Paulo Silva Pinto
Os estudantes que tiraram nota máxima de redação no Enem apesar de terem escrito “enchergar” e “trousse”, dentre outras aberrações, são injustamente vistos como privilegiados. De fato eles não deveriam estar no topo do pódio. Só que a prova não é o fim. Eles receberam mensagens enganadoras: de sua capacidade de escrever os qualifica plenamente a cursar a universidade e de que ela lhes permitirá mais tarde serem recebidos de braços abertos no mercado de trabalho.
Não só eles foram enganados. Muita gente que teve a maior parte da escolaridade básica a partir dos anos 1980, grupo em que me incluo, enfrentou o mesmo problema. Começou a ganhar corpo na época a ideia de que era preciso acabar com as aulas maçantes de gramática e, em vez disso, desenvolver outras habilidades linguísticas, sobretudo a criatividade.
A ideia de modernizar o ensino é ótima. O problema é fazer isso com prejuízo ao conhecimento da norma culta, como se fosse absolutamente secundário escrever algo de um jeito ou de outro. Não é. A padronização das palavras evita equívocos na comunicação. Certamente a língua se transforma. Mas não podemos conviver com uma nova língua todos os dias. Se fosse assim, não sobraria tempo para fazer outra coisa senão prestar atenção às mudanças nos códigos. Ninguém quer perder tempo com erros ou passar uma imagem ruim. Empresas tendem a não contratar para as melhores posições, ou a não manter nelas, pessoas que têm falhas graves no conhecimento da língua portuguesa. No caso do setor público, isso é ainda mais drástico, afinal a porta de entrada é o concurso público. Diferentemente do que ocorre no Enem, as bancas são extremamente rigorosas quanto aos erros. Afinal, com o elevada disputa por uma vaga, uma única falha pode diferenciar um candidato de outro.
De fora dos ambientes profissionais, imagina-se que é possível consultar dicionários com frequência e rescrever um texto inúmeras vezes. Não é assim. O tempo é extremamente escasso — cada vez mais — e a exigência de conformidade, progressivamente maior. Mesmo em trabalhos especiais, é preciso usar o privilégio do tempo extra para aprimorar a clareza e o estilo. Não para consertar erros óbvios.
Dar zero para quem comete erros na redação do Enem seria um exagero. Mas a nota mil está longe do que esses estudantes — e o Brasil — merecem.