A reconstrução financeira do Flamengo elevou o sarrafo do clube a níveis, sonhos e megalomanias europeias. A diretoria não vê os clubes nacionais e sul-americanos no mesmo patamar no mercado. Decidiu bater de frente do outro lado do Oceano Atlântico até no ranking das tevês dos clubes no YouTube. Só está atrás do Barcelona e do Real Madrid. Consequentemente, as maiores derrotas e aprendizados na vitoriosa gestão de Rodolfo Landim são impostas por tropas (nem sempre) de elite do Velho Continente.
Em campo, o Flamengo perdeu para o Liverpool na final do Mundial de Clubes e sabe o que faltou para ir além de “jogar de igual para igual”.
No mercado, viu Mario Balotelli preferir a proposta do modesto Brescia da Itália à oferta rubro-negra. Dirigentes do clube abriram negociação e foram ao encontro do estafe do centroavante, em Mônaco, numa operação frustrada. O jogador pediu grana demais. No fim das contas foi um livramento para o caixa rubro-negro. Em contrapartida, convenceu a Internazionale a vender Gabigol em definitivo.
Nesta sexta-feira, sofreu o maior revés ao perder o técnico-ídolo Jorge Jesus para um Benfica quebrado financeiramente e em grave crise política. A estranha, mas esperada saída do Mister começou há duas semanas e está oficializada pelo clube carioca. Deixou claro que, para ele, Jesus, o Benfica — e não o Flamengo — está em outro patamar. Passou o recado de forma feia diga-se de passagem.
O Flamengo não comete nenhum pecado ao pensar grande. Afinal, é gigante. Mas a Europa sempre será o centro do mundo da bola. Resistir ou competir com uma oferta de lá, mesmo que seja do combalido Benfica, um clube bicampeão europeu que apequenou-se nas competições continentais e limita-se a competir com o arquirrival Porto e vez ou outra com o Sporting pelos troféus do futebol português, não é fácil. No caso específico de Jesus, pesa também o fato de voltar a trabalhar no próprio país, perto da família, numa equipe em que fez história ao empilhar 10 títulos e sem a pressão do alucinante, controverso e irracional calendário brasileiro.
Projetos ousados são sujeitos a vitórias e derrotas. Algumas doídas. Jorge Jesus mudou a história do Flamengo, mas o clube carioca também ressuscitou Jesus. Do contrário, o Benfica não viria arrancá-lo dos braços da “nação”. Não é a primeira nem a última vez que Jesus rescinde contrato. Foi assim ao trocar o Braga pelo Benfica, em 2009. Repetiu o ato no Al-Hilal. Agora, exerce o direito no Flamengo.
Do ponto de vista profissional, é direito dele o silêncio para refletir sobre a proposta salarial de R$ 18,5 milhões por ano e de escolher para onde ir. O erro do técncio foi avisar ao clube por último. Ou a diretoria sabia, fingiu-se de morta e esticou a corda para Jesus deixar o Brasil como Judas e ficar bem na fita com a torcida?
O adeus de Jesus é o primeiro anúncio de que o futebol europeu virá forte na próxima janela de transferências para desmontar o atual campeão do Carioca, Brasileirão, Libertadores, Supercopa do Brasil e Recopa Sul-Americana. O Flamengo recuperou Gabigol. Não se assuste se algum clube daquelas bandas tirar o atacante do Ninho do Urubu e conceder mais uma chance ao jovem refugo da Internazionale e do Benfica. Outros, como o excelente volante Gerson, podem seguir o mesmo caminho. Rafinha e Filipe Luís têm mercado. Volta e meia são sondados para retornar ao Velho Mundo. E não falei do Rodrigo Caio, o xerife da defesa rubro-negra.
Se havia pacto do elenco com Jesus, está quebrado. Além de buscar um técnico substituto – darei os meu pitacos mais tarde em outro post aqui no blog, o desafio é evitar a debandada e manter a coesão do fortíssimo elenco. O Liverpool deixou lições para dentro do campo. Brescia e Benfica, para a competitividade no mercado. Nem só de triunfos vive um campeão. É preciso aprender muito também com as derrotas.
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