Brasília-DF, por Carlos Alexandre de Souza
Com dois milhões de infectados segundo as estatísticas oficiais, o Brasil consolida seu posto na galeria de países que pior reagiram ao avanço da pandemia do novo coronavírus. Esse fracasso torna-se mais retumbante se considerarmos que a nação assistiu, durante vários dias, à prévia do drama sanitário no continente europeu, com proporções dantescas em localidades como Milão, na Itália.
Esta semana, o presidente Jair Bolsonaro discorreu mais uma vez seu julgamento sobre a pandemia. Ao defender, mas não recomendar, o uso da cloroquina, o chefe do Executivo saiu-se com uma frase profética: “A história vai dizer quem estava certo e a quem cabe a responsabilidade sobre parte das mortes”.
De fato, chegará o momento em que o Brasil precisará refletir sobre o desastre sanitário que se abateu sobre o país. Está evidente a parcela de responsabilidade do governo federal, que, entre outros equívocos, completou, esta semana, dois meses sem ministro da Saúde. Mas, há erros e falhas graves também nos estados e municípios.
Em diversos pontos do país, muitos governadores e prefeitos enveredaram por caminhos tortos no enfrentamento da pandemia, vacilantes entre a pressão econômica e as recomendações de autoridades sanitárias. O resultado é o que se vê hoje: uma pandemia que segue descontrolada em boa parte do país, e uma desorientação na conduta dos brasileiros. O julgamento da história virá, não há dúvida.
Ironia
No país onde a ciência é vilipendiada sistematicamente, a maior esperança para superar a pandemia reside em um esforço científico — a produção de uma vacina contra o novo coronavírus. Ou seja: enquanto o remédio milagreiro não vem, vamos de cloroquina, máscara e álcool em gel. Prevalecem as atitudes individualistas, após o fracasso das ações coletivas, como o isolamento social.
Atos e palavras
Enquanto o presidente segue firme na defesa da hidroxicloroquina, o Ministério traduz em atos as palavras do chefe. O ofício enviado pelo Ministério da Saúde à Fiocruz, insistindo na divulgação do uso do medicamento, comprova, mais uma vez, a opção do governo federal em ir contra todas as indicações no combate à covid-19. A Sociedade Brasileira de Infectologia repudiou a nova ofensiva do governo federal.
Brother Trump
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), considerado um adversário político pelo Planalto, conseguiu apoio de um aliado do presidente Bolsonaro. O estado anunciou, ontem, que o governo de Donald Trump doará equipamentos e infraestrutura para a construção de um hospital de campanha em Bacabal, a 250km de São Luís. O Maranhão registra mais de 104 mil casos, com aproximadamente 2.600 mortes.
BNDES enxuto
O BNDES está seguindo a mesma cartilha da Petrobras, com anúncio de programa de enxugamento da folha salarial. Na segunda-feira, o banco lança um programa de estímulo à aposentadoria, que pode afetar até 10% do quadro de 2.623 servidores. Com a medida, o BNDES espera reduzir a folha de pagamentos em até R$ 190 milhões por ano.
Mega-auxílio / O segundo relatório sobre a execução do auxílio emergencial, aprovado, ontem, pelo Tribunal de Contas da União, informa que o total desembolsado para ajudar 59 milhões de brasileiros é 16 vezes maior do que os recursos utilizados com o Bolsa-Família antes da eclosão da pandemia. “A demanda de famílias pelo auxílio emergencial é mais do que o triplo da demanda por proteção social oferecida anteriormente pelo Programa Bolsa Família”, detalhou o ministro Bruno Dantas (foto), relator do documento. Segundo o relatório, caso o governo federal mantenha o pagamento do auxílio emergencial até dezembro, a conta da ajuda chegará perto de meio trilhão de reais — quase um terço da arrecadação de impostos no Brasil.
Problema maior / Os números analisados pelo TCU indicam um problema muito anterior à chegada da pandemia no país: a situação crítica de milhões de brasileiros em estágio de miséria. Vivem à margem de políticas públicas, na informalidade econômica e indigência social. Dezesseis anos de governos de esquerda foram insuficientes para retirar essa legião de brasileiros da miséria. Agora cabe à atual administração, de clara inclinação liberal, socorrer essa parcela vulnerável da população.
Vidas indígenas / Mais uma entidade manifestou-se sobre a necessidade de salvar o meio ambiente no país. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, grupo formado por mais de 200 representantes do agronegócio, da sociedade civil, setor financeiro e academia, enviou carta para o governo federal e o Congresso. No documento, a entidade defende a proteção dos povos indígenas na pandemia e o combate ao garimpo. “É possível ser uma potência florestal, agrícola e da biodiversidade e, ao mesmo tempo, conservar e expandir o enorme patrimônio natural do país. Mas, este modelo só tem sentido se garantir, também, a proteção aos povos originários da floresta”, defende o texto.