibilidades de ser mais. Estamos em um momento de desinvestimento por causa da pandemia. A parceria entre bancos e clubes é uma tendência mundial há algum tempo. Atrelar sua marca a uma paixão das pessoas, que é o futebol, é um diferencial. Vincular isso à marca de um clube é sensacional.

Existem algumas coisas interessantes nesse projeto do BRB com o Flamengo. Ativações, ações como abrir uma agência dentro da Gávea. Isso é bom para o banco, que só tem um ponto de atendimento no Rio de Janeiro todo, uma cidade muito grande. Toda folha de pagamento será feita pelo BRB. Isso é interessante, mas nada de inovador, os outros bancos têm feito. E a integração de produtos digitais. Isso tem metas e o Flamengo tem participação, mas não é inovador. O BMG, o Banco Inter, o próprio BS2 costumam procurar os clubes para aumentar a sua base de clientes e vender novos produtos para ter maior rentabilidade.

Para o BRB, sim, é inovador. É um banco muito local. Para eles, é um ganho absurdo. Vão se tornar conhecidos rapidamente. Essa é uma grande vantagem do patrocínio esportivo. Pegam um momento sensacional do Flamengo, que vem desde o ano passado. Vamos ter um segundo semestre com muitos jogos, então eles terão uma exposição de marca absurda.

A MP 984/2020 também dá mais liberdade ao clube para expor a marca nas redes sociais, na FLA TV, isso pode gerar um novo tipo de ação que a gente não conhece. Isso vai ser turbinado pela Medida Provisória, que pode dar ao patrocinador e ao Flamengo novas forma de visibilidade de ativação de marca que podem ser muito bem trabalhadas.

Esse modelo já foi testado e funcionou em outros clubes. O maior risco é atingir os números que o patrocinador e o Flamengo estimam. A meta é 1,5 milhão de contas digitais, 3 milhões de cartão de crédito pré-pago e transações financeiras que atinjam R$ 5 bilhões no primeiro ano de contrato. O banco tem, hoje, cerca de 750 mil clientes e terá acesso à plataforma de dados do programa de sócio-torcedor do Flamengo.

O risco é não atingir todas essas metas. Se elas são essenciais, pode colocar de alguma forma em risco. Acho que não é o caso desse projeto. O BRB tem experiência em patrocínio esportivo, trabalha com o Flamengo no basquete e em outros projetos. O banco sabe trabalhar bem com números e projeções. O outro risco é a crise financeira, de ela se prolongar e o BRB não crescer dentro da base do Flamengo por causa da situação econômica do país, as pessoas não conseguirem consumir.

O Flamengo deu upgrade no patrocínio máster, isso é uma mensagem forte para o mercado no meio de uma pandemia. O BRB negociou e tirou a Amazon da parada, que negociava havia seis meses. O banco foi alçado ao patamar da Amazon, a menos na negociação do patrocínio. A mensagem para o torcedor é de que o BRB é uma marca forte, tem dinheiro para investir e está comprando o espaço de patrocínio mais caro do Brasil.

A chance de não dar certo para os dois lados é bastante pequena. O Flamengo está num momento bom, o banco é uma instituição sólida, não é um valor que vai pesar no caixa. Não é uma empresa aventureira no mercado. Tem histórico de patrocínios. Não é uma startup que está começando e vê no patrocínio uma forma de se comunicar e divulgar a marca rapidamente. O Flamengo desistiu das negociações com duas marcas maiores e mais conhecidas que eram a Amazon e o grupo Americanas por uma opção segura em uma marca conhecida de um setor que está crescendo.


GUSTAVO HERBETTA

CCO da Lmid, empresa especializada em marketing esportivo e ex-diretor do departamento de marketing do Corinthians

A parceria Flamengo/BRB, pelo o que foi noticiado na mídia, segue nos mesmos moldes de todas as parcerias realizadas pelos times no momento pós-saída da Caixa, e que envolvem fintechs e times de futebol, com uma garantia mínima pelo espaço e bônus atrelado à performance.

Esse modelo foi adotado por times como Athletico-PR, Corinthians, São Paulo, Vasco, Cruzeiro, Atlético-MG e o próprio Flamengo na parceria com a BS2. Importante ressaltar que a parceria do São Paulo com o Banco Inter antecede esse movimento e é a de melhor resultado até hoje.

Esse tipo de parceria é uma tendência adotada por esses grandes clubes, que se viram sem o aporte em suas principais propriedades e apostaram em um modelo de conversão e engajamento de seus torcedores na busca para atingirem os valores que possuíam nos seus contratos com a Caixa.

É um modelo interessante pelo ponto de vista de passar a enxergar o futebol como uma vertente de converter novos consumidores para seus parceiros, porém, só haverá efetividade quando ambos os lados, empresa e time, entenderem que esse funil de atratividade envolve muito mais esforço, foco e atividades de marketing que habitualmente utilizam.

Não são contrapartidas de visibilidade que irão fazer um torcedor, por mais fanático que seja, mudar seu hábito e sua forma de se relacionar em uma categoria tão delicada e que carrega atributos como credibilidade, segurança de dados, capilaridade e atendimento. Para que isso ocorra, deve haver plano estratégico de marketing e ativações de longo prazo, principalmente no âmbito digital, que reforcem isso.

Será que um torcedor do Flamengo, que possui sua conta salário em um banco tradicional, onde ele já tinha um relacionamento físico ou digital, irá migrar automaticamente e também passar a transacionar o seu dinheiro no Banco de Brasília? A premissa e o potencial para que isso aconteça existe, mas só o tempo e, principalmente, o plano implementado, vão mostrar se o acordo foi efetivo também para a empresa e não somente para o clube.

Em termos financeiros, pelo que foi divulgado, o clube volta a ter um patrocinador máster nos moldes que tinha no acordo com a Caixa, em se tratando de valores.


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Marcos Paulo Lima

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