Vírgula 4

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           “O vocativo me desafia”, diz o João Alberto. “Vai de encontro à lição que aprendi na escola. Lá, o professor ensinava: só se usa letra maiúscula depois do ponto. Na correspondência, separa-se o vocativo por vírgula. Até aí tudo bem. Mas se emprega letra maiúscula depois da vírgula. Pode?”   O vocativo, João, é o marginal da oração. Não faz parte dos termos essenciais, integrantes ou acessórios. Por isso vem sempre – sempre mesmo -separado por vírgula.            A palavra vocativo vem do latim vocare. Significa chamar. Pertence à família de vocação (chamamento do coração). Seguir a vocação é atender a voz interior. Ouvir o apelo da alma. “É feliz quem faz aquilo de que gosta”, dizem os psicólogos.         

         Sempre que você se dirigir a alguém, não duvide. Estará usando o vocativo. “Paulo, tome banho”, manda a mãe. Paulo é o vocativo. “Alô, Sílvio, tudo bem?”, diz Maria ao telefone. Sílvio é o vocativo. “Senhor Diretor”, começa o ofício com o vocativo.

         Há um truque para identificar esse termo arredio. Antepor-lhe o ó. Como fez o Roberto Pompeu de Toledo em artigo da revista Veja: “Ninguém te compreende, ó Reditário”.  

               A literatura usa e abusa do chamamento. “Deus, ó Deus, onde estás que não me escutas?”, pergunta Castro Alves em Vozes d´África. “Tu choraste em presença da morte? Em presença de estranhos choraste? Não descende o covarde do forte. Tu, covarde, meu filho não és”, escreve Gonçalves dias em I-Juca Pirama. “Entra, minha filha, senão vai virar prostituta”, ameaça a experiente senhora. “Deus te ouça, minha mãe, Deus te ouça”, responde a moça assanhada do poema de Ascenso Ferreira.

         Nas cartinhas, o vocativo está presente: Paulo, Querida Maria, Caro Luís, Meu amor. Na redação oficial também. O ato de correspondência começa com ele: Senhor Presidente da República, Senhor Chefe, Senhor Diretor.

         Houve tempo em que a correspondência do governo dava margem à criatividade. O redator podia separar o vocativo por dois pontos (Senhor Diretor:), vírgula (Senhor Diretor), ou simplesmente não usar nada (Senhor Diretor). Hoje as coisas mudaram. O Manual de Redação da Presidência da República recomenda o emprego da vírgula.

         E a letra maiúscula depois da vírgula? Sempre que iniciar parágrafo, usa-se letra maiúscula. Mesmo depois da vírgula do vocativo. Assim se convencionou. Manda quem pode. Obedece quem tem juízo.