Vanguarda natimorta

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DAD SQUARISI // dadsquarisi.df@dabr.com.br

Tornou-se lugar-comum dizer que Brasília nasceu do sonho de JK. O político mineiro ignorou o horizonte limitado por altas montanhas que tinha diante dos olhos. Viu longe. Vislumbrou uma cidade movida pela vanguarda, capaz de concretizar utopias. Mais: os ares da capital soprariam o atraso secular do Brasil para além-fronteiras.

Cinquenta anos se passaram. Comparados com os 473 de Salvador, 457 de São Paulo e 446 do Rio, a urbe dos arcos e pistas está velha. Talvez tenha nascido velha. Ph.D. nos vícios que mantêm o país distante das nações de fato desenvolvidas, o DF nada de braçadas nas águas turvas das mazelas que JK queria apagar.

Três verbos fazem a festa. O primeiro: concentrar. Concentramos a terra e a renda. Mansões construídas em lotes de 20 mil m² abrigam o mesmo número de pessoas que se apertam em quartinhos de 5m² ou 10m². A segunda maior renda per capita nacional mora ao lado de bolsões de pobreza que humilham e apequenam.

O segundo: afastar. Desde Pindorama, empurramos o pobre pra periferia — senzala, favela, cadeia, Febem. Mas não apagamos da Constituição o direito de ir e vir. Resultado: vistos como mal-educados, malvestidos, malcheirosos, malnutridos e maltudo, os excluídos povoam ruas e pesadelos. O espectro há muito deixou de ser exclusividade do entorno. Hoje bate às portas do Plano Piloto e do Lago Sul.

Além dos custos materiais, quantificados em perdas de vida, saúde, bem-estar, a violência traz prejuízos emocionais. Vivemos em clima de medo. Os muros altos deixaram de garantir a segurança. Cajes e Papudas não resolvem. E custam caro. O jeito é agir. Buscar soluções criativas que incluam em vez de marginalizar.

Como? O terceiro verbo entra em cartaz. Trata-se de reproduzir. Tiramos xerox de políticos que não pensam além da próxima eleição. A Câmara Legislativa rivaliza com a Gaiola de Ouro. O Palácio do Buriti, com os palácios das demais unidades da Federação.

Copiamos modelos de desenvolvimento predatórios. A cidade cresce sem lei e sem ordem. Prédios invadem áreas verdes, carros afogam o asfalto, a água escasseia, apagões viram rotina, hospitais matam, escolas nivelam por baixo. Em suma: filho de peixe peixinho é. O sonho de JK? É utopia — vanguarda natimorta.