Tite Tite: coleção de títulos e ano sabático para reciclagem na trajetória até a Seleção Brasileira. Foto: Corinthians

Tite na Seleção Brasileira ressuscita a meritocracia

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Se vai dar certo ou não, só o tempo dirá, mas a escolha quase unânime de Tite para a sucessão de Dunga na Seleção ressuscita uma palavrinha mágica que andava esquecida em vários segmentos da sociedade brasileira: meritocracia. Ultimamente, a nomeação para o cargo na CBF era na base do QI, o famoso quem indica. Ao contrário de Dunga e de Mano Menezes, catapultado em 2010 depois da recusa de Muricy Ramalho pela aproximação de Andrés Sanchez com Ricardo Teixeira, Tite suou bicas para assumir o cargo na base do que de fato deveria ser o diferencial: o trabalho. E Tite sabe que precisará mais do que nunca do trabalho para mostrar que é capaz de levar o Brasil do sexto lugar nas Eliminatórias ao hexa na Copa do Mundo da Rússia, em 2018.

Tite não é bobo. Sabe que depois do 10 x 1  — como prefiro chamar o 7 x 1 diante da Alemanha somado ao 3 x 0 contra a Holanda — qualquer resultado diferente da sexta estrela daqui a dois anos será considerado um fracasso. Ao contrário de Dunga, indicado pelo amigo Gilmar Rinaldi em 2014 numa lista que tinha Tite, Abel Braga, Muricy Ramalho e Marcelo Oliveira, o novo técnico da Seleção se preparou para subir degraus. Mais do que isso: respeitou o momento alheio. Soube, com paciência de Jó, esperar o seu.

Em 2012, fiz uma entrevista longa com Tite por telefone para o Correio Braziliense, um mês antes de ele levar o Corinthians à conquista do Mundial de Clubes da Fifa em cima do Chelsea. Um dos temas foi justamente o sonho dele de chegar à Seleção Brasileira. Tite respondeu: “Naturalmente as coisas vão acontecendo. Eu não imaginava nem ser técnico. Não imaginava parar de jogar futebol com 27 anos de idade. Grandes campanhas, grandes times, grandes títulos vão naturalmente me credenciando a isso. A única coisa que eu coloco é: deixem o profissional da Seleção Brasileira terminar o seu ciclo. Terminado 2014, com certeza vão estar olhando para o Tite e para outros profissionais que vão estar bem no momento. A minha ambição depois de 2014, sim, é vislumbrar uma Seleção”.

Tite colecionou títulos, mas não ficou sentado em cima deles à espera do convite da CBF. Após o fim da segunda passagem pelo Corinthians, em 2013, passou sete dias no Real Madrid. Acompanhou quatro treinamentos, três jogos do time comandado, à época, por Carlo Ancelotti, e jantou com o técnico italiano como convidado. Conheceu a estrutura do clube merengue da base ao profissional, conheceu a logística e até como Carlo Ancelotti elaborava as preleções. Uma fonte próxima a Tite conta que ele admira, sim, Pep Guardiola e José Mourinho, mas Carlo Ancelotti tem muito mais o seu perfil.

Depois da passagem pelo Real Madrid, Tite zarpou rumo a Londres. Passou dois dias no Arsenal e assistiu ao jogo do time comandado pelo francês Arsène Wenger contra o Bayern de Munique. Conheceu a estrutura, o CT, os campos de treinamento, a logística e o departamento de informática do clube inglês. Mas Tite não se contentou apenas com a Europa. Deu um pulinho em Buenos Aires e interagiu com o técnico mais vencedor da história do Boca Juniors — Carlos Bianchi. Acompanhou treinamentos e viu in loco uma exibição do time argentino.

Tite esperava colocar em prática o que aprendeu na Seleção. Desprezado pela cúpula da CBF depois da Copa de 2014, aplicou as teorias no retorno ao Corinthians. Esperou no clube certo. Afinal, de 1998 para cá, Luxemburgo, Parreira e Mano Menezes saíram do time paulista para a Seleção. No Timão, um excelente trabalho aliado à exposição na mídia pressionariam a CBF.

Tite trouxe da Europa e da Argentina na bagagem compactação defensiva e ofensiva, observou como os times chegam à frente, exigiu do Corinthians triangulações, troca de passes, marcação por setor e verticalidade. Taticamente, esses foram alguns dos segredos do sucesso do Corinthians na conquista do hexacampeonato brasileiro no ano passado.

Graças ao investimento em reciclagem, Tite começou a dar nós táticos nos colegas de profissão. Os adversários notaram que o intercâmbio fez diferença na carreira de Tite. E começaram a imitá-lo. Mano Menezes fez curso da Uefa em Portugal. Muricy Ramalho tentou colocar em prática no Flamengo as novas ideias assimiladas no Barcelona, mas a saúde não permitiu. Dorival Júnior procurou Pep Guardiola e brilha à frente do Santos.

Depois da Copa, o então presidente da CBF, José Maria Marin, hoje prisioneiro em Nova York, disparou a patacoada. “Os técnicos brasileiros não precisam se reciclar com estrangeiros, nós ainda somos o único país pentacampeão do mundo”.

Quem se apegou ao discurso vazio foi parar do outro lado do mundo. Vanderlei Luxemburgo chegou a dizer que não viu nada de novo na Copa de 2014. O professor tem urticária quando ouve a palavra reciclagem. Depois de quase rebaixar Cruzeiro e Flamengo, foi parar na China e já voltou de lá demitido por um clube da segunda divisão. Luiz Felipe Scolari, que também detesta reciclagem, é outro empregado na China. Dunga jura ter se reciclado tomando cafezinho com Arrigo Sacchi durante a Copa de 2014. Mas foi Tite quem mostrou na prática que levar o intercâmbio a sério e se esforçar para colocá-lo em prática faz toda a diferença.

Vitória da meritocracia. Boa sorte, Tite!